Judicialização e tecnologia aplicada à saúde são temas de painéis vespertinos no II Simpósio Internacional de Direito Médico

A tecnologia aplicada à saúde foi o eixo temático de dois dos três painéis vespertinos do II Simpósio Internacional de Direito Médico promovido pela Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB Paraná neste sábado (11/9), em formato 100% on-line. Um dos painéis, sob mediação da advogada Camila Kochanowski Simão, integrante da Comissão de Direito à Saúde da seccional, reuniu a médica sanitarista Neyde Glória Garrido, o promotor de Justiça paulista Denilson Freitas, que é membro da Câmara de Saúde Suplementar da Agência Nacional de Saúde (ANS), e a advogada Lenir Santos, doutora em Saúde Pública pela Unicamp. Os palestrantes trataram, respectivamente, de incorporação tecnológica no Sistema Único de Saúde (SUS), de atualização de procedimentos médicos no rol da ANS e de financiamento à saúde.

Neyde abriu sua apresentação indicando que atualmente o termo “saúde pública” expressa não apenas ausência de doença, mas um estado de completo bem-estar físico, mental e social. “No entanto, no Brasil temos o SUS como única política voltada para a saúde, com avanços pequenos, por exemplo, no saneamento. E vemos uma ambiguidade com o ‘desfinanciamento’ do sistema, como o incentivo à saúde privada e a adoção de serviços específicos para servidores públicos. A realidade é desigual e agravada pela baixa regulação do sistema e da saúde privada”, apontou.  “Nesse cenário, a incorporação da tecnologia tem efeitos positivos, como a racionalização e a melhoria dos serviços, mas também inconvenientes, sendo o maior deles a judicialização. É como se o sistema terceirizasse à Justiça o papel de aplicar o direito à saúde”, disse ela.

O promotor Denilson Freitas lembrou que a Súmula 608 do STJ já pacificou o entendimento da saúde como bem de consumo e que a Lei 9961/2000, que criou a Agência Nacional de Saúde (ANS), trata do rol de procedimentos que as operadoras de planos de saúde devem assegurar aos seus consumidores. Ele frisou ainda que a partir de outubro entra em vigor a Resolução Normativa 470 da ANS, que altera o rito para revisão periódica da lista de coberturas obrigatórias dos planos de saúde. Além disso, há alguns dias saiu a MP 1067/2021, que também interfere no processo de atualização do rol da ANS. “A resolução abreviou o prazo para a atualização do rito, o que é positivo. A MP também acelera o processo, mas precisa ser regulamentada sob pena de gerar judicialização em vez de evitá-la”, alertou o promotor.

O acesso universal e integral à saúde foi o aspecto destacado pela advogada Lenir Santos em sua apresentação. “Essa visão foi trazida pela Constituição, em 1988. Contudo, nos damos conta de que se trata de um conceito aberto, impreciso e fluído, que requer normas que lhe apliquem contornos. São contornos o rol de ações e serviços, o rol de medicamentos, prescrições, protocolos e os recursos orçamentários. Sem recursos não se consegue garantir assistência à saúde”, afirmou, lembrando que a CPMF, criada em 1996 para financiar saúde, acabou também tirando outros recursos destinados ao SUS. “De 1988 para cá, a saúde não foi prioridade em nenhum governo. Agora, com o congelamento dos gastos públicos imposto por emenda constitucional, estamos descendo a escada, saindo de um subfinancimento para o desfinanciamento”, lamentou.

Tecnologia

O segundo painel da tarde contou a advogada Melissa Kanda Dietrich, integrante da Comissão de Direito à Saúde da OAB Paraná, como moderadora. Tomaram parte dos debates a advogada portuguesa Carla Barbosa, pesquisadora do Centro de Direito Biomédico da Universidade de Coimbra; a advogada Lara Rocha Garcia, autora do livro “Inovação Tecnológica e Direito à Saúde”; e José Faleiros, mestre em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia.

Carla falou sobre a perspectiva da União Europeia quanto aos princípios ético-jurídicos a reger o uso da robótica e da inteligência artificial na área médica, citando o Mabu, avatar do programa da Pfizer para explorar o comportamento dos pacientes, e o Watson da IBM, cujo sistema “deep learning” pode prover diagnósticos precoces e melhores práticas. “A grande questão é saber quem é o responsável diante de erros médicos desses sistemas. Devemos responsabilizar a inteligência artificial, o proprietário do mecanismo ou quem o utilizou? O agir ético das máquinas está muito longe daquilo que nos radica como seres humanos e por isso a questão está em debate na UE”, indicou ela.

Lara Garcia tratou da estratégia global em saúde digital. “A ONU já disse que o futuro do mundo passa pela economia digital, com inteligência artificial. Seu braço de saúde, a OMS, aponta a ciência e a tecnologia como elementos essenciais para promover a saúde global por meio de uma governança global. Nesse modelo, a OMS preconiza a adoção de ações como a colaboração e a transferência de dados de saúde para a criação de um ecossistema digital de saúde.  O órgão também recomenda o envolvimento amplo dos profissionais de saúde no desenvolvimento de aplicações de inteligência artificial aplicadas à saúde”, explicou.

Faleiros discorreu sobre o anonimato no uso de dados relativos à saúde. “A LGPD já é real, assim como o regulamento sobre a proteção de dados na União Europeia, no qual a legislação brasileira se inspirou. Contudo, apesar da inspiração, a lei brasileira deixou aspectos de lado, um deles diz respeito à anonimização. Os europeus descartaram o conceito por entender que não existe dado anônimo. A LGPD brasileira fala em pseudonimização, mas restringe seu campo de incidência a estudos relativos à saúde. Em consequência, temos os chamados vacinômetros com nomes completos, CFPs, comorbidades e outras informações individuais dos cidadão. Seria possível fazê-lo sem indicar dados pessoais. Parâmetros éticos precisam estar presentes nesse processo”, defendeu.

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Pandemia

O terceiro e último painel do simpósio tratou da judicialização das questões de saúde ao longo da pandemia de covid-19. A mediação ficou a cargo do advogado Fernando Alcântara Castelo, membro da Comissão de Direito à Saúde da OAB Paraná.

A primeira exposição do painel foi a do médico Victor Horário da Costa Junior, vice-presidente da Sociedade Paranaense de Pediatria na gestão 2019/2021. "Os hábitos alimentares parecem ter contribuído para a pandemia de covid-19 e podem vir a contribuir com outras. Na população pediátrica observamos uma incidência maior de covid entre meninos obesos. A contaminação não está ocorrendo na escola, mas em casa. Pais vacinados estão abandonando as medidas de distanciamento e higiene. Contudo, mesmo sem sintomas, podem transmitir o vírus. E as sequelas vão muito além dos problemas respiratórios. Quero fazer três alertas: criança com covid nem sempre tem febre, a tosse é seca e não há muita coriza. Outro ponto relevante: o isolamento elevou os índices de maus tratos, doenças mentais e gravidez na adolescência", enumerou.

A outra exposição foi feita pela juíza Ana Carolina Morozowski, juíza substituta da 3ª Vara Federal de Curitiba, especializada em Saúde. A magistrada discorreu sobre o controle judicial dos atos da pandemia. "O Judiciário foi chamado a resolver inúmeras questões relativas à pandemia: prioridade de vacina, abertura de escolas... E temos, como juízes que atuam na saúde, de refletir sobre até que ponto podemos interferir levando em conta que não temos mandato democrático. Afinal, não fomos eleitos pelos cidadãos", disse, elencando ainda as diversas questões éticas presentes do cotidiano dos juízes que precisam tomar decisões relativas à saúde.