Como dirigentes de Ordem, temos dedicado nossa atenção a ouvir a advocacia paranaense e somos destinatários da preocupação em relação a determinadas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que não contribuem para a estabilidade jurídica.
O desassossego da classe não é diferente em relação à recente decisão do Supremo Tribunal Federal (na Reclamação 43.007), concluindo – monocraticamente – pela extensão da anulação das provas produzidas em processo criminal processado e julgado, invalidando as provas produzidas a partir do acordo de leniência realizado com a empresa privada, em acordos homologados no âmbito da própria Corte e que, consequentemente, pode levar à invalidação em cadeia de outros processos. A decisão do ministro Dias Toffoli causa surpresa pela amplitude e pelo fato do tempo decorrido para que a Reclamação fosse apresentada, sem, em princípio, qualquer fato novo, considerando que a própria corte havia, anos atrás, homologado o acordo após intensos trabalhos envolvendo agentes públicos de diversas instituições, do Poder Judiciário, além de dezenas de advogados.
A decisão e alguns dos fatos que a embasam foram até agora contestados publicamente por instituições de expressão nacional, como a Polícia Federal, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e a Associação Paranaense dos Juízes Federais (Apajufe). Notícias veiculadas na imprensa nacional também dão conta de que o Ministério da Justiça diz “ter encontrado” o documento relativo à cooperação com a Suíça.
Diante das muitas objeções já apresentadas publicamente, alguns aspectos que serviram de fundamento para a decisão chamam a atenção.
Além da ausência de explicações técnicas quanto a certos pontos, a decisão do STF (ainda que monocrática) desconsidera o fato de que o acordo foi obtido dentro do devido processo legal. Por impactar processos sociais, políticos e jurídicos pelos quais o país vem passando, tendo-se em conta o poder e a responsabilidade das instituições republicanas na preservação das garantias fundamentais, perde-se a oportunidade de permitir que o país se distancie do cenário crítico e indesejável de instabilidade.
É importante lembrar que os atos foram praticados dentro do processo, tendo sido analisados não apenas na primeira, mas em todas as instâncias judiciais, inclusive colegiadas. O sistema jurídico brasileiro dispõe de diversas regras tendentes a estabilizar as situações e as relações jurídicas, justamente para imprimir segurança jurídica. Com isso, busca-se evitar a instabilidade das relações sociais, colocando um ponto final em fatos ou decisões cujos efeitos concretos não podem, na prática, ser desfeitos.
A atuação judicial deve caminhar também nesse sentido: o de estabilizar as relações sociais. No caso da decisão monocrática do STF sobre a invalidade dos atos, decorrente da proclamada imprestabilidade das provas, tardiamente identificada, aniquila-se a condução do feito pelo Poder Judiciário, como um todo, e todas as consequências dele advindas. No âmbito do direito público, as declarações de nulidade têm (ou tinham, antes da LINDB), esse alcance. Porém, chama a atenção que ao longo das 134 páginas no voto, não há, por outro lado, nenhuma linha a respeito das consequências jurídicas da decisão, nem sobre os efeitos práticos relacionados aos recursos públicos desviados criminosamente, já recuperados ou a serem recuperados.
Como se a decisão, ao reconhecer erros e abusos praticados no âmbito da operação lava-jato, pudesse também passar uma borracha hermenêutica sobre a corrupção nela revelada. Nenhuma palavra sobre os recursos públicos recuperados por meio dos acordos – repita-se homologados em todas as instâncias, inclusive o próprio STF. Distancia-se completamente, nesse ponto, daquilo que a lei estabeleceu como baliza na interpretação do direito, justamente para salvaguardar a segurança jurídica (tal qual preconizam os arts. 20 e 21 da LINDB, com a redação da Lei 13.655/2018):
Espera-se que o tema venha a ter o tratamento adequado perante a Corte Constitucional. O STF deve ser o primeiro a respeitar suas próprias decisões, além de ser o primeiro a proporcionar estabilidade jurídica. Caberá ao Colegiado da Corte reordenar o processo, pelo bem do Direito e das instituições democráticas.
OAB Paraná