O papel do juiz na garantia do direito de defesa esteve entre os temas em debate no painel sobre o Direito Processual Penal, realizado na manhã desta quinta-feira (3). O assunto foi abordado pelo Juiz Federal Flávio Antônio da Cruz, que fez uma crítica ao atual sistema de Justiça, defendendo que o juiz não pode assumir o papel de um inquisidor. “Vivemos um momento em que nos deparamos com o retorno na jurisprudência que vigorava antes da Constituição. Se o produto que temos por excelência é a Constituição, o que nos falta é a vontade de fazer cumpri-la, não jogá-la fora. O devido processo não é um mal, sem ele não há justiça. Defesa não é custo da Justiça, é tradução da justiça. Não podemos ter de modo algum justiça sem defesa. Como enfrentar tudo isso? Não tenho respostas, mas precisamos de uma cultura social que promova isso”, defendeu.
“A nossa sociedade costuma pensar que o juiz é aquele que pune. Ele é incorruptível e condena todo mundo. Isso está no imaginário popular. O problema é que caminhamos com este ideário que se reproduz na prática. O sistema só tem a função de neutralizar fontes de risco. O marginal é um elemento a ser afastado do convívio social. O pragmatismo penal justifica que “os fins justificam os meios”. O juiz não apenas julga os fatos, mas julga a conveniência de aplicar a lei. A impunidade não vai ser enfrentada com um sistema como o nosso, porque ela está na base dele”, pontuou Cruz.
Sistema Inquisitório
Quando não recordamos o passado estamos condenados a repeti-lo. Citando o filosofo George Santayana, o jurista paranaense Jacinto Nelson de Miranda Coutinho deu sequência aos debates do Painel sobre Processo Penal. Coutinho sustentou sua intervenção também no eixo de pensamento de Antonio Gramsci, frisando que que “o velho está morrendo e o novo não consegue nascer”. “Isso explica porque vemos tanto ódio”, disse.
“O sistema inquisitório atual é muito pior que o original previsto no Código de Processo Penal (CPP) de 1941. Hoje vivemos uma anarquia sistêmica. Antes de tudo porque o sistema não mudou em sua característica principal, foi potencializada a função do juiz, como se ele pudesse fazer qualquer coisa. Hoje há uma verdadeira arbitrariedade, não está se respeitando a lei. É como se pudesse dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa. Isso se resolve pela análise da constitucionalidade. A pergunta é por que as pessoas que têm poder para controlar não o estão fazendo?”, questionou Coutinho.
“Isso subverte a democracia. Os criminalistas, que estão na linha de frente, têm que enfrentar o abuso de autoridade. Estamos carregando isso a duras penas. A advocacia criminal precisa da OAB para buscar cidadania no processo penal. O partido da OAB é a Constituição e os soldados da Ordem somos nós”, afirmou.
Sigilo profissional de ética
A impossibilidade de o advogado delatar o cliente norteou a exposição da advogada Priscilla Placha Sá. Partindo de uma perspectiva político criminal e da observância dos fins e funções da pena, a criminalista sustentou que não é admissível a delação premiada formulada por advogado, quando realizada em face de delito praticado em coautoria com seu cliente no exercício profissional.
A criminalista propôs a “observância irrestrita aos princípios penais e processuais penais de garantia, orientados para o estado democrático de direito”e “a observância irrestrita pelos advogados das regras deontológicas do exercício profissional da advocacia, sem que isso represente violação do direto de defesa, nem prejuízo do contraditório”. Priscilla Placha Sá pontuou ainda que entende que a delação premiada firmada nos termos propostos constitui prova ilícita, e que ela venha a compor o conjunto probatório que seja sustentado por produção de uma sentença condenatória.
Delação premiada
À frente de importantes colaborações junto à Lava Jato, o advogado Adriano Bretas pontuou aspectos que considera fundamental acerca do instituto da delação premiada. O primeiro ponto é a regulamentação das tratativas negociais do instituto, que na avaliação do especialista veio para ficar. “Enquanto muitos se opõem à delação, as coisas vão acontecendo de forma experimental. Não há uma sistematização do processo. Precisamos de uma contribuição dos grandes pensadores para regulamentar o instituto”, defendeu.
“A delação premiada veio para ficar, não existe mais espaço para enfrentar esta realidade posta, precisamos superar este tabu da justiça criminal negociada. Hoje em dia, o advogado criminal tem que conviver com as técnicas modernas de negociação premial. Fazer um acordo de delação não significa abrir mão da defesa. Meu primeiro compromisso ético é com o meu cliente, ainda que para isso eu tenha que passar pelas minhas idiossincrasias individuais”, sustentou.
Para Bretas, outro ponto importante é que as teses de enfrentamento sejam compatíveis com a condição de colaborador. “Ser colaborador não significa abrir mão de todas as teses. E possível conciliar a condição de colaborador com a defesa intransigente, é possível conviver com a condição de réu colaborador com a defesa eficaz”, disse.