A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado realiza hoje as sabatinas dos indicados para compor o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os indicados pela advocacia São os advogados Marcus Vinicius Jardim Rodrigues e Marcello Terto.
Formado em Direito pela Universidade Federal do Estado do Acre (UFAC), com pós-graduação lato sensu em Direito Público pela Faculdade Integrada de Pernambuco (FACIPE), Jardim Rodrigues presidiu a seccional da OAB no Acre por duas gestões (2013-2016 e 2016-2019), foi secretário-geral da Comissão Nacional Especial da Advocacia Corporativa, presidente da Comissão Nacional de Relações Institucionais da OAB Nacional e conselheiro federal da OAB, integrando a bancada do Acre.
No fim de 2021, ele concluiu um biênio como representante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), numa das duas vagas reservadas advocacia, ao lado de André Godinho. Indicado para a recondução no cargo, Jardim Rodrigues comenta, nesta entrevista exclusiva, as atividades do CNJ e o momento vivido pelo Judiciário.
Com um biênio terminado, que balanço o senhor pode fazer de sua atuação no CNJ como representante da advocacia?
Não imaginávamos que haveria uma pandemia. O mandato foi, claro, muito voltado para essa questão. O CNJ se empenhou na manutenção das atividades do Judiciário que, felizmente, está bastante digitalizado. Em outras nações, mesmo desenvolvidas, o Judiciário parou por um tempo. O Brasil é um caso positivo. Logo de saída representantes do CNJ integraram um grupo de trabalho constituído pelo ministro Dias Toffoli, então presidente do Supremo Tribunal Federal. Foram editadas muitas resoluções estabelecendo aspectos práticos para a produção de provas, as audiências por videoconferência e tudo o mais. Num segundo momento, o da aplicação dessas normativas, a voz da advocacia no CNJ foi muito importante para apontar situações como a dificuldade dos que, por exemplo, não podiam ir para o escritório, para a sede da OAB nem, tampouco, tinham estrutura para atender de casa. Portanto, a atuação do CNJ foi importante para a sociedade e para a advocacia, não obstante algumas de nossas bandeiras não terem encontrado eco.
Dá para vislumbrar um caminho de normalidade?
Primeiro é importante destacar que a tecnologia foi amiga do Poder Judiciário. Ele não parou exclusivamente pelos esforços e investimentos que tinham sido feitos em informatização. Pontualmente, vimos as consequências vividas pelos tribunais que não tinham investido nisso de maneira adequada – como os do Rio Grande do Sul, Tocantins e Espírito Santo. Embora a lei do processo eletrônico seja de 2006, antes da pandemia cerca de 80% dos processos que tramitavam no TJ-RS eram físicos. Então, o Judiciário gaúcho praticamente parou. Imagine o prejuízo para a sociedade.
E o Acre, seu estado de origem?
No Acre teve uma situação diferente, que acompanhei de perto, ainda como presidente da seccional. O desembargador Roberto Barros, então presidente do TJ, tomou, logo no início da pandemia, a providência de digitalizar 100% dos processos, inclusive os físicos já existentes. Teve um estresse inicial, mas como se trata de um tribunal pequeno, foi possível. Com isso, do ponto de vista da tramitação processual, quase não teve problema no Acre. A dificuldade foi com partes e testemunhas que nem sequer têm telefone celular. Ou têm, mas lhes falta um plano de dados que permita participar de uma audiência por videoconferência. Esses obstáculos, aliás, permanecem.
Qual sua visão sobre a reabertura plena de todos os fóruns e tribunais para atividades presenciais?
É algo importantíssimo diante do conceito do Judiciário no Brasil. Aqui o cidadão, mesmo com advogado constituído, vai ao fórum para ter informação de seu processo. Os fóruns têm de estar abertos, pois prestam um serviço essencial e não podem trabalhar exclusivamente na modalidade virtual – pelo menos não sem um período de transição. É importante preservar o conceito do Judiciário, manter o juiz na comarca. Não se trata de uma visão romântica. A presença física do juiz demonstra que há autoridade no lugar, que existe Poder Público e estabelece uma proximidade entre o magistrado e a comunidade. Sou defensor da reabertura imediata, claro que com as cautelas sanitárias para evitar a disseminação de vírus e com todo o respeito à vida. O que justifica os bares estarem abertos e os fóruns fechados?
