“Ante a ausência de motivos propriamente ditos, temos um projeto difícil de diagnosticar, feito deliberadamente sem chamar a academia para debater”. Com a avaliação, o advogado Guilherme Brenner Lucchesi (UFPR) abriu a mesa redonda sobre o instituto do Plea Bargain, que deu sequência no início da tarde desta sexta-feira (15) ao evento que discute o Projeto Anticrime. O painel contou também com a participação dos advogados Juliano Breda, Edward Rocha de Carvalho e e Bibiana Fontella.
Um ponto que merece atenção, no entendimento de Lucchesi, é a proposta de acordo penal. “Temos no projeto uma possibilidade de, logo após o oferecimento da denúncia, antes de uma decisão a respeito de seu recebimento, a possibilidade de celebrar um acordo visando abrir mão do exercício do direito de defesa, de apresentar recursos e sugerir desde logo qual vai ser a pena a ser aplicada pelo magistrado”, frisou. “A acusação e a defesa chegam a um acordo, a apresentam ao juiz e, se chegarem a um acordo, a pena pode ser aplicada sem instrução processual”, disse.
“São apenas 11 parágrafos que deveriam regulamentar a matéria e não o fazem”, argumentou, pontuando que os EUA são uma federação muito diferente do Brasil, onde cada estado pode ter a sua legislação penal. “Nós não temos lá, como no Brasil, uma normativa central que rege todo o Direito Penal ou Processual Penal”, sustentou. Lucchesi lembrou que naquele país, um dos elementos centrais é o fato de a acusação ser obrigada a compartilhar as provas com a defesa, sob pena de nulidade de uma eventual confissão. “O que não acontece aqui. Muitos colegas que aqui militam sabem que muitas vezes a acusação compartilha as provas com a imprensa”, critica.
“Se o projeto prevê a possibilidade de protocolar o acordo até o início da instrução, qual a posição da defesa neste cenário? A pior possível. Em que posição faremos um acordo?”, questionou.
Fundamentação
No mesmo sentido, o criminalista Juliano Breda ponderou que o projeto apresentado pelo governo não contém um único parágrafo de justificação do que pretende alterar. “Não há motivos, o que é estarrecedor a comunidade jurídica”, criticou.
“O mínimo que se esperaria seria que fossem apresentadas as causas, as razões, os dados que consubstanciaram a base fática que inspira as mudanças que se propõe. Não há base fundamentada, não há filosofia que dê conta de estruturar a quantidade de inconstitucionalidades que o projeto alberga”, sustentou.
Breda explicou que nos EUA o Plea Bargain é responsável por 90% da solução dos casos criminais, portanto não se trata de um instituto, mas do sistema processual que impera no modelo norte-americano. “Essa importação mal feita do instituto de direito comparado se esquece de trazer na bagagem uma série de direitos e garantias que o sistema propõe para impedir ilegalidades e injustiças”, afirmou.
Outro ponto considerado grave pelo jurista é o fato de o projeto não prever nenhum benefício na declaração de culpa, além da atenuante da confissão, sem que haja tratativa e acordo do Ministério Público. Ele pontuou que nos EUA há regras para o recebimento da denúncia, para a instrução perante o júri e o estabelecimento da sentença. Há, ainda, um espaço reservado para a jurisdição, o que não ocorre na proposta apresentada pelo ministro. “Com esse modelo, o poder de decidir a fixação da pena, a forma de execução estará nas mãos do MP e o judiciário terá função de homologação”, disse.
Para Breda, é evidente a absoluta falta de sistematização da proposta. “Sabe-se que o modelo do Plea Bargain é uma indústria de condenações injustas. O Processo Penal no Brasil não é a Lava-Jato. O Processo Penal de verdade não se constitui nessas grandes operações que estamos assistindo. Estas operações só servem para destruir as garantias dos acusados”, disse. “Um Processo Penal fictício em termos da tutela é a sentença condenatória transitada em julgado do fim dos direitos do cidadão brasileiro”, afirmou.
Encarceramento em massa
Com críticas contundentes ao projeto, o presidente da Comissão da Advocacia Criminal da OAB Paraná, Edward Carvalho, argumentou tratar-se de um projeto de financiamento, que irá promover um encarcerar em massa. “Aqueles que já não têm direito à defesa serão convencidos pela promotoria e pelo juiz a fazer acordos”, disse.
“Eu diria que o projeto é inócuo no que pretende. Li o projeto, e se prestarem atenção não tem nenhuma medida destinada a treinar e capacitar as polícias. Sabe-se que o que resolve a criminalidade é polícia na rua e o projeto propõe só aumentar o encarceramento e suprimir a defesa”, criticou.
Na avaliação de Carvalho, trata-se de um projeto que reflete uma mente inquisitória, na medida em que demostra uma inabilidade e um desconhecimento de regras mínimas de direito. “Há 11 parágrafos que buscam regulamentar a solução negociada no Processo Penal brasileiro. Três tratam de um velho problema que é o patrimonialismo brasileiro. E a vítima no meio disso tudo? Já que estamos querendo proteger o cidadão, onde está o cidadão, a vítima nesse processo?”, afirmou, citando como exemplo o caso do banqueiro norte-americano Jeffrey Epstein, que fez um acordo de 18 meses com o governo da Flórida pelos crimes de exploração sexual de menores que cometeu.
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