Luiz Edson Fachin: o momento é o de fazer um chamamento à responsabilidade

Um dos mais respeitados juristas brasileiros, várias vezes cotado para assumir uma vaga no Supremo Tribunal Federal, Luiz Edson Fachin fará a conferência magna de abertura da V Conferência Estadual dos Advogados – “As reformas de que o Brasil precisa”. Em entrevista concedida à Revista da Ordem, Fachin adiantou que irá propor uma reflexão sobre um conjunto de reformas a partir da centralidade do paradigma da responsabilidade. 

 “Liberdade sem responsabilidade é um horizonte vazio de efetividade; direitos sem deveres é um conjunto de promessas sem concretude. Impende, pois, começar por numa nova forma cultural e educacional que altere substancialmente o modo de ser e de viver num país que ainda não realizou o elementar direito humano ao desenvolvimento de seus cidadãos”, sustenta Fachin.

A V Conferência Estadual dos Advogados acontece de 13 a 15 de agosto, no Centro de Eventos da Fiep, em Curitiba. Os assuntos que estarão em pauta nos 16 painéis e mais de 50 palestras abrangem questões de direito, justiça, advocacia, sistema político e eleitoral, administração pública, infraestrutura, meio ambiente, previdência, e muitos outros.

Confira a íntegra a entrevista:

– Que debate o senhor pretende fomentar na conferência de abertura "As reformas de que o Brasil precisa"?

Iremos propor uma reflexão sobre um conjunto de reformas a partir da centralidade do paradigma da responsabilidade.

Em primeiro lugar, o momento é o de fazer um chamamento à responsabilidade. Do direito a ter direitos, como estava o direito humano mais básico na célebre enunciação de Hannah Arendt, cumpre, nada obstante, colocar em pauta os deveres como ações e comportamentos individuais e coletivos imprescindíveis para transformar o Estado e a própria sociedade. Liberdade sem responsabilidade é um horizonte vazio de efetividade; direitos sem deveres é um conjunto de promessas sem concretude. Impende, pois, começar por numa nova forma cultural e educacional que altere substancialmente o modo de ser e de viver num País que ainda não realizou o elementar direito humano ao desenvolvimento de seus cidadãos.

Em segundo lugar, é tempo também de promover reformas estruturais que coloquem em cena o próprio modelo atual e os procedimentos nele limitados que reduzem, nos atuais padrões, a eficácia de qualquer reforma. Não se trata apenas de dar vazão à hemorragia legislativa. Impende dar sentido concreto às leis transformadoras para que não sejam apenas discursos despidos de obras.

Além disso, o País precisa atentar para a igualdade que não suprime a diferença. Não se trata propor um direito penal de gênero e sim de efetivo direito que protege a vítima. Nesse campo, impende combater o direito penal do inimigo, e rechaçar o ocultamento da dignidade humana, como não raro se dá no tratamento do princípio da insignificância pelo Supremo Tribunal Federal.

Ademais, na espacialidade jurídica, cumpre dar o destaque devido à jurisprudência, arrostando o que tem sido produzido na doutrina como meras citações de acórdãos e precedentes, sem a devida análise crítica e construtiva. Há bons exemplos a mirar, como se dá na Alemanha com duras e diretas análises de julgamento dos tribunais superiores, como do Superior Tribunal Federal (BGH), ou do Tribunal Constitucional (BVerfG).

A reforma estrutural no Brasil compreende a abissal diferença entre a Constituição real e a Constituição como idéia-promessa. Continuamos diante excesso de medidas ditas provisórias. Isso leva a repelir generalizações como aquela que deriva da perfunctória crítica à atividade judicial promocional (confundindo judicialização com ativismo).

Eficiência, segurança jurídica e um mínimo de previsibilidade devem conviver com a dimensão ampliada da solidariedade no contexto de um Estado Socioambiental de Direito.

Para isso, cumpre mudar não apenas as formas jurídicas, mas sim a substância do Direito para que ocorram três condições: a harmonização das pessoas que vivem em sociedade; a condição humano-existencial (que torna a pessoa capaz de reconhecer o seu próprio valor); e a condição ética (quando uns se reconhecem nos outros como sujeitos numa determinação ético-pessoal). Sobre os conceitos de liberdade e de pessoa, é imperativo construir o desenvolvimento como liberdade, como sustentado por Amartya SEN.

O paradigma da responsabilidade, por conseguinte, é uma eleição pelo bem além do ser, ou como já se escreveu: é a responsabilidade pelo outro, nascida do outro, como fundamento do próprio Direito.

Tal paradigma impõe repensar a formação do Juiz: é preciso, pois, investir na qualificação dos magistrados, e não apenas na técnica, mas também, e principalmente, na humana. O Juiz, bem qualificado, traduz maior segurança e confiabilidade. E isso sem aderir panjudicialismo: no Estado democrático, o Parlamento acolhe o embate das correntes políticas para expressar a vontade popular, e o julgador há de servir também ao processo democrático, julgar conforme a lei e a Constituição, e não por suas conveniências pessoais.

Portanto, não deixando de lado temas importantes como as reformas liberais, bem como as chamadas reformas da previdência, tributária, sindical e trabalhista, é imperativo promover melhora no serviço público brasileiro, na adoção de novas formas orçamentárias, na descentralização do poder ao Municípios, no fortalecimento da pequena empresa, no fortalecimento do mercado interno, e no estímulo da economia, especialmente nas empresas cooperativadas. Por derradeiro, anote-se que o sistema eleitoral proporcional e majoritário não pode passar incólume a essas reformas, especialmente com o fim do foro privilegiado para política. Portos, estradas e ferrovias para fazer circular não apenas materialmente os bens da vida, mas também para metaforicamente gerar veículos para a educação mirando o futuro das novas gerações: é disso que o Brasil precisa.

 – Qual a importância do evento em sua visão?
 
Trata-se de um evento que se inscreverá na história do protagonismo da Ordem dos Advogados do Brasil em expressar anseios e reivindicações da sociedade paranaense e brasileira. A OAB, com a pauta escolhida para a Conferência, e à luz de seus compromissos históricos pelas liberdades democráticas, pelo respeito ao Estado de Direito, à segurança jurídica e aos direitos fundamentais, se mantém coerente e fiel ao seu ideário de lutas por um País melhor e mais justo para trabalhadores, empresários, agentes públicos comprometidos com a efetividade das diretivas constitucionais, e no respeito à diversidade, à solidariedade e à tolerância.

Será, por certo, um evento que chama para si uma grande responsabilidade, qual seja, a de responder para que e para quem devem ser realizadas as reformas que transformem o governo, o Estado e a própria sociedade. Advogados e advogadas tem, nesse contexto, um papel de extraordinária importância histórica; estou certo de que o futuro será testemunha do cumprimento de tais afazeres por aqueles que colocam razão e emoção a serviço da liberdade, da defesa pessoal e material de legítimos interesses.

Inscrições

V Conferência Estadual dos Advogados

Mais de 900 advogados de todo o estado já garantiram suas vagas na V Conferência dos Advogados. As inscrições podem ser feitas até o dia 18 de julho com o valor promocional de R$ 200,00, no site www.oabpr.org.br/conferencia. Os advogados que ainda não se inscreveram devem ficar atentos, pois a capacidade de público do Salão Azul do Clube Curitibano é de 1.200 pessoas.

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