O Paraná se destacou no relatório Justiça em Números de 2021 pela nota máxima no Índice de Produtividade Comparada da Justiça (IPC-Jus). O que exatamente mede esse índice?
O CNJ tem um papel importantíssimo para a gestão do Poder Judiciário com a coleta de dados, algo que, com a informatização do processo, ficou cada vez mais concreto e fiel. Há possibilidade de analisar número de processos por comarcas, por juízes, e principalmente produtividade. O Poder Judiciário tem orçamento multimilionário, é muito caro para um país infelizmente ainda muito injusto e desigual. Então, o mínimo que o CNJ pode fazer é buscar que ele tenha a máxima efetividade. Os indicadores são importantíssimos para fomentar políticas públicas, que o CNJ desenvolve com base em dados. Um exemplo: salvo engano a violência doméstica é a terceira causa em número de processos no país na área de direito criminal. Com esse dado, o CNJ pode fomentar políticas públicas específicas. De um modo geral, a justiça restaurativa aplicada em vários tribunais tem números excelentes, demonstrando que somente encarcerar não traz os efeitos esperados na segurança pública. Então, pode-se reunir agressores condenados com base na Lei Maria da Penha para participar de seminários, simpósios e terapias. No Acre, com três ou quatro anos de aplicação da justiça restaurativa o índice de reincidência nos casos de violência doméstica, que era de cerca de 80%, caiu para menos de 10%.
O CNJ busca uniformizar a prestação jurisdicional em todo o país?
Os dados possibilitam certo nivelamento e a detecção de casos específicos. Por exemplo: o processo não pode passar mais de 100 dias na mão do juiz sem um desenvolvimento, uma tramitação. Observando-se os indicadores, ficam evidentes questões como a de juízes federais na área de direito previdenciário que têm um estoque processual de 15 mil processos. Então, é preciso analisar os casos que parecem um pouco apartados da média com um olhar mais sensível para, dentro do possível, estabelecer um parâmetro de efetividade alcançável.
O Brasil judicializa mais do que devia?
Os números podem dar a ideia de que o povo brasileiro seria “beligerante”, pois são mais de 100 milhões de processos tramitando no Brasil. Mas não acredito que seja por beligerância. Temos uma Constituição que prevê uma enormidade de direitos, uma legislação extremamente avançada em relação a direito do consumidor, questão trabalhista, defesa das mulheres. Isso tudo leva a uma grande movimentação em direção ao Judiciário. Mas não acho que o brasileiro litiga mais do que o necessário. Esse número de processos pode diminuir quando os poderes públicos realmente conseguirem cumprir as suas funções de maneira mais adequada. Quando tivermos realmente um Estado que consiga oferecer condições mínimas de saúde, educação, proteção ao trabalhador e ao cidadão. Há cerca de uma década busca-se diminuir esses números com as chamadas soluções adequadas de conflito — mediação, conciliação, arbitragem. As partes saem conformadas e felizes com a solução rápida. O CNJ tem incentivado cada vez mais esse tipo de solução.
E qual o papel do advogado para fomentar a cultura da conciliação?
No fim das contas quando você procura o Poder Judiciário é pela incapacidade ou impossibilidade de resolver o problema de maneira independente. Então, nas soluções via conciliação o advogado também é extremamente importante. Onde atuam a advocacia, os acordos são mais efetivos e a taxa de inadimplência é muito menor na execução dos contratos. Muitas vezes um conciliador estabelece condições que o devedor não vai conseguir cumprir. O advogado tem essa sensibilidade, pode travar uma discussão técnica com o colega que representa a outra parte.
O senhor mencionou a dificuldade de algumas cortes com excesso de processos físicos. O TJ-PR foi considerado, dentre os grandes tribunais, o primeiro a ter seus processos 100% eletrônicos. Qual a perspectiva de ter isso em todo o país?
A pandemia foi um catalisador muito forte. Esses casos emblemáticos que eu já citei, do TJ-RS e do TJ-ES, estão em fase avançada de virtualização dos processos, tanto pela necessidade do momento atual quanto pela tendência de que muitos procedimentos implementados no período da pandemia sejam definitivos. Audiências que antes dependiam de carta precatória, de deslocamento, de estrutura, agora são possíveis por videoconferência. Num espaço de tempo muito curto praticamente todos os processos brasileiros tramitarão na modalidade virtual.
Nossa economia está em recessão e um ponto que a sociedade sempre observa é o custo do Judiciário. Nosso Judiciário é caro? Gasta bem?
É caro e não gasta bem. Temos um Judiciário bilionário e cerca de 80% desses bilhões do orçamento são destinados para o pagamento de folha. Imagine que temos somente cerca de 20% para tudo o mais que o Judiciário precisa: concursos, investimentos em tecnologia, obras, despesas gerais de funcionamento. Esse porcentual, por si só, já demonstra que há um desnível, um desequilíbrio no Judiciário, já que praticamente destina o orçamento todo para os salários de seus componentes, servidores e magistrados e terceirizados. É caro também nos estados, em relação às custas processuais. Houve uma movimentação de muitos tribunais nesse sentido, de aumentar o teto das custas para tentar compensar as perdas do período da pandemia. Há uma diferença clara desde a criação do CNJ, mas o conselho tem só 15 anos. Houve dificuldade para implementar muitas medidas no começo, pois havia resistência. Ainda há. Recentemente, por exemplo, foi pautada uma proposta da associação dos magistrados do Rio Grande do Sul para o pagamento retroativo de auxílio moradia. Ainda há um caminho longo para que o Judiciário cumpra o que dele espera a sociedade. O processo judicial brasileiro ainda é moroso, atravancado. Os juizados especiais, criados para dar atendimento célere e simples para a sociedade brasileira, hoje se mostram um instituto que precisa ser reformulado. Hoje um processo nos juizados especiais demora muito mais do que na justiça comum.
Mas até aqui já tivemos avanços bem importantes, não?
A criação de um controle externo ao Judiciário com a atribuição de zelar pela gestão foi fundamental, não só pela questão ética, que é importante. É uma estrutura brasileira composta majoritariamente de profissionais vocacionados, magistrados dedicados, que têm amor à causa e trabalham muito para cumprir com sua missão social. A regra é essa. A face de fiscalizar, de trabalhar pela ética na classe, é muito importante, mas o aspecto da gestão do poder público também é crucial. Algumas situações são demonstráveis por meio de dados. Sabemos, por exemplo, que cerca de 80% dos processos no Brasil tramitam no primeiro grau de jurisdição. Então por que a proporção do orçamento é de 50% para essa instância? Os desembargadores precisam de toda aquela estrutura, de tantos assessores nos gabinetes? O CNJ tem também atribuição para determinar – e não só diagnosticar – rearranjos necessários na aplicação do orçamento.
O senhor está para ser reconduzido como representante da advocacia no CNJ. O que podemos esperar do conselho nos próximos anos?
É um orgulho seguir representando a advocacia brasileira no CNJ. Consegui levar para lá minha experiência profissional e o que tenho vivido no sistema OAB. De mim e do Dr. Marcello Terto a advocacia pode esperar veemência na defesa das bandeiras da advocacia e da sociedade. Nem sempre conseguimos os resultados esperados – até pela composição do conselho, majoritariamente formado por magistrados. Dos 15 membros, 9 são magistrados. As outras 6 cadeiras ficam para os não juízes: 2 para a advocacia, 2 para o Ministério Público, 1 do Senado e 1 da Câmara Federal. Às vezes, quando apresentamos pautas de interesse da advocacia, a luta é inglória. Existem propostas de emenda constitucional para uma composição mais equilibrada. Caso contrário, o controle seguirá mais interno que externo. Mas vamos dar o máximo de legitimidade possível à nossa atuação, fazendo com que as duas cadeiras sejam a voz da advocacia brasileira no CNJ.
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