“O Brasil só poderá se tornar realmente democrático se houver um Estado de Direito de conteúdo, que ao lado do império da lei e do respeito aos direitos humanos, contenha também a participação volumosa e consistente das classes sociais para traçar o poder legítimo que se quer”. Repetindo as palavras enunciadas em 1978 por Eduardo Rocha Virmond, o presidente da OAB Paraná, José Augusto Araújo de Noronha, destacou o legado da VII Conferência Nacional da Advocacia.
“Os brasileiros queriam à época o fim do terrível Ato Institucional nº 5 e a volta do Estado de Direito. Sonhava-se com direitos que hoje parecem tão básicos, como o direito de votar e ser votado; o direito de ir e vir, com liberdade; o direito à nossa liberdade de expressão e de imprensa; a liberdade das nossas escolhas profissionais, culturais e tantas outras”, pontuou. (confira no box abaixo a íntegra do pronunciamento)
Protagonismo
Ao enaltecer a memória daqueles que contribuíram para a redemocratização do país, Noronha ressaltou a importância histórica do evento, que há exatos 40 anos reuniu centenas de advogados com um objetivo comum no grande auditório do Teatro Guaíra. “Ali, a advocacia brasileira começou a construir o futuro do nosso país. Foi um momento tão importante que hoje nos reunimos especialmente para celebrá-lo”, frisou. “Resgatar a memória daqueles que construíram a nossa história é obrigação de todos nós”, disse.
Em uma breve reflexão sobre o atual momento político do Brasil, endossada pelo presidente nacional da OAB, Cláudio Lamachia, em mensagem encaminhada ao Paraná especialmente para o evento (confira a integra aqui), Noronha frisou que as palavras de Raymundo Faoro “não poderiam ser mais atuais”. “Disse Faoro: Dentro da névoa autoritária, acenderam os advogados a fogueira que reanima as vontades e esclarece os espíritos. Estamos diante de uma transição inevitável. Estamos diante da luz do amanhã. É preciso que a advocacia seja a luz do amanhã e assim nós faremos ao resgatar a Conferência de 1978”, citou.
Responsabilidade
A mensagem deixada por todos os brasileiros que lutaram pela liberdade, pontuou Noronha, deve ser constantemente relembrada e ensinada às novas gerações. “Nós precisamos conscientizar aqueles que hoje vivem nesta época da informação fácil – do Whatsapp, do Facebook, do Instagram – e que fazem julgamentos apenas com base em uma imagem. Para esta geração, faz sentido. E, às vezes, apenas uma imagem serve como promotor e juiz, sem nenhuma piedade”, alertou.
“Neste mundo que é tão líquido, muitas vezes as pessoas não refletem sobre o que significaria a volta do autoritarismo. Tenho visto com muita tristeza alguns incrédulos com a solução que a democracia pode dar aos seus próprios problemas, chegam a bradar que poderíamos reviver tempos que já vivemos. Mas nós, advogados, lembraremos que aquele tempo não pode mais voltar”, defendeu o presidente da seccional.
Neste contexto, Noronha reforçou que é na democracia que que o país encontrará a solução para os problemas que enfrenta. “Combateremos a corrupção, afastaremos aqueles que não prestam serviço à nação e que estão lá apenas para servir-se de um Estado que hoje se mostra gigantesco e ineficiente. Diremos que não se faz aquilo que tentaram evitar os conferencistas de 1978. Queremos democracia, um Estado de Direito que cumpra seu papel social. A consciência dos advogados, baseada no primado da Justiça, assumiu o protagonismo”, argumentou.
Resgate
Diante da responsabilidade e do protagonismo da advocacia, Noronha conclamou os mais de 60 mil advogados paranaenses a resgatar os princípios que nortearam o histórico evento. “É tempo de fazer uma nova conferência de 1978 para resgatar o que desejamos para o Estado de Direito. Por tudo isso, hoje realizamos esta sessão comemorativa. Neste momento saudamos todos aqueles que anonimamente fizeram parte da história democrática do nosso país”, pontuou.
Pronunciamento do Presidente Noronha:
Assim esse evento será sempre lembrado pela advocacia paranaense. Admito, Ernani Buchmann, que não vivenciei o que você vivenciou. Na época eu tinha pouco mais de 6 anos. E de 1978, confesso que pouco lembro. Talvez com mais vivacidade eu lembre dos tempos em que, depois da escola, eu assistia Zico, Dirceu e Leão jogarem pela Seleção Brasileira. Mas estudei muito sobre essa conferência. Estudei muito para garantir que ela fosse mantida na memória de todos nós.
Foi com os discursos antológicos de Eduardo Rocha Virmond e Raymundo Faoro que se manifestaram os melhores anseios da nação brasileira. Eram tempos de pouca liberdade, ainda mais para os advogados que bradavam pelo fim do AI-5 e pela volta do Estado de Direito – do Estado Democrático de Direito.
Sonhava-se com direitos que hoje parecem tão básicos: como o direito de votar e ser votado; o direito de ir e vir, com liberdade; o direito à nossa liberdade de expressão e de imprensa; a liberdade das nossas escolhas profissionais, culturais e tantas outras.
Extraímos dos Anais da Conferência de 1978 o sonho e o desabafo de Ponte de Miranda, um dos maiores juristas que este país já produziu. Disse ele: “Para quem, há mais de 60 anos se dedicou à história e à prática do Habeas Corpus e há quase meio século, desde 1932, lança livros sobre direitos humanos, em três volumes publicados, ver dois volumes queimados por ordem de algum governo é um grande sofrimento. Não soa nada democrático. No fim da vida, em vez de ver respeitado o que se sustentou antes da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assisto este decênio de atraso de muitos séculos em matéria de herança jurídica, política e moral. É muito triste. Espero antes de morrer, ver o Brasil voltar a ser o que foi”.
Senhoras e senhores advogados, este é o momento em que Ordem dos Advogados do Brasil precisa prestar este tributo àqueles que tiveram a coragem de lutar, efetivamente, pela redemocratização do nosso país. São muitos os depoimentos que tenho ouvido – e que certamente farei publicar, porque não cabe nesta única sessão fazer a leitura de todos. O que cabe nesta ocasião de homenagem é lembrar e também nos questionar: qual a importância da VII Conferência Nacional da Advocacia, que tratou do Estado de Direito? E, principalmente, por que devemos enaltecer aqueles que fizeram dela um evento tão importante? Por que as novas gerações precisam estudar a VII Conferência? Porque precisamos lembrar que os corajosos advogados da época lutaram e precisamos lembrar por que lutaram. A VII Conferência plantou a semente do fim e do começo. O fim do AI-5 e do período de ausência de liberdades. E a semente do começo, do restabelecimento da chama democrática, que culminaria com o que temos hoje.
As pessoas que lá estiveram, das quais tenho ouvido relatos maravilhosos, merecem ter sua mensagem registrada para que as próximas gerações possam conhecer o que se fez. Ouvi, por exemplo, o depoimento da filha de Rui Ferraz de Carvalho. Contou-me que, como dirigente da Ordem, seu pai frequentava os quartéis em busca de advogados sequestrados ou presos indevidamente. Ela disse lembrar da mãe e de si mesma dentro do carro, nas portas dos quartéis, esperando pelo pai. Afinal, na época era muito frequente que não aparecessem mais os que lá entrassem.
Nós precisamos conscientizar aqueles que hoje vivem nesta época da informação fácil – do Whatsapp, do Facebook, do Instagram – e que fazem julgamentos apenas com base em uma imagem. Para esta geração a pressa, faz sentido. E, às vezes, apenas uma imagem serve como promotor e juiz, sem nenhuma piedade. Neste mundo que é tão líquido, como descreveu Zygmunt Bauman, muitas vezes as pessoas não refletem sobre o que significaria a volta do autoritarismo. Tenho visto com muita tristeza alguns incrédulos com a solução que a democracia pode dar aos seus próprios problemas. Eles chegam a bradar que gostariam de reviver tempos já idos, sem lembrar que foram dias sombrios. Mas nós, advogados, lembraremos que aquele tempo não pode mais voltar. Que é na democracia que acharemos a solução para nossos males. Combateremos a corrupção, afastaremos aqueles que não prestam serviço à nação e que estão lá apenas para servir-se de um Estado que hoje se mostra gigantesco e ineficiente. Diremos que não faz sentido desejar aquilo que lutaram para afastar do Brasil os conferencistas de 1978. Queremos democracia, um Estado de Direito que cumpra seu papel social. A consciência dos advogados, baseada no primado da Justiça, assumiu o protagonismo.
A conferência de Curitiba estava marcada para entrar na nossa história. Talvez pela fama da conferência de 1978 é que fomos encarregados de sediar mais duas delas no Paraná. Somos o estado que mais organizou conferências nacionais: Foz do Iguaçu, em 1993, e Curitiba novamente, em 2011. Todas conferências com absoluto primor de organização, que deixaram um legado à advocacia brasileira e também à sociedade, que tanto deposita em nós, dirigentes de Ordem, a chama da esperança de tempos melhores.
Li as teses apresentadas por Sérgio Bermudes, sobre direito de petição; de Pontes de Miranda sobre o Habeas Corpus; de Lamartine e Francisco Muniz, direitos de personalidade; de Rubens Requião sobre a função social da empresa; de Aciolly Filho sobre a solução do casamento; sobre mandado de segurança e ação popular; de Barbosa Moreira sobre a motivação das decisões judiciais. Falava-se há 40 anos sobre motivação das decisões judiciais e ainda temos decisões judiciais imotivadas. Geraldo Ataliba tratou de limites constitucionais em matéria tributária; professor René Ariel Dotti falou sobre a informação cultural no Estado de Direito. Tantos outros deixaram esse legado que em algumas teses parece tão atual.
Neste tempo avançamos em muitas coisas, mas podemos ver que alguns pontos não evoluímos nada. Como disse Eduardo Rocha Virmond: “O Brasil só poderá se tornar realmente democrático se houver um Estado de Direito de conteúdo, que ao lado do império da lei e do respeito aos direitos humanos, contenha também a participação volumosa e consistente das classes sociais para traçar o poder legítimo que se quer”. Quanta atualidade há nisto! Há 40 anos, Virmond falava do que nos falta ainda hoje. Precisamos levar as palavras dele aos mais de 1,2 milhão de advogados do Brasil. Nós, sem dúvida, levaremos aos 66 mil advogados ativos da OAB Paraná.
Nestes tempos de smartphones, da doentia necessidade de informação imediata, nesses novos tempos de dificílimos julgamentos sociais é que a advocacia precisa trilhar o seu caminho e cumprir efetivamente o seu papel de ser a protagonista das mudanças sociais. A advocacia não pode ficar calada sobre nenhum tipo de ilegalidade, mas sim encontrar e propor uma saída democrática para essa encruzilhada que estamos enfrentando. Se o Pasquim estivesse sendo editado hoje, qual seria sua manchete? Qual seria o título de cada escândalo? Qual seria a manchete de cada violação? Teríamos algo como “Advogados são grampeados: leiam o que diz a gravação”, ou “A corrupção toma conta do país: salve-se quem puder”. É tempo de fazermos uma nova Conferência como a de 1978, para que possamos resgatar o que nós desejamos para o Estado de Direito. Por tudo isso, hoje nós realizamos esta sessão comemorativa. Neste momento, saudamos a todos aqueles que, anonimamente, fizeram parte da história democrática do nossos país.
O presidente do Conselho Federal, Cláudio Lamachia, pediu que eu mencionasse o quão atual é Raymundo Faoro, que na cerimônia inaugural disse: “Dentro da névoa autoritária, acenderam os advogados a fogueira que reanima as vontades e esclarece os espíritos. Estamos diante da transição inevitável, estamos diante da luz do amanhã. É preciso que a advocacia seja a luz do amanhã”. E nós o faremos com o resgate da história da VII Conferência Nacional. Essa luz chama-se democracia e precisa efetivamente brilhar. Não apenas simbolicamente, voltar efetivamente ao nosso país, porque hoje vivemos tempos em que a democracia é limitada por aqueles que comandam os partidos políticos. Não se tem a democracia plena para qualquer um que deseje ou queira concorrer a uma eleição majoritária ou proporcional. Tivemos um arremedo de reforma política, que prejudica a todos nós.
A advocacia precisa deixar o seu legado neste momento dos 40 anos da VII Conferência e exigir reformas estruturais efetivas no nosso processo político, no nosso processo eleitoral. Sem isso, nenhuma esperança teremos de ver o Brasil que Faoro desejou. Resgatar a memória daqueles que construíram a nossa história é obrigação de todos nós.
Muito obrigado.