A conselheira federal Edni Arruda, homenageada em novembro com a medalha Vieira Netto, honraria máxima da advocacia paranaense, abriu os trabalhos do segundo dia da Conferência Estadual da Mulher Advogada, em Maringá. Ao apresentá-la, a presidente da Comissão da Mulher Advogada, Luciana Sbrissia Bega, foi tomada pela emoção.
“Sei que homenagem se faz no fim das falas, mas quis quebrar o protocolo porque a senhora merece. Trouxe esta orquídea, uma planta resistente. Às vezes vemos só os talos, mas na hora certa ela floresce”, afirmou.
Desde as primeiras palavras, Edni hipnotizou a plateia lotada: “Dizem que a nossa casa é onde está nosso coração. Estou em casa. Obrigada, Maringá. Toda vez que aceito convites dessa natureza, me pego perguntando porque o fiz, sempre pensando que sou doida varrida. Na verdade, me acho portadora de certa loucura sadia, que me levou a um caminho interessante, de amor incondicional à advocacia”, revelou.
Em seguida, ela disse discordar de Ulysses Guimarães, que disse certa vez que a experiência é luz que não ilumina e sol que não aquece. A pioneira da advocacia em Guarapuava, que hoje é suplente no Conselho Federal, contou como foi impactada pela surpresa ao saber que teria a honra de receber a medalha Viera Netto. “O presidente (José Augusto) Noronha sempre me surpreende. Então, fiquei curiosa ao saber que numa reunião do conselho, no início do ano passado, seria anunciado o nome do ganhador da medalha. Pensei comigo: quem será? Alguns nomes me passaram pela cabeça, nenhuma de mulher”, confessou.
A admiração do presidente Noronha por seu trabalho fez com que Edni entrasse para a história como a primeira mulher a receber a máxima honraria da advocacia paranaense. “O presidente gosta de dizer que sou do interior e que vou de ônibus à Ordem. É verdade, pois não sei dirigir. Estou aqui graças à generosidade da minha amiga advogada Maria Cecília Saldanha. Mas, com o drama que ele faz, parece que vai descer do tal ônibus uma mulher de saia rodada e lenço na cabeça. Conto essa história porque quando me descrevem parece que não falam de mim. Fico a imaginar: será que em um minuto se conta uma vida?”, disse ela.
Espanto
Edni contou que os compromissos e a visita a universidades também a surpreendem. “Como tem mulheres na advocacia!”. É com orgulho que ela diz que é advogada e também que é feminista “de carteirinha, crachá e sindicalizada”. Para a guarapuavana, é de um primarismo atroz o comportamento das mulheres que têm receio de se declarar feministas, mas ressalva: “O feminismo que defendo não é raivoso. A moda agora é dizer que somos poderosas e especiais. Abomino isso. Precisamos ser vistas dentro da nossa humanidade. O que nos define é nossa imperfeição. Esse discurso retira nossa nossa fragilidade e nossas angústias. Olhemos em volta. Somos diferentes, mas temos algo em comum: queremos um mundo melhor. Como disse (a presidente da OAB Alagoas) Fernanda Marilena: não queremos muito, queremos metade da mesa.”
Para a advogada, reconhecimento não é conquista. É direito. Ela se considera uma pessoa de sorte por ter nascido em uma família que dá valor extraordinário à educação e à cultura e por ser filha de um pai feminista. “Faço essa digressão para dizer que mulher já foi considerada a própria encarnação do pecado e no período menstrual ainda hoje, em algumas culturas, é considerada impura”, lembrou, listando definições do que é ser mulher para autores cristãos: Tertuliano dizia que a mulher era a porta do diabo. Santo Ambrósio e São João Crisóstomo também fizeram afirmações desse gênero. Entre os gregos, Arquíloco escreveu só há dois dias na vida em que a mulher dá prazer: no dia de núpcias e no dia do enterro dela. Schopenhauer associava as mulheres com “distintiva velhacaria” e tendência à mentira. “Para ele, mulher era uma criatura de cabelos longos e ideias curtas. Um fofo! A obra filosófica é maravilhosa, mas conseguiu falar essas sandices. Balzac não fez por menos ao dizer que o destino da mulher e sua única glória é fazer bater o coração dos homens”, pontuou Edni.
Estigma
A advogada lembrou ainda das mulheres estigmatizadas por lutar contra essas visões. “Simone de Beauvoir foi hostilizada nos cafés de Paris, terra da liberdade; Betty Fridean, uma das grandes teóricas do feminismo, era lembrada só por sua feiura; Gloria Steinem não podia ser inteligente porque era belíssima e — pecado capital — havia sido coelhinha da Playboy”, enumerou.
Por tudo isso, prosseguiu a oradora, é impossível entender quem não abraça essa causa. Citando o poeta inglês John Donne, ela declamou: “Nenhum homem é uma ilha plena em si mesmo. Cada homem é uma parte do continente, uma parte do todo. Se uma porção de terra é levada pelo mar, a Europa é levada, como se um penhasco fosse, como se a casa dos teus amigos ou a tua própria fosse. Toda morte humana me diminui, porque sou parte da humanidade. Então não queira saber por quem os sinos dobram: eles dobram por ti.”
Versos do espanhol Antonio Machado também foram citados por ela: “Caminhante, não há caminho. Faz-se caminho ao andar.” Para ela, a luta pela igualdade entre homens e mulheres exige que se pare de pregar para as convertidas e se comece a atrair os homens simpáticos à causa. “Nossa causa não é nossa; nossa causa é da humanidade”, afirmou ela, arrancando suspiros da plateia.
Puxões de orelha
A advogada considera que dentro da OAB ainda se vê muito comodismo. “Sei que é difícil. Minha vida toda foi arrebentando portas. Não a pontapés, mas com muita insistência”, contou. Ela considera que a instituição só será grande de fato se tiver também a participação feminina. “Vimos ontem: hoje só temos na Ordem uma mulher dirigindo uma seccional”, lembrou, para, em seguida, relatar que passou dez anos trabalhando só com homens. “Abrir a boca é fácil, mas participar, tomar para si tarefas, é para poucas. Temos, sim, de buscar apoio para essa causa”, recomendou. Sem a participação sensível e solidária dos homens, alertou, a batalha pela igualdade está fadada ao fracasso. “Observem que até o genial Millôr Fernandes fez sua gracinha ao dizer que o melhor movimento feminino era o dos quadris”.
Edni também acha que as mulheres têm de renunciar ao papel de refém da família, lembrando que os países de alto desenvolvimento humano são aqueles em que a responsabilidade pela criação dos filhos é paritária. O Brasil, disse ela, sofre da volúpia do recurso e da legislação. “Não precisamos de leis, estamos confortavelmente amparadas por leis. Na Ordem, queremos a metade da mesa, como disse a Fernanda Marinela. Espero viver esse dia. Que esse apelo encontre eco no coração de vocês. Se integrem e se entreguem à Ordem dos Advogados do Brasil. Tanta coisa linda vi aqui. Saio maravilhada e gostaria de deixar a vocês palavras de Carlos Fuentes – “Somos passageiras da alvorada, cada qual com seu destino” – e de Helena Kolody – “Para quem viagem ao encontro do sol é sempre madrugada”. Ao fim de sua brilhante apresentação, Edni convidou: “Vamos juntas? Vamos esperar que não demore, que o amanhã seja hoje?”
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