A Comissão da Criança e do Adolescente da OAB Paraná, em parceria com a comissões de Saúde e da Mulher Advogada, promoveu na manhã desta terça-feira (18/8) um diálogo sobre a volta às aulas presenciais, cogitada nos meios educacionais após meses de ensino a distância em razão da pandemia de covid-19. Coube à advogada Renata Farah, presidente da Comissão de Direito à Saúde, promover a mediação do debate. O evento contou com interpretação em Libras.
“A Comissão da Criança e do Adolescente decidiu colocar em debate esse tema tão sensível e cheio de dúvidas, com poucas respostas. A advogada Bruna Saraiva, presidente da comissão, não pôde estar presente por questões de saúde e pediu que eu a representasse. A OAB decidiu trazer esse tema para refletirmos e juntos auxiliarmos a sociedade a tomar decisões, uma vez que a questão não atinge apenas as crianças e os pais, mas é também uma questão econômica, social, pedagógica e de saúde”, disse Renata Farah ao abrir os trabalhos.
Além dos números
O conselheiro estadual Anderson Rodrigues Ferreira, vice-presidente da Comissão Nacional da Criança e do Adolescente, abordou a normativa vigente e aspectos do protocolo de retorno. “Lembro que a educação é direito constitucional, para o pleno desenvolvimento das crianças e dos adolescentes. Posta essa premissa, falar em retomada das aulas neste momento é preocupante. A realidade do Paraná é de mais de 105 mil infectados e 2.704 mortes, com média estadual de 70% dos leitos de UTI ocupados, percentual que chega a 85% em Curitiba. Não devemos ver como simples números. Estamos falando de milhares de vidas interrompidas e famílias abaladas. Em meio a esse quadro, estamos há meses com um ministro da Saúde interino. Retomar as aulas presenciais agora seria um descaso à vida”, opinou Ferreira.
Na avaliação do advogado, é fundamental considerar os vários grupos envolvidos, incluindo famílias que têm os recursos em ordem, as que perderam renda na pandemia, os professores escola pública, os de escola privada e os proprietários de instituições de ensino. Para Ferreira, o debate não pode se limitar aos protocolos sanitários, sendo essencial que se observe também a adequação das estruturas dos prédios escolares. Ele lembrou que muitas escolas públicas carecem de estrutura, chegando ao ponto de não terem torneiras nos banheiros. Além disso, Curitiba passa por um rigoroso racionamento no abastecimento hídrico devido à estiagem, considerada a pior dos últimos 100 anos. “Como será esse retorno? Sem água?”, questionou.
Todas as vidas importam
Diante deste cenário, o vice-presidente da Comissão Nacional da Criança e do Adolescente enalteceu a importância da interlocução entre os atores da saúde e da educação. “Há uma necessidade real de que seja criado um grupo responsável pelo retorno às aulas e que a gestão seja democrática e participativa, com a instituição de fóruns permanentes em todos os níveis, que reúna profissionais da educação básica com representação governamental, e dos trabalhadores em educação representados por seus respectivos sindicatos, entidades estudantis, conselhos de pais e responsáveis, conselhos de direitos, secretarias da Educação, da saúde e da fazenda. Ou seja, o debate deve ser amplo e democrático. Nesse momento se faz necessária a participação de todos de forma efetiva, não apenas para constar, pois todas as vidas presentes nas escolas importam”, concluiu.
A advogada Mariana Lopes da Silva Bonfim, presidente da Comissão da Mulher Advogada, concordou com os pontos defendidos por Ferreira, lembrando que não houve queda do número de casos no Paraná e que o estado enfrenta, inclusive, problemas relacionados à falta de medicamentos. “Não é fácil cumprir o isolamento, mas é a única vacina que temos no momento”, defendeu.
Mulheres
Representando a perspectiva das mulheres, Mariana abordou os desafios enfrentados pelas famílias com crianças e jovens em idade escolar, que completam em agosto cinco meses de isolamento social. Ela abordou as dificuldades enfrentadas pelos pais – principalmente pelas mulheres – que não têm com quem deixar os filhos, lembrando que as mulheres são 70% dos profissionais da saúde na linha de frente da covid. “Nós mulheres temos que ser incluídas nesse debate porque fomos as mais impactadas. A covid-19 só veio trazer um foco de luz para uma desigualdade que já existia”, sustentou, defendendo a importância de os empregadores terem um olhar diferenciado para as mulheres que têm filhos após um breve relato pessoal das dificuldades que enfrentou em relação ao homeschooling com as filhas.
A advogada destacou neste contexto a importância das práticas colaborativas. “É na escola que as relações se constroem e para as crianças é muito difícil não ter a experiência de conviver. É preciso trazer essa informação porque nós queremos que os nossos filhos retornem para as escolas, mas não agora. Sabemos que não estamos na etapa adequada para isso”, disse. “A educação é muito importante, mas a saúde é a vida. E o direito à vida precisa ser preservado. Sabemos que ainda não é o momento de levar o nossos filhos para o ambiente escolar. Não estamos preparados para isso, pois a nossa curva (de contágios por covid-19) nem começou a cair”, frisou.
Insegurança
O médico infectologista Vitor Horácio, diretor técnico de infectologia do Hospital Pequeno Príncipe, ressaltou que o momento ainda é de muita insegurança. “Nós não temos vacina, tampouco medicação. Existe um cenário que precisamos contextualizar para caracterizar com mais segurança quais seriam os critérios e os cuidados no retorno às atividades dessas crianças. Temos um dado importante que nos faz ficar muito preocupados: a porcentagem de crianças com contágio doméstico se elevou muito nas últimas três semanas”, relatou. “Isso mostra que realmente houve frouxidão no isolamento e um descuido nos cuidados que precisamos ter em casa para que não tenhamos uma segunda onda, o que é muito provável de ocorrer”, alertou.
O médico trouxe pareceres da Unesco, do Unicef, artigos científicos e modelos governamentais aplicados em outros países — sobretudo China e Noruega — para pensar como seria um possível retorno às aulas no Brasil. Entre as soluções externas adotadas a divisão das turmas em grupos menores com rodízio entre aulas presenciais e virtuais; as divisórias de acrílico nas carteiras; horários distintos para o intervalo e para a entrada e a saída dos estudantes.
Vitor Horácio também esclareceu algumas dúvidas de pais sobre a covid-19, observando que a comunidade escolar foi um dos setores mais afetados pela pandemia no mundo. Segundo a Unesco, há mais de 1,5 bilhão de alunos fora da escola em virtude da crise sanitária. “A retomada precisa lembrar que a prioridade é cuidar da saúde de todos. Expor a criança e fazer com que vá para casa e transmita o vírus para grupo de risco é um problema”, afirmou. Para ele, um país continental como o Brasil, com tantas assimetrias quanto às condições de saúde e educação, não pode adotar uma regra geral, uma vez que as realidades regionais são muito diferentes.
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