O encerramento do segundo dia da VI Conferência Estadual da Advocacia reuniu duas grandes personalidades nacionais – uma do mundo jurídico e outra no campo desportivo – para falar de “Deficiência, Superação e Cidadania”: o medalhista olímpico e bicampeão mundial Lars Grael, e o presidente da OAB-SP, Marcos da Costa.
Costa, que convive com uma deficiência há dois anos, quando perdeu a perna direita em um acidente, falou sobre sua experiência. “Tenho o Lars como um exemplo de cidadania no Brasil; lembro e sofri muito na época do acidente e nem pensava sequer em um dia estar perto dele com estou hoje”, declarou.
Muitos anos depois do acidente de Lars, em abril de 2015, Costa sofreu um acidente automobilístico voltando de um evento da Ordem na capital paulista. Ficou internado por mais de 50 dias, e passou por 14 cirurgias, até ter sua perna amputada. Ele contou que encontrou na própria atividade advocatícia um alento. “A Ordem nos dá a possibilidade de fazer com que a advocacia tenha essa dimensão diferente, de estender a mão para alguém que precisa superar o pior sentimento que uma pessoa pode ter, que é a sensação de injustiça. Nós estamos constantemente em contato com temas relevantes, como é a pessoa com deficiência. Passei por 14 cirurgias, mas esse episódio todo é pequeno perto da possibilidade que a OAB me dá de poder fazer o bem”, disse.
Se o grande patrimônio que o ser humano pode ter é a família e os amigos, foi um gesto amigo que reforçou a certeza que Costa tinha de que voltaria a ter uma vida normal. “Um dia, um amigo meu visitou – era o José Lucio Glomb (ex-presidente da OAB-PR) – e me apresentou ao Lars Grael. Esse gesto, a presença daquele ídolo na minha frente, compartilhando a experiência dele, fazendo com que eu tivesse a convicção de que aquilo tudo tinha realmente passado e que a vida continuaria, foi fundamental. E nessa vinda a Curitiba eu faço questão de agradecer pessoalmente ao Glomb”.
Costa falou também sobre a dificuldade de se locomover em cadeira de rodas em uma metrópole brasileira – ele precisou utilizar o equipamento por alguns meses, antes de colocar uma prótese. “É impossível ter uma vida normal sendo cadeirante numa cidade como São Paulo. É impossível passar pelas calçadas. As alternativas são não sair de casa ou ir pela rua. Foi apenas depois, com a prótese, foi que minha vida voltou ao normal.”
Em sua gestão à frente da OAB-SP, a questão da acessibilidade ganhou força. “Várias subseções do litoral paulista fizeram um grande levantamento de equipamentos e mobilidade, e nós divulgamos um ranking das cidades – o que resultou em um movimento de prefeitos da região querendo tornar sua cidade mais acessível. Temos certeza de que no próximo levantamento a situação estará melhor, concluiu.
Superação
Em seguida, Lars Grael falou sobre sua trajetória como velejador – de seu início, ainda criança, até os títulos mundiais e as medalhas olímpicas. “Contrariamos a lógica de um país de ‘monocultura esportiva´, como é o