Presidentes das seccionais do Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Mato Grosso e Bahia falam sobre desafios da gestão

Um diálogo sobre gestão com as presidentes das seccionais do Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Mato Grosso e Bahia abriu na manhã desta sexta-feira (15/3) a programação da IV Conferência Nacional da Mulher Advogada. 

Em uma conversa mediada pela corregedora nacional da OAB, Milena Gama, as dirigentes de Ordem compartilharam com os presentes um breve relato de suas trajetórias pessoais e falaram sobre  políticas afirmativas, implantação de julgamentos com perspectiva de gênero, interiorização da OAB, defesa das prerrogativas das mulheres advogadas, o assédio moral, igualdade de gênero e outros temas. 

“Este é um evento histórico. Não temos ainda a dimensão de tudo que está acontecendo aqui, mas estamos girando a roda e recompondo a história”, disse a presidente da OAB Paraná, Marilena Winter, anfitriã do evento, ao saudar os presentes.

Ao abordar brevemente seu percurso, Marilena contou que saiu de União da Vitória, aos 16 anos, de barco, já que a cidade estava inundada. “Saí de barco, deixei a minha família e vim estudar em Curitiba. Eu queria estudar e não tinha curso superior lá. A gente vai a pé, vai de barco, pedalando, vencendo obstáculos, inundações, tempestades”, afirmou, frisando que as mulheres não se intimidam por obstáculos e dificuldades.

“Minha mãe me deu uma grande lição: um dia eu estava saindo para caminhar e ela pediu para me acompanhar. Perguntei se ela sairia vestida daquele jeito. Ela disse ‘minha filha, a perfeição me incomoda, temos que ir embora’. Temos que ir embora. Temos que pensar no que está por vir. A minha história de OAB é longa, foi um caminho trilhado por muitas parcerias. Este é um momento histórico e mágico”, afirmou.

Ouvidoria da Mulher Advogada

Questionada sobre a criação da Ouvidoria da Mulher na OAB Paraná, Marilena Winter frisou que esta foi uma das primeiras ações de sua gestão. “É preciso e muito importante que tenhamos um canal especializado, com um olhar focado na escuta com a perspectiva de gênero”, disse. “Se pudesse resumir em uma frase, seria dar a escuta para todas as formas de violências. Temos tratado muito sobre todo tipo de violência. Estamos num ano de eleições gerais e a violência política contra as mulheres tem que ser combativa e enfrentada”, defendeu.

“As Ouvidorias da Mulher são fundamentais para que as mulheres sejam acolhidas, que as pessoas saibam do que estão falando”, disse. Ela lembrou ainda de outras ações, como a mudança do nome da Comissão da Mulher Advogada para Comissão das Mulheres Advogadas, visando abranger as interseccionalidades. “Temos que ter esta representatividade, entender que somos plurais”, disse.

Nascida em Salvador, a presidente da OAB Bahia, Daniela Borges, destacou a emoção em participar do painel ao lado de mulheres fortes que compartilham com ela a trajetória à frente dos trabalhos da seccional. “Parabéns ao CFOAB e à OAB Paraná, o evento está incrível”, disse.

Em uma breve exposição de sua história, Daniela relatou que cresceu no interior da Bahia e que cursou a faculdade de Direito na UFMG. “Não tinha vínculo com ninguém da área do direito, portanto tive que trabalhar e estudar muito para buscar estágios”, relatou. Concluída a faculdade, a advogada voltou à Bahia e se aproximou da OAB. “Eu não me via naquele lugar até então, me questionava como participar dessa instituição. Estou na OAB porque uma amiga me chamou a participar de uma das chapas”, disse. “Aquilo me fisgou. No primeiro ano de gestão como conselheira tive o meu primeiro filho, mas atuei com muita vontade”, contou.

“Quando me tornei diretora tesoureira, estava grávida do meu segundo filho. Lembro de levá-lo para o CFOAB aos dois meses para poder amamentá-lo. Não tínhamos sala de amamentação no Conselho Federal à época, mas agora temos. Estes espaços precisam se moldar à nossa presença”, contou Daniela. “Somos a advocacia do presente, com todas as alegrias e dores de ser mulher”, afirmou.

Paridade

“Só avançamos se estivermos juntas. É preciso honrar a história das mulheres que vieram antes de nós. Também tenho incluído as mulheres que não puderam exercer a profissão. A paridade não brotou do nada. Foi fruto de muito trabalho”, disse Daniela Borges. “Na Bahia conseguimos a paridade antes de ser obrigatório. Éramos apenas 16 conselheiras estaduais num universo de mais de 80 conselheiros. Essa ideia já existia, mas ainda não tinha encontrado o momento oportuno. Só foi possível porque nos unimos. Precisamos tomar consciência do nosso tamanho”, conclamou a presidente da Bahia. “Como trazemos competitividade? Fazendo política”, defendeu Daniela Borges.

