Representantes da OAB Paraná, do Poder Judiciário, da sociedade civil e da Polícia Civil constataram graves violações de Direitos Humanos na carceragem do 11° Distrito Policial de Curitiba. A vistoria na cadeia pública foi realizada na última segunda-feira (6), motivada pela transferência de 41 presos do 8° Distrito Policial, no bairro Portão, na noite de domingo (5). A medida elevou o número de presos do 11° DP para 171. A lotação máxima na unidade, porém, é de 40 pessoas.
Segundo informações divulgadas pelo Conselho da Comunidade de Curitiba, a movimentação surgiu como resposta à execução de dois presos no 8° DP, de 29 e 37 anos. Ambos respondiam por tráfico e furto. De acordo com o superintendente do distrito, Giovani Flores, houve um desentendimento por questões extra-grades e pelo atendimento médico a um preso. Além dos assassinatos, a divergência motivou também uma tentativa de fuga em massa. A unidade tinha capacidade para abrigar apenas oito detentos, mas estava com 43 no momento do motim. A carceragem chegou a abrigar 65 pessoas nesse ano.
Essa foi a quarta morte no 8° DP apenas em 2017. Em agosto, um preso acusado de furtar seis barras de chocolate, dois desodorantes e um perfume foi assassinado pelos colegas dias antes de uma transferência para o Complexo Médico Penal (CMP), em Pinhais, que iria atestar sua sanidade mental. Em outubro, um preso teria se enforcado em uma das celas. Ele estava há 50 dias esperando remoção para o sistema penitenciário. O distrito deve passar por uma reforma antes de receber novos detentos.
No 11° DP, a comitiva constatou a superlotação habitual. Há presos provisórios e condenados ocupando a mesma cela; idosos, pessoas com problemas respiratórios e doenças contagiosas misturadas na multidão e lotação nos corredores. Ratos e baratas são comuns e marmitas servem como depósito de fezes. Latões são utilizados para escoar urina, instalações elétricas estão improvisadas. Nas celas, falta água corrente nas celas e colchões para todos. A alimentação é de má qualidade. Em função do quadro geral, os agentes temem uma nova rebelião. Membros do Ministério Público do Paraná também inspecionaram o local na segunda-feira (6) e constataram as mesmas irregularidades.
Participaram da inspeção o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, advogado Alexandre Salomão; o desembargador Ruy Muggiati, supervisor do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Paraná (GMF-PR); a presidente do Conselho da Comunidade da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, Isabel Kugler Mendes; o magistrado Eduardo Fagundes Lino, coordenador do GMF-PR e da 1° Vara de Execuções Penais de Curitiba; Dálio Zippin Filho, presidente do Conselho Penitenciário do Paraná; e Roberto Fernandes, delegado titular do Centro de Triagem 1 e representante da Polícia Civil no Comitê de Transferências de Presos (Cotransp).
De acordo com os presos, alguns estão há pelo menos 60 dias esperando transferência para o complexo de Piraquara. Eles relataram também que há inundações regulares na carceragem. Nessas situações, precisam recolher os pertences do chão para minimizar o contato com água contaminada de fezes e urina das latrinas.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB Paraná ponderou que é preciso haver ação coletiva para barrar essa realidade. “Todos sabem quais são os pontos determinantes que nos levaram ao estado caótico das carceragens no Paraná. Precisamos nos desprender do empurra-empurra e do discurso de que ‘a culpa não é minha’. Em vez disso, devemos buscar soluções definitivas para os diversos gargalos do sistema de justiça criminal”, explicou Salomão. “O fato é que precisamos encontrar novas soluções para velhos problemas. Quanto mais tempo perdermos apostando em métodos sabidamente ineficazes, maior será a dificuldade em resolvê-los”.
Para o juiz Eduardo Fagundes Lino, coordenador do GMF-PF, grupo que se propõe a encontrar e colocar em prática alternativas para efetivar uma política de reinserção social, o cenário encontrado é alarmante. “A situação de superlotação carcerária extrema preocupa tanto pela falta de perspectiva de solução, quanto pela ausência absoluta de possibilidade de ressocialização das pessoas submetidas a estas condições”, afirma.
Desde 2016, o GMF-PR busca soluções para o sistema penitenciário. Com o apoio de resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da Organização dos Estados Americanos (OEA), o grupo criou a Penitenciária Central do Estado – Unidade de Progressão, que oferece estudo e trabalho em tempo integral, e o Escritório Social, de acompanhamento a egressos. O GMF-PR também consolidou os mutirões carcerários e está implementando um projeto de Capacidade Prisional Taxativa. O projeto observa o princípio da impenetrabilidade (lei da física), tratados internacionais com regras mínimas para o tratamento humanizado assinados pelo Brasil, a Constituição Brasileira, a Lei Penal e a Lei de Execução Penal.
Para Isabel Kugler Mendes, presidente do Conselho da Comunidade na Execução Penal, órgão que fiscaliza todas as carceragens de Curitiba e as penitenciárias da Região Metropolitana, a solução de curto prazo passa por diversos pontos. A lista inclui mutirões carcerários e abertura de novas vagas no sistema penitenciário. Também é necessário, aponta, o reforço nas políticas do GMF, pois a construção dos novos presídios é uma realidade distante.
“Nós identificamos pelo menos dez tuberculosos nesses 171, as celas quase não têm circulação de ar. O 11° DP já foi interditado e reaberto algumas vezes. A questão é sempre a mesma: essa carceragem não pode receber presos porque tem danos estruturais e problemas de alagamento. A situação encontrada nesta segunda se espelha ao pior dos cenários da humanidade, é um verdadeiro holocausto”, afirmou Isabel. “Nesse sentido a nossa luta é por dar condições mínimas para provisórios e apenados. Essa situação logo na porta de entrada da prisão pode gerar um desgaste irreversível. De que maneira é possível ressocializar alguém com esse tratamento?”
Diante dessa realidade, o Ministério Público do Paraná propôs um Termo de Ajustamento para retirar todos os presos das delegacias do estado. O documento ainda não foi assinado pelo governo do Paraná.
Também tramitam em esferas diferentes diversas iniciativas que visam interromper esse ciclo de violência. Na Justiça Estadual, a Adepol pede a imediata retirada dos presos das delegacias; na Assembleia Legislativa do Paraná, um projeto de lei quer proibir a custódia de presos em unidades de Polícia Judiciária; e, no Senado Federal, uma alteração na LEP prevê a determinação de se realizar mutirões para avaliar a situação dos presos recolhidos sempre que um estabelecimento penal atingir a sua capacidade máxima.