O impacto do Projeto Anticrime na vida da mulher foi tema do terceiro painel do debate Direito Por Vozes Femininas, que nesta edição analisa a proposta legislativa que propõe alterações relacionadas ao direito penal na tentativa de reduzir a criminalidade. O evento, organizado pela Comissão da Mulher Advogada, ocorre durante essa sexta-feira (10) na sala do Conselho Pleno da OAB Paraná.
A vice-presidente da Comissão da Mulher Advogada do Conselho Federal da OAB, Alice Bianchini foi uma das integrantes da mesa. Ela chamou atenção para a possibilidade que o PL traz da violenta emoção como justificativa para atos violentos. Alice observou que durante uma briga, uma mulher supostamente cometer uma agressão verbal e isso ser utilizado para justificar a “violenta emoção” do agressor que reage com violência física . “Até que ponto a agressão verbal poderá ser considerada provocação?”, questiona a advogada. Ela lembra que hoje dificilmente se fala em “legítima defesa da honra” em processos de agressões contra mulheres. Em vez disso, vem ganhando espaço a mentalidade de que “quem ama não mata”. A presidente da CMA nacional ressaltou que 45% das mulheres vítimas de feminicídio no Brasil estavam em processo de separação ou recém separadas.
Alice destaca a importância de se abordar o projeto de lei a partir do olhar das mulheres. “A discussão do Projeto de Lei Anticrime precisa ser feita por toda a sociedade, mas quando você coloca quem sente na pele para fazer a discussão, você consegue trabalhar coisas que outras pessoas não enxergavam”, observa a advogada. “Nada melhor do que a pessoa que está com o problema para dizer sobre ele. Trabalhamos na perspectiva de que as mulheres vão conseguir enxergar coisas que os homens às vezes não enxergam. E às vezes nós mulheres mesmo não conseguimos ver o que outras mulheres vivem. É uma questão da criminologia: quanto mais você coloca o problema perto da pessoa que o vivencia, mais você vai conhece-lo”, conclui.
Mulheres encarceradas
A advogada Letícia Delmindo também participou do painel e chamou a atenção para o fato de a população carcerária feminina ser formada principalmente por mulheres negras. “A maioria dessas mulheres no cárcere advém do tráfico e se envolveu por alguma ligação afetiva”. Ela lembrou ainda que, diferentemente dos homens que recebem visitas, inclusive íntimas, com frequência, a realidade das mulheres nos presídios é de abandono.
Letícia considera que a maneira como o tráfico é tratado na legislação, equiparado a crime hediondo, vai apenas superlotar o sistema carcerário, sem resolver o problema de fato.
Na mesma linha, a advogada Bárbara Correia mencionou que 62% das mulheres presas no Brasil são negras. “Esse perfil precisa estar na nossa cabeça quando pensamos em mulheres”. Na leitura dela, a mulher negra está submetida a um estereótipo de que deve ser forte, de que é sofredora e resistente. Nesse contexto, não só as mulheres negras encarceradas sofrem, mas também aquelas que estão dentro do ciclo do encarceramento, com maridos, filhos ou sobrinhos presos. “Estamos institucionalizando a dor de mulheres negras. São mulheres que muitas vezes precisam ser fortes para investigar sozinhas a morte de seus filhos”, disse Bárbara.
A advogada tratou ainda sobre a situação da juventude negra no Brasil. “A população negra está submetida a uma situação que é um genocídio”, afirmou. “O extermínio dos jovens se dá não apenas com a morte, mas com a exclusão das oportunidades. Nós temos uma juventude negra que não se vê representada”, concluiu.
Painéis
Outros temas foram debatidos na sequência, com análise das questões relacionadas à legítima defesa pela advogada Marina Pinhão Coelho Araújo; à figura do “wistleblower”, pela advogada Anne Amador Kozikoski; e às medidas cautelares e o confisco alargado, pela advogada Márcia Leardini.
Outro painel reuniu as advogadas Michele Cabrera, que falou sobre “Autoritarismo no projeto Anticrime”; Marion Bach, sobre aplicação da pena e o projeto anticrime; Thaíse Mattar Assad, Carla Joana Donna Magnago e Vitória de Oliveira Rocha Alves, sobre os reflexos nos recursos, no tribunal do júri e no interrogatório por videoconferência.
A conferência de encerramento foi feita pela advogada Eleonora Rangel Nacif, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.