A presidente da OAB Mato Grosso, Gisela Cardoso, também compartilhou a emoção de estar presente no encontro.  “Sou nascida em Presidente Prudente, mas fui pequena para o Mato Grosso. Sempre tive o sonho de ser advogada. Achava lindo aquele senso de justiça da advocacia”, contou. “Quando chego e digo para a minha família que decidi ir para a capital estudar, ouvi do meu pai que ‘eu não sairia de casa sem casar’. Minha mãe foi a primeira a me apoiar e disse que eu iria e faria o que quisesse. Terminei a faculdade de Direito em Cuiabá, sou advogada há 22 anos e desde sempre procurei trabalhar para a Ordem. Sempre acreditei que seria uma forma de valorizar a nossa profissão. Na Ordem fui secretária-geral, vice-presidente e cheguei à presidência”, pontuou Gisela.

A presidente da OAB Santa Catarina, Cláudia Prudêncio, destacou a paixão pela profissão. “Se hoje aqui estamos é porque tivemos o apoio de tantas outras mulheres. Nosso obrigada a todas as mulheres que estiveram nessa caminhada e possibilitaram que aqui e estivéssemos”, afirmou. “Sou filha de um pedreiro analfabeto e de uma professora que criou sozinha os quatro filhos. A única coisa que ela pôde deixar foi educação. Me formei em uma universidade com bolsa do governo federal”, disse. “O nosso esforço é para que todas as mulheres possam estar onde quiserem”, pontuou, lembrando que atuou como conselheira federal e presidente da CAASC até chegar à presidência da seccional.

Dificuldades

Gisela Cardoso apontou algumas dificuldades da gestão. “O primeiro, é o tamanho da subseção. Comecei como secretária-geral adjunta, e naquela época a paridade ainda não era obrigatória. Brincávamos que havia a cota moral e dividi a diretoria com outros quatro advogados. Na sequência, meu nome surgiu como vice-presidente. Aí começaram os ataques. Quando se ataca uma mulher na política, não se ataca as suas condições técnicas, mas suas características em razão de ser mulher. E começam os ataques pessoais, ninguém questiona competência, isso é o que dói mais. Ouvi que seria um instrumento de manipulação de homens”, lamentou. “Estamos longe de entender que a nossa luta é conjunta. Depois que entendermos isso, ninguém nos segura”, disse.

“As dificuldades enfrentadas por cada uma é de todas nós. Todos os adjetivos a nós são dados quando somos candidatas. Aí vem a Cláudia, que passa a ser convidada para estar na mesa diretiva de eventos. Tivemos em SC a primeira mulher eleita para presidir o TRE. Fui até a posse prestigiá-la e quando terminei o meu discurso, vários vieram me dizer que aquela mulher solitária na mesa está encorajando tantas outras mulheres a quererem ocupar espaços. Ultrapassamos as barreiras e estamos encorajando mulheres”, destacou Cláudia Prudêncio.

Quebrando paradigmas

A presidente da OAB São Paulo, Patrícia Vanzolini, frisou que cada mulher aqui presente quebrou paradigmas a sua maneira. “Nenhuma de nós se conformou, se apequenou. Nenhuma de nós era o cavalo vencedor da corrida, mas estamos aqui. A marca da nossa gestão é a de quem não sabe ouvir não. Vim de uma chapa de oposição, e muita gente dizia que era impossível ganhar da situação. Eu perguntava – é impossível ou é difícil?”, destacando que nunca aceitou ‘nãos’. “Se é difícil estamos aqui para provar que é possível. Temos uma história de lutas contra as adversidades”, afirmou.

“Não é impossível, todas aqui podem desde que se prepararem para isso, se quiserem isso. Tenho duas filhas, e não é fácil gerir a Ordem com filhos, mas é possível. Quando resolvi me aventurar a entrar em uma chapa de oposição contra tudo e todos é porque queria mudanças reais. Queria uma OAB verdadeiramente antimachista, antirracista, justa com o interior e as subseções, inclusiva. Nós mulheres não representamos a humanidade chegando ao lugar que é nosso de direito, mas uma mudança de paradigmas”, afirmou Patrícia. “A ponta da lança da mudança virá por meio de nós, mulheres”, afirmou.

Política

“Temos que trabalhar e mostrar trabalho, mas termos que estar fortes. Temos que ter a nossa rede. Em termos de gestão, há muitas diferenças entre a gestão de mulheres e homens. Temos aqui cinco mulheres feministas, no sentido de promotoras da igualdade. Para uma feminista, a pauta da igualdade é central, é transversal em tudo o que fazemos”, destacou a presidente da OAB São Paulo.

Desde a criação da OAB, passaram-se 90 anos até que a paridade de gênero chegasse à instituição, abrindo caminho para que neste triênio as seccionais do Paraná, da Bahia, de São Paulo e Santa Catarina fossem, pela primeira vez, presididas por mulheres. O quinteto de advogadas presidentes de seccionais neste triênio se completa com Gisela Cardoso, do Mato Grosso. Lá a conquista para as mulheres veio antes, em 1993, quando Maria Helena Póvoas foi eleita a primeira mulher a presidir a seccional.