As redações e salas de aula dos cursos de comunicação atestam: o jornalismo é hoje uma profissão exercida majoritariamente por mulheres. Mas, como em quase todos os ofícios, nem sempre foi assim. O Sindicato dos Jornalistas do Paraná (Sindijor-PR) tem registradas em seu cadastro 2.685 mulheres ante a um quadro geral de 5.818 profissionais. A discrepância na proporção de aposentados – 87 mulheres e 293 homens – indica o quão relativamente recente é a presença maciça feminina na profissão.
A primeira mulher a ter registro profissional de jornalista no estado, em 13 de outubro de 1954, foi Rosy de Sá Cardoso. Falecida no último dia 3 de fevereiro, aos 96 anos, Rosy deixa um legado de pioneirismo e coragem no jornalismo paranaense. “Ela derrubou barreiras numa época em que as redações eram formadas só por homens. Também compreendeu sempre a importância de as jornalistas participarem ativamente da organização profissional, mantendo-se filiada ao Sindijor-PR por toda a vida”, relata Célio Martins, presidente do sindicato.
Rosy nasceu em 19 de dezembro de 1926, em uma casa à beira do Rio Ivo, no centro de Curitiba, rua que viria a percorrer diariamente anos depois, para ter acesso à redação da Gazeta do Povo. O pai, bancário, levou a família a se transferir para Paranaguá quando ela era pequena. Na volta a Curitiba, já adolescente, surgiu o gosto pelas apresentações artísticas.
Feliz com a promissora carreira de cantora na Rádio Guairacá, Rosy teve um calo nas cordas vocais. Em de enfrentar uma cirurgia, escolheu mudar de ramo. Perderam os fãs de bolero, ganharam os leitores. Rosy começou como colunista social de O Dia, aos 21 anos. Era preciso ajudar a mãe, Xaguana, viúva desde 1942, no sustento da família.
Rosy trabalhou n’O Dia até 1951. Depois, passou dois anos na redação de O Estado do Paraná. Em seguida contribuiu com as revistas Panorama, Divulgação e Alta Sociedade, já mesclando colunismo e reportagem. Eclética, em 1950, entrevistou Cristiano Machado, então candidato à presidência, e cobriu no Maracanã uma partida entre Brasil a Espanha pela Copa. O jogo terminou com vitória de 6 x 1 para o Brasil.
Malas prontas
Nos anos 60 atuou como produtora e apresentadora da TV Paraná, afiliada à Tupi. Nessa época, fez também a primeira viagem internacional. O gosto pelo turismo – herdado do pai e compartilhado com a irmã, Regina – se converteria em sua especialidade no jornalismo.
Em suas passagens pelo Diário do Paraná, nos anos 60 e 70, e pela Gazeta do Povo, de 1977 a 2017, correu o mundo em viagens organizadas para a divulgação de destinos e também nas próprias férias. Ao longo da vida, visitou cerca de 90 países – todos sinalizados em um mapa mantido em casa. Na mesa de trabalho, a energia da viajante se convertia em reportagens de Turismo e em colaboração para outras editorias.
Rosy jamais se deixou limitar pelas convenções. Manteve-se solteira por opção, foi das primeiras curitibanas a dirigir e a usar calças compridas. A franqueza e a generosidade eram suas principais marcas. Elogios gratuitos estavam foram de questão. Se algo a desagradava, dizia diretamente, mesmo que isso custasse a vaidade de uma colega com novo corte de cabelo. Era também extremamente generosa. Ao lado da irmã, no Fusquinha que tanto amavam, ia à casa dos amigos vestida de Papai Noel para alegrar a noite de Natal das crianças. Rosy também bancou os estudos de muitos colegas e filhos de colegas. Direto ao ponto, a pioneira do jornalismo ensinou toda uma geração a questionar e a trocar a obediência cega pela fidelidade às próprias convicções.
Na esportiva
Outra pioneira das comunicações no Paraná foi Sonia Regina Nassar, repórter que fez história no jornalismo esportivo paranaense. Nascida em 1951, ela seguiu a trilha estabelecida para moças das tradicionais famílias curitibanas de sua geração e frequentou o Instituto de Educação Familiar, escola apelidada de “caça-marido” por conta das aulas de culinária, costura e outras prendas domésticas. Seu interesse, contudo, ia em outra direção: Sonia gostava era de acompanhar os jogos e treinos no Estádio Joaquim Américo, próximo de sua casa.
Impulsionada pela paixão pelo futebol, ela decidiu se tornar repórter em 1969. Ainda com 17 anos, pediu emprego na Rádio Guairacá e abraçou com garra a oportunidade recebida. Na década seguinte integrou a equipe da Tribuna do Paraná e lá consolidou-se na cobertura futebolística sem jamais esconder que tinha um clube do coração: o Athletico Paranaense. Além do rádio e da imprensa escrita, ao longo da carreira ela atuou também na televisão.
Formada em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná, Sonia não se deixava intimidar na hora de entrar nos vestiários para entrevistar jogadores. Sua irmã, Sandra, também jornalista, conta que certa vez um cartola perguntou se ela não tinha vergonha de entrar num lugar cheio de homens nus. A resposta veio rápida: “Vergonha é perder um furo de notícia!”. A desenvoltura também prevalecia na hora de localizar fontes, habilidade muito útil num tempo em que não havia buscadores de informação nem telefones celulares.
Na Tribuna do Paraná, Sonia criou o prêmio ‘Corujinha de Ouro‘, para homenagear os melhores do Campeonato Paranaense. Sonia não tinha tempo para outras atividades que não fossem seu trabalho e sua paixão pelo Rubro-Negro. “Ela foi casada com o Athletico, até nos piores momentos do clube. Em meio a uma grave crise financeira, chegou a costurar novos uniformes”, disse a irmã em depoimento à Tribuna.
Depois de Sonia, ficou um pouco menos difícil para as repórteres enveredar pelo caminho do jornalismo esportivo. Um viva à coragem das pioneiras que abrem caminhos para quem vem em seguida!