Uma palestra do jurista argentino Alberto Binder, da Universidade de Buenos Aires, abriu na noite desta segunda-feira (14) o VI Congresso Internacional do Observatório da Mentalidade Inquisitória. O evento reúne advogados, juristas, professores e acadêmicos até a terça-feira (15) em um debate sobre a reforma do processo penal brasileiro.
Ao saudar os presentes, o presidente da OAB Paraná, Cássio Telles, reforçou o compromisso da instituição com a defesa das liberdades e das garantias fundamentais. “É uma honra receber mais uma vez este evento. O professor Binder é alguém que nos leva a realizar reflexões aprofundadas sobre este tema, principalmente no momento que vivemos hoje em nosso país, em que se discutem reformas na área do direito penal. Sem dúvida nenhuma nada é mais apropriado do que nós estarmos aqui”, disse.
Telles dividiu a mesa de abertura com o presidente do Observatório da Mentalidade Inquisitória, Marco Aurélio Nunes da Silveira, e o presidente nacional da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM), Elias Mattar Assad. A condução do painel com o jurista argentino ficou a cargo do advogado Jacinto Coutinho.
Democratização da justiça
“Nunca vimos a reforma do processo penal como um problema técnico. Não é fundamentalmente um problema técnico. Desde o início da transição democrática tomamos consciência de que era impossível construir uma nova república democrática sem introduzir dentro desse pensamento o que se chamou de questão judicial. O problema judicial é um ente central da qualidade da democracia”, afirmou Binder ao iniciar a conferência magna.
Segundo o jurista, que concedeu entrevista a representantes do Observatório da Mentalidade Inquisitória antes da conferência, a democracia do século XXI não sustenta estruturas judiciais do século XVI. “A sociedade de nossa época é muito complexa, tem interesses distintos, e as estruturas judiciais seguem sendo hierárquicas, verticalistas. Esse processo nos obriga a repensar os caminhos democráticos. Isso passa também pela polícia, que é pensada para as instituições pré-democraticas. Portanto a democratização significa repensar as estruturas fundamentais, de manejo do poder policial, pensar os procedimentos, os controles, pensar a participação do cidadão”, defendeu.
O jurista argentino classificou o estado do processo penal no Brasil como “catastrófico”. “Parece-me que em relação ao que está ocorrendo em outros países o nível de garantias é muito baixo. Temos observado que é um sistema altamente manipulável”, disse. “O predomínio policial é muito forte e, dado o estado de discussão que há em outros países, Brasil tem ficado para atrás”, completou.
“Por sua forma de funcionamento, o país arrasta um conjunto de estados a um funcionamento que está abaixo do sistema de garantias e de uma verdadeira eficácia da política criminal. Esta não fazemos somente pelos grandes casos, mas também pelo modo como se absorvem outros tipos de fenômenos massivos. Creio que não seja casual que tenhamos uma discussão tão intensa porque há um mal funcionamento da justiça penal do Brasil – pelo menos assim o percebemos lá fora”, argumentou.
Em uma comparação com a Argentina e o México, países que também possuem uma estrutura federalista, Binder sustenta que o Brasil tem ainda um longo caminho até que se inicie a implantação de um sistema acusatório. “O que se diferencia no processo brasileiro em relação ao México e a Argentina é que naqueles países é um processo dificultoso, mas que já está sendo aplicado. Aqui estão discutindo o projeto há dez anos. É preciso calcular que a implementação leva muitos anos. No México levou oito anos. Aqui também vai ser uma implementação lenta”, disse.
Consenso político
Brinder frisou que é essencial se perguntar como construir as bases políticas que contemplem consensos mínimos para que um processo de reorganização tão profunda seja realizada. “Isso me parece que o Brasil está longe dos outros países [da América Latina]”, disse. “Em primeiro lugar é necessário esclarecer que há limites insuperáveis e que a América Latina está deixando para trás uma tradição inquisitorial para definir o tom das normas e da doutrina dos direitos humanos em todo o mundo. Não é uma coisa local, uma política garantista, mas um processo de organização elemental que terá variantes. E essas variantes podem ter oscilações”, disse.
“O Brasil tem uma realidade política complexa, com muitos atores. A arquitetura política é a chave para entender esse processo. Creio que a dificuldade do Brasil não é nem técnica, nem econômica, nem uma dificuldade e qualidade de seus processualistas ou penalistas”, disse. “As reformas nunca são feitas do poder judicial para dentro, as reformas são feitas de fora para dentro. Porque não há capacidade de autogerir a reforma. É basicamente um processo político de articulação de distintos interesses”, completou.