Painel aponta desafios do direito trabalhista diante das novas relações de trabalho

Os desafios do direito trabalhista, impostos pela conjuntura pós-pandêmica e por recentes mudanças na legislação, foram debatidos em um painel que reuniu, na manhã desta sexta-feira (13/8), uma magistrada e quatro advogados dedicados ao Direito do Trabalho. As discussões, que abrangeram direito processual, regulações, modelo de advocacia, resiliência e o julgamento com perspectiva de gênero na Justiça do Trabalho, podem ser vistas ou revistas na plataforma da 7ª Conferência da Advocacia Paranaense. Confira algumas das manifestações registradas ao longo dos debates.

“Quero fazer uma chamada a todos os meus caros colegas. Tem uma música bonita, do Caetano, chamada Cajuína que diz: ‘existirmos a que será que se destina?’. Quando a Reforma Trabalhista foi aprovada percebemos uma incapacidade das associações sindicais em compreender quais pontos deveriam combater. Fizeram o discurso dentro do chavão prático de que a reforma era supressão de direitos. Nós advogados deveríamos ter debatido mais os aspetos do direito processual. Porque quem sofre as consequências é a advocacia. Está havendo uma avalanche de decisões. A situação é grave e o Tribunal Superior do Trabalho (TST) é o que mais tem aplicado multa. Está havendo penalização por interposição de um recurso previsto em lei. Estão limitando o dispositivo constitucional que prevê a ampla defesa. Estamos construindo teses no direito processual do trabalho fazendo com que se volte às partes. Algo que nunca imaginei que pudesse presenciar. Transformamos o direito processual do trabalho em uma porta estreita de acesso à Justiça. Os critérios da reforma trabalhista são mais restritivos do que os do Código de Processo Civil. Estamos vivendo um retrocesso no direito.”

Alberto de Paula Machado, apontando retrocesso do Direito Processual Trabalhista

“Assistimos um fenômeno de uma espécie de deslaborização, com pessoas que estão na força de trabalho, mas fora da relação de emprego. Essa demanda passa exigir outras formas de proteção de social para mais de 50% da mão de obra ativa do país que está fora desse nicho de relação de emprego. Temos novos tipos de contrato, de rotina, maior mistura da rotina de trabalho com a pessoal. A relação de emprego que consegue proteger a poucos acaba se tornando um fóssil vivo do direito do trabalho. Nessa realidade de perfis contratuais múltiplos teremos o cidadão que é estagiário, ‘pjotizado’, autônomo, representante comercial, profissional liberal, parceiro de salão de beleza, cooperado e até voluntário. Muitos são os destinatários que estão para além da relação de emprego e desafiam uma outra lógica da relação. E os tomadores desses serviços muitas vezes vão se perguntar: como poderemos melhorar segurança jurídica e qualificar o desempenho dessas atividades?  A solução mais criativa que trago seria trazer os ganhos associativos como possibilidade real de design regulatório para o direito do trabalho.”

Carolina Tupinambá, sobre designs regulatórios modernos para relações de trabalho contemporâneas

“Sem hipocrisias, somos todos partícipes de um estelionato que virou um bom negócio há décadas. O brasileiro, em média, estuda 7,4 anos. Nem ensino fundamental completa. Ainda não catologamos os efeitos da crise sanitária. O primeiro mandamento: estude. Sem estudar, desistam. Além da competência técnica, pensem na comportamental. Tenhamos senso crítico conosco e com os outros. O convívio do advogado é social, começa pelo trajar. Gostem ou não temos um código de conduta, absolutamente reprovador de modismos e frivolidades. Há advogados que exercem o ofício do carro, juízes de cuecas ou que proferem palavrões. Estamos indulgentes de nossos ofícios e absolutamente tolerantes com o Judiciário. Não confundamos tecnologia com direito e não imaginemos que direito deva subserviência à tecnologia. Não caiamos nos repentistas do momento. Afinal, peticionávamos manuscritamente, depois peticionamos por máquina de escrever e, agora, por computador. É só uma ferramenta. O computador só veio coadjuvar.”

Hélio Gomes Coelho Júnior, em defesa da advocacia artesanal

“Com o neoliberalismo, surgiu a ideia de flexibilizar o direito do trabalho. Assim começa o fenômeno de flexibilização, enxugamento do direito trabalhista. A reforma de 2017 vem nessa linha, inclusive limitando a atuação do sindicato. Temos hoje o sentimento de empreendedorismo. Esse espírito empreendedor vai até para os motoristas de aplicativo. Hoje até goleiro de aluguel existe. Vivemos hoje um capitalismo de aplicativo, uma economia de aplicativo. Você só paga o que precisa. O que está acontecendo hoje é uma escassez, uma erosão do emprego. Isso faz com que aumente o contingente de desempregados e aumenta o lucro de quem está no topo. Não sou contra o capitalismo, sou a favor de um capitalismo temperado, que não esqueça essa realidade que vai cada vez mais para a miséria. A desigualdade é crescente. Na mesma semana em que Jeff Bezos foi passear no espaço, tivemos a fila do osso em Cuiabá. E a advocacia trabalhista, por sua vez, precisa de um nova linguagem, mais objetiva. Hoje se usa infográfico, QR code e storyboard. Mas também é preciso conhecimento clássico.”

José Affonso Dallegrave Neto, ao tratar de resiliência e recomeços

“A pandemia não nivela as desigualdades pré-existentes, antes as aumenta. A queda na parcela de mulheres no mercado de trabalho foi de 7,5%. O retrocesso para as mulheres foi maior do que para os homens.  Se alguém precisar abrir mão do mercado de trabalho, será a mulher. É a conhecida segregação ocupacional. Mulheres negras estão em situação pior, remuneração menor, maior número no trabalho doméstico, no trabalho precário e na informalidade. Acaso não ocorram mais retrocessos, a igualdade só será alcançada em um século. Essa geração não está nem próxima a uma situação igualitária. Juízas e juízes imparciais não são e não podem ser neutros. O Poder Judiciário não pode reproduzir estereótipos e reafirmar estruturas organizacionais desiguais e fundadas em alicerces intolerantes. O CNJ está criando um protocolo para julgar sob a perspectiva de gênero. A proposta será muito provavelmente de construir um guia para julgamento de casos concretos, para que assim seja possível avançar.”

Noemia Aparecida Garcia Porto, que abordou o julgamento com perspectiva de gênero na Justiça do trabalho

 

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