Professores analisam as repercussões da pandemia no Direito Civil

“O Direito Civil e a legislação sempre foram vistos como uma ordem permanente das relações privadas, daí a dificuldade da nossa disciplina de lidar com as grandes crises.” Com essas palavras, o jurista Paulo Luiz Netto Lobo, professor emérito da Universidade Federal de Alagoas, deu início ao painel que analisou as repercussões da pandemia no Direito Civil.

O tema esteve em debate na tarde desta quarta-feira (29) no I Congresso Digital Covid-19, promovido pela OAB e ESA Nacional. Também participaram do debate os paranaenses Eroulths Cortiano Júnior, presidente da Comissão Especial de Direito Civil do Conselho Federal da OAB, Rodrigo Xavier Leonardo, professor da Universidade Federal do Paraná, e o professor de Pernambuco Venceslau Tavares Costa Filho (UFPE).

Eroulths Cortiano Júnior presidiu a mesa e logo passou a palavra a Paulo Lobo, que analisou o tema sob a perspectiva do direito civil permanente, do direito civil transitório e do direito civil em transformação. “Pouco se tem de produção na doutrina sobre como lidar com situações dessa magnitude. Talvez a causa seja que nesses 200 anos o Direito Civil foi muito mais voltado para as coisas do que para as pessoas. Haja vista o conflito hoje latente, com a pandemia, entre a proteção à vida e retorno da atividade econômica”, refletiu.

Transformação

Lobo mostrou que o Código Civil dará conta de resolver determinadas questões colocadas pela crise nas relações privadas. Por exemplo, ele já trata da teoria da imprevisão e qualifica a pandemia como um fato gerador de onerosidade excessiva. O direito civil de transição, como se refere ao falar da lei 14.010/2020 (que dispõe sobre o regime jurídico emergencial e transitório das relações jurídicas de Direito Privado no período da pandemia de coronavírus), cuida da questão dos prazos e da prescrição.

Já o direito civil em transformação, na visão do professor Paulo Lobo, deve enfrentar o antropocentrismo e colocar o meio ambiente como protagonista. No direito das obrigações, pensar no que concerne à natureza, e no direito das coisas, considerar a função ambiental. “A máxima cartesiana de que o homem é a medida de todas as coisas talvez deva ser modificada para: o homem e a natureza são a medida de todas as coisas”, concluiu.

Força maior

Rodrigo Xavier Leonardo enfatizou que todos os setores do Direito Civil foram impactados pela pandemia – o direito das obrigações e dos contratos, o da propriedade e dos direitos reais, o da família e até mesmo o das sucessões, em virtude da morte repentina de tantas pessoas.

“O século 20 foi um período de grandes crises e isso fez com que o Direito Civil fosse forjado a partir dessas crises, desses fatos extraordinários sobre a economia, sobre a vida e sobre as relações sociais”, observa Rodrigo Xavier.

O professor da UFPR lembrou que há algumas figuras no Código Civil que estão no labor jurisprudencial desse século de grandes mudanças. Há de se questionar, por exemplo se a pandemia representaria um caso fortuito ou força maior. De acordo com Xavier Leonardo, mesmo com o reconhecido impacto gerado pela pandemia, ela não gera eficiência imediata dessas figuras nos contratos.

Pelo artigo 393 do CC, sempre haverá algo a mais. “Não basta haver caso fortuito ou força maior, que por si só não geram reflexos nas relações jurídicas contratuais. É necessário o efetivo impacto na prestação”, explicou.

O professor Rodrigo Xavier foi um dos juristas que participou da elaboração do anteprojeto da lei 14.010/2020. Ao comentar a lei específica para o momento de pandemia, ele lamentou alguns vetos que acabaram por afastar questões importantes, como o impedimento de ações de despejo nesse período. Por outro lado, entrou em vigor a proposta de substituir para prisão domiciliar a pena imposta ao devedor de alimentos.

Multipropriedade

Venceslau Tavares levantou alguns aspectos relacionados ao regime de multipropriedade, destacando que a pandemia unicamente não justificaria a redução das contribuições dos condôminos. Ele também discorreu sobre a possibilidade que a lei de transição abriu no sentido da realização de assembleias em ambientes virtuais e lamentou o veto a um dos artigos da lei 14.010, que conferia ao síndico o poder de restringir acesso às áreas comuns e exclusivas tendo em vista as medidas de distanciamento social.