Uma reunião aberta promovida pela OAB Paraná e transmitida pelo canal de Youtube da ESA debateu, nesta terça-feira (23/2), o novo modelo de concessão de rodovias no Paraná. A iniciativa é das comissões de Gestão Pública e Controle da Administração e de Infraestrutura e Desenvolvimento Sustentável, presididas, respectivamente, pelos advogados Francisco Zardo e Heroldes Bahr Neto. O presidente da OAB Paraná, Cássio Telles, lembrou que na seccional as discussões sobre o tema começaram em novembro, ainda antes da publicação do edital do modelo de contrato. “Desde então instalamos um grupo que passou a se dedicar permanentemente ao estudo dessa matéria”, afirmou.
“Na tarde de hoje os 87 membros do Conselho Pleno vão deliberar sobre posicionamento oficial da OAB Paraná quanto ao modelo de concessões das rodovias do estado. Por isso é importante que os conselheiros seccionais acompanhem a argumentação desta reunião aberta”, ressaltou Telles antes de mencionar as três etapas da reunião aberta, com análises econômica, jurídica e parlamentar.
Diálogo
Zardo mencionou que há 24 anos o tema do pedágio mobiliza a sociedade paranaense. “Se há incompreensão é preciso dialogar. A sociedade entende as concessões, mas tem o direito de entender a composição da tarifa, os índices de reajuste a as obras a serem realizadas. O momento de discutir é este. Por isso estamos aqui, para levar mais informação à sociedade”, apontou.
O conselheiro seccional Alziro da Motta Santos Filho, responsável pela relatoria dos debates, saudou os presentes e lembrou que o debate promovido pela Ordem é “uma homenagem à democracia”. Santos Filho apontou aspectos positivos do novo edital, como o desconto para usuários frequentes, mas também aspectos que precisam ser melhor debatidos, como a correção de tarifas pelo IGPM.
Análise econômico-financeira
O advogado André Leonardo Meerholz foi o responsável pela primeira etapa do debate, em que foram apresentados aspectos econômico-financeiros dos novos modelos de concessão. O economista Luiz Antônio Fayet, representante do Conselho Regional de Economia do Paraná (Corecon PR), abriu sua apresentação destacando a força do agronegócio brasileiro, setor cujo desempenho é afetado por questões estruturais como os custos logísticos. Com um quadro comparativo abordando variados aspectos, Fayet afirmou que o modelo de menor preço tem grandes vantagens sobre o híbrido. “Quanto aos investimentos, neste tipo de caso, a garantia mais adequada é a caução de títulos federais”, completou.
João Arthur Mohr, gerente de assuntos estratégicos da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), destacou que a indústria paranaense busca encontrar no novo modelo “tarifa justa, garantia de obras e ampla transparência”. Para Mohr, do ponto de vista de engenharia, o modelo apresentado é satisfatório. “Há também inovações interessantes, como descontos para uso frequente, wi-fi em toda a rodovia, incentivo ao free flow e detecção automática de acidentes”, indicou. Em sua visão, o ponto principal é conciliar os benefícios de tarifas menores com garantia de obras. “Para lances de desconto acima de 20% propomos depósitos caução como garantia das obras, com maior efetividade do que na outorga”, defendeu.
Alexandre Antonio dos Santos, auditor do Tribunal de Contas do Paraná, apontou potenciais fontes de problema para a concessão. “O pedágio do Paraná continuará sendo o mais caro do Brasil quando se pesa as obras e o valor do quilômetro rodado. Sabemos que uma tarifa módica é aquela que garante no mínimo a manutenção da pista. Retirando os investimentos do modelo chega-se à conclusão de que em relação aos valores da receita prevista é possível baixar a tarifa em 72%”, declarou. “A sociedade quer obras, mas não há incentivo de obra porque a tarifa é alta. Por isso defendo a tarifa mínima”, defendeu, apresentando também o problema de as obras previstas no modelo estarem concentradas nos primeiros sete anos de concessão.
Enfoque jurídico
As abordagens jurídicas do debate tiveram a mediação de Bahr Neto. O procurador do Estado José Anacleto Abduch Santos, membro da Comissão de Gestão Pública e Controle da Administração. Para ele o critério de menor tarifa tem a potencialidade de atrair competidores ruins, com preços muito baixos, o que pode inviabilizar a manutenção das vias. “Mas não é necessariamente esse o resultado de uma licitação com base no menor preço. Para mitigar a ameaça é possível adotar algumas premissas: a fixação rigorosa de requisitos de habilitação técnica e financeira; precisão de estudos preliminares; adequação de matrizes contratuais; rigor na formulação da habilitação e no julgamento das propostas e ainda a comprovação da exequibilidade do preço”, recomendou.
Para Santos, o modelo híbrido apresenta a vantagem de, pelo menos em tese, garantir a qualidade dos competidores, que se comprometem com o pagamento pela concessão. “Resta questionar se essa é a melhor alternativa. A mim parece não: a melhor garantia é uma boa estruturação jurídico-econômica da relação contratual que assegura uma concorrência com competidores qualificados”, ponderou.
A professora de Direito Administrativo Vera Monteiro, da FGV, abriu sua apresentação defendendo que sejam deixados de lado os preconceitos ainda presentes quanto às concessões rodoviárias. “A modelagem dos contratos é muito importante, mas não é suficiente. Não é um fim sem si mesmo. Precisamos nos preocupar com a gestão dos contratos de concessão. Para evitar erros do passado é preciso buscar as melhores práticas”, afirmou. Um bom ponto de partida, citou, é perguntar quem se quer atrair para as concessões. “O estado de São Paulo, para blindar-se contra grupos que não teriam capacidade de cumprir contratos, adotou um critério de habilitação técnica inédito no edital: que o licitante deveria ser comprovar experiência de gestão com ativo de determinado valor mínimo que gerasse receita anual também de valor específico”, disse, lembrando que São Paulo adota o modelo de outorga e não o de menor tarifa.
A professora lembrou ainda que nenhum contrato é completo, pois a vida é dinâmica. “Portanto, vamos aceitar que o alto volume de contingências precisa contemplar a ideia de boa governança, com, por exemplo, uma equipe permanente de monitoramento. É preciso termos mais maturidade para o aspecto da gestão dos contratos”, recomendou.
O presidente da OAB Cascavel, Jurandir Parzianello Júnior, apontou a necessidade de maior debate do tema com os setores produtivos. Um caminhão de 9 eixos que vá de Cascavel a Paranaguá paga R$ 1.186 em pedágio. É metade do salário mensal desse trabalhador, uma realidade que não podemos aceitar. Por isso dizemos não ao DNA de injustiça presente na modelagem proposta, que limita os descontos. “Somos do diálogo, mas se precisar ir à luta, o faremos, sempre com ética e invocando o direito de contribuir com um contraponto”, declarou.
Visão parlamentar
Mariane Yuri Shiohara Lübke, vice-presidente da Comissão de Gestão Pública e Controle da Administração da OAB Paraná, foi a mediadora da terceira etapa do painel, com a visão dos parlamentares presentes.
O deputado estadual Arilson Chiorato, coordenador da Frente do Pedágio na Assembleia Legislativa do Paraná, apontou, contradições presentes no modelo de concessão proposto pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). “O risco está totalmente transferido para o usuário, pois cria-se um caixa único para cobrir o risco cambial e as operações. Para as empresas concessionárias, tem-se a garantia líquida e certa de um negócio vantajoso”, observou. Para Chiorato é falaciosa a visão de redução de tarifa, faltou omissão e transparência no diálogo com a sociedade. “O povo paranaense não teve acesso amplo aos estudos, tem ouvido falas fantasiosas e está diante da falta de garantia de obras. A tarifa vai ser alta para compensar o risco cambial, os descontos ao usuário frequente e o valor da outorga”, enumerou.
O deputado estadual Homero Marchese valeu-se de um mapa para apresentar os novos trechos a serem licitados pela ANTT, que amanhã e quinta-feira (dias 24 e 25) promove audiências públicas sobre o modelo de concessão proposto para o Paraná a partir das 9h, pelo canal da agência no Youtube. Marchese também listou os problemas dos contratos atuais, como a ausência de disputa de preço, insegurança jurídica, indefinição do reequilíbrio econômico-financeiro, alta Taxa Interna de Retorno (TIR), grande caderno de obras, corrupção e intervenções indevidas do poder concedente.
“Um aspecto bom no novo modelo é a previsão detalhada dos mecanismos de reequilíbrio econômico-financeiro. Outros pontos a destacar são a adoção de arbitragem para a resolução de disputas e os descontos para usuários frequentes”, apontou Marchese. Por outro lado, citou, há problemas como a ausência de disputa no preço, a extensão do caderno de obras, a questão da continuidade dos serviços, o modelo federalizado que não garante que o valor pago pelos paranaenses se volte para obras no estado, dentre outros.
O deputado Luiz Cláudio Romanelli apontou o depósito caução como uma medida relevante para garantir que “o Paraná evite o pesadelo de pagar pedágio sem ter as obras necessárias”. O parlamentar considera equivocado o modelo proposto pelo governo federal e fez votos de que os debates contribuam de forma decisiva para mudar a realidade. “Se não for bem feita, a concessão pode comprometer o desenvolvimento do Paraná nos próximos 30 anos”, lembrou.
Presenças
Ao encerrar o debate, o presidente da OAB Paraná agradeceu a participação de todos e a união em favor do povo paranaense. Também tomaram parte da reunião virtual a vice-presidente da OAB Paraná, Marilena Winter; o diretor de prerrogativas, Alexandre Salomão; o membro honorário vitalício do Conselho Alfredo de Assis Gonçalves Neto; conselheiros seccionais, saudados pelo presidente Cássio Telles na pessoa de Dora Schüller; presidentes de subseções e o deputado estadual Tião Medeiros.