A Universidade Federal do Paraná realizou nesta segunda-feira (28/10), no teatro da Reitoria, um ato público de desagravo ao professor José Rodrigues Vieira Netto (1912-1973) e aos alunos da turma de Direito de 1964. A cerimônia teve o objetivo de homenagear a memória do grande jurista e patrono da advocacia paranaense, bem como reparar as injustiças cometidas contra ele no primeiro ano da ditadura militar.
Com a presença de um dos estudantes da época, o advogado e professor Antonio Acir Breda, a cerimônia resgatou um dos fatos que marcaram a história da Universidade naquele período. Em 1964, a turma de Direito havia escolhido Vieira Netto como paraninfo, mas foi impedida de tê-lo em sua solenidade de formatura por deliberação da reitoria e do conselho universitário. Professor de Direito Civil, Vieira foi aposentado compulsoriamente pelo suposto risco que oferecia ao regime.
Os bacharéis se formaram sem a presença de Vieira Netto, mas no baile de formatura distribuíram impresso o famoso discurso que seria lido na colação de grau, “Sobre as quatro liberdades”. Breda contou a história para uma plateia formada por estudantes daquele período, professores, ex-reitores da UFPR, além do atual reitor Ricardo Marcelo Fonseca, a presidente da OAB Paraná, Marilena Winter, entre outras autoridades.
Antonio Acir Breda relatou os fatos e se emocionou quando descreveu as qualidades de Vieira Netto, com quem conviveu. Ao lado dele, foi um dos combativos advogados que enfrentaram o arbítrio e não se omitiram na defesa de presos políticos.
“Vieira Netto era o príncipe da advocacia paranaense. Era um homem de uma personalidade singular, um excelente professor de Direito Civil, de uma dignidade incomum. Eu me sinto emocionado de poder enaltecer mais uma vez aquele que foi o maior advogado que tivemos. Por isso a Ordem dos Advogados do Brasil venera essa figura maravilhosa”, disse Breda, que foi professor de Processo Penal na UFPR até 2003.
Compromisso com a memória
O reitor Ricardo Marcelo Fonseca explicou que a solenidade de reverência a Vieira Netto faz parte do evento “60 anos de golpe, memórias, lutas e resistência”, que contou também com a exibição do filme “Entrelinhas”, do diretor Guto Pasko, e uma mesa-redonda organizada pela Comissão dos 60 Anos do Golpe. Logo na abertura do evento, foi exibido o trecho de um filme documental inédito, com cenas do cerco da Reitoria da UFPR por militares, com data a ser identificada, possivelmente de 1968 ou 1974.
“Enfatizo o compromisso que a Universidade tem de rememorar e ressaltar o papel que muito nos orgulha, de protagonismo de seus professores e estudantes na resistência ao autoritarismo. Mas devemos reconhecer também que a nossa universidade, em vários momentos, de modo vergonhoso, operacionalizou ações de cooperação com o regime militar. A história de Vieira Netto e alguns cerceamentos de liberdades que aconteceram aqui na nossa universidade demonstram muito bem isso”, destacou o reitor. É preciso resgatar essa memória, sem deixar páginas grudadas”, completou.
Resistência
Durante toda a sua trajetória, Vieira Netto sofreu muitos reveses por seu posicionamento político. Ele começou a lecionar na Faculdade de Direito da então chamada Universidade do Paraná em 1934, primeiro dando aulas de Literatura no Curso pré-jurídico, depois como professor de Direito Constitucional e Civil e como professor de Economia Política na Faculdade de Ciências Econômicas do Paraná.
Dez anos antes de se tornar professor catedrático de Direito Civil, em 1958, por meio de concurso público e defesa da tese, foi eleito deputado estadual constituinte pelo Partido Comunista, conciliando as carreiras de político e docente. Em 1948 teve o mandato cassado por ato do governo federal, em razão do partido ter sido declarado ilegal. Seu mandato só viria a ser restaurado, simbolicamente, pela Assembleia Legislativa do Paraná, em 2013.
Mesmo reconhecido como excelente professor, Vieira Netto foi obrigado a ser aposentar pelo governo militar após o golpe de 1964. Sua aposentadoria compulsória foi justificada oficialmente pelo fato de ser “um professor de alto risco para a mocidade”.
No período em que esteve à frente da Cátedra de Direito Civil, Vieira Netto foi paraninfo de duas turmas de formandos. Na primeira ocasião, pode participar da formatura. Porém, na segunda vez foi proibido de proferir seu discurso para a turma de 1964, por já estar processado e aposentado de maneira forçada em consequência do Ato Institucional Nº 01.
Vieira Netto foi presidente do Instituto dos Advogados do Paraná, de 1941 a 1942, e presidente da OAB Paraná em três gestões (1957-1959, 1959-1961 e 1970-1972). Em sua homenagem, a seccional paranaense instituiu a Medalha Vieira Netto, honraria concedida aos que se destacam pelos relevantes serviços prestados à justiça, ao direito e à advocacia.