Observatório da Democracia da OAB Paraná debate questão da igualdade racial

Em sua segunda edição, o Observatório da Democracia da OAB Paraná debateu na noite desta quarta-feira (10) o tema “Democracia e Igualdade”, reunindo convidados por meio de teleconferência para falar sobre a questão da discriminação racial.

O diálogo foi mediado pela vice-presidente da OAB Paraná, Marilena Winter, e contou com a participação do procurador de justiça Olympio de Sá Sotto Maior, da desembargadora Priscilla Placha Sá, dos conselheiros estaduais Rodrigo Kanayama e Anderson Rodrigues Ferreira, da secretária-geral da Caixa de Assistência dos Advogados, Silvana Niemczewski, das presidentes das Comissões da Mulher Advogada, Mariana Lopes, e da Igualdade Racial, Andréia Cândida Vítor, e do presidente da Comissão da Verdade da Escravidão Negra, Nei Freitas.

Marilena Winter abriu o debate lembrando que a igualdade é um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito. “Não existe democracia se não se assegura igualdade. As desigualdades estruturais, que levam às desigualdades de direitos, são muitas é preciso fazer essa advertência”, disse.

Dentro do tema da igualdade, o debate fez um recorte sobre a questão do racismo, que é uma das pautas permanentes da OAB Paraná. “Sem igualdade substancial não se constrói a democracia. Enquanto não houver condições para a busca de realização existencial das pessoas, não podemos considerar concretizado o processo democrático”, completou Marilena.

Protagonismo

O procurador Olympio Sotto Maior iniciou sua fala destacando o protagonismo da OAB na defesa da democracia. “É uma alegria reencontrar a Ordem no papel de protoganista. A OAB teve grande importância para a redemocratização do país no triste período da ditadura militar. É bom que se movimente agora, num momento tão caótico da realidade brasileira”, afirmou, citando um recente manifesto conjunto entre a OAB, o Ministério Público e o Tribunal de Justiça em favor do regime democrático.

“Sem igualdade não há liberdade. Estamos falando de igualdade material. O que se quer é que efetivamente aqueles desiguais possam ser tratados de forma desigual para se alcançar a isonomia de todos”, enfatizou.

Olympio Sotto Maior chamou a atenção para a grande massa de brasileiros afastados dos direitos elementares de cidadania, neste momento de crise sanitária. “A pandemia, de um lado, nos fez reconhecer a existência dos vulneráveis, daqueles que estão desempregados, que vivem em condições abaixo da linha da pobreza. Nunca se falou tanto quanto agora no que diz respeito aos vulneráveis. A nação brasileira está enxergando a existência de milhões de pessoas que estão afastadas de um estado de direito”, ponderou.

Conselheiro estadual, o professor Rodrigo Kanayama reforçou o princípio de que, quando se fala em democracia, fala-se da forma igualitária que deve nortear a participação da população no usufruto dos serviços e da educação pública. “Quando falamos de igualdade racial, estamos nos referindo a um tema relacionado à democracia, porque a democracia requer a participação de todos”, frisou.

Kanayama também comentou sobre fissuras profundas que meras falas, meras manifestações orais, são capazes de produzir no tecido democrático. “Temos essa preocupação de que as falas presidenciais criticando tanto as minorias causem rasgos constitucionais difíceis de serem recuperados, provocando danos à democracia”, disse.

Desigualdade

Citando o Plano da Igualdade Racial implantado na OAB Paraná na gestão anterior, Silvana Niemczwski parabenizou o trabalho da Ordem em defesa da democracia e expôs dados que confirmam a extrema desigualdade social e racial. “Ser mulher negra neste país não é fácil. A injúria racial dói, fere a alma. O negro é duplamente discriminado – pela sua situação econômica e pela cor da pele. E quanto mais escura a pele, maiores suas dificuldades. Somos os mais pobres e os menos escolarizados”, reforçou.

A secretária-adjunta da CAA-PR mostrou que mesmo as denúncias de casos de racismo não são levadas adiante. Em 2019, dos 113 inquéritos de injúria racial, apenas 67 agressores foram efetivamente denunciados. “Será que temos coragem de denunciar? Será que as delegacias estão preparadas para atender as vítimas?”, questionou.

Mariana Lopes, presidente da Comissão da Mulher Advogada, chamou a atenção para o racismo estrutural, que é a formalização de um conjunto de práticas institucionais, históricas e culturais que coloca um grupo em condição menor em função da raça.

“Nós nos espantamos com o caso de George Floyd, mas quantas vezes isso acontece no Brasil? A polícia no mundo inteiro tem que repensar sua abordagem, porque todos têm o racismo estruturado nas sociedades. E, muitas vezes, ele é negado”, explicou.

“Precisamos pensar em todos e em todas no mesmo lugar. Isso sim é democracia, isso é quebrar o racismo estruturado. Precisamos de ações afirmativas – sem elas, eu não estaria aqui; a Silvana, o Nei e a Andréia não estariam aqui. Na nossa sociedade, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista”, enfatizou Mariana.

Referindo-se também ao atual momento de crise decorrente da pandemia do coronavírus, Nei Freitas alertou que, ao contrário do que se dizia num primeiro momento, a doença não é democrática, não atinge a todos por igual. Além dos grupos de risco, tem o grupo da pobreza, onde se encontra a maioria da população negra. “No Brasil não existe uma segregação formal, mas ela está aí”, afirmou.

Efetivação

Andréia Vitor, presidente da Comissão de Igualdade Racial, reiterou que a pandemia escancarou a desigualdade racial no país. “Sou advogada trabalhista há 20 anos e estamos todos preocupados com o que virá após essa pandemia. Mas a principal afetada será mais uma vez a população negra. Temos grandes desafios enquanto operadores do direito, enquanto pessoas, enquanto sociedade civil. Precisamos buscar mecanismos que tragam a luta antirracista de forma efetiva”, afirmou.

Com a experiência de ter acompanhado as manifestações, na condição de membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB Paraná, o conselheiro Anderson Rodrigues Ferreira destacou que os movimentos devem ser pacíficos e que, se há desordem, isso não deve macular o objetivo originário de luta contra o racismo. Ele ainda ponderou: Ser pacífico é também não atentar contra a democracia. Atentar contra a democracia é mais grave que atentar contra o patrimônio.

Encerrando o debate, a desembargadora pelo quinto constitucional Priscilla Placha Sá, disse que, para promover o engajamento numa luta antirracista, é imprescindível que haja um compromisso público. “Para contribuir minimamente para uma democracia igualitária no sentido material é preciso reconhecer os dilemas e fissuras históricas que atingiram a população negra”, concluiu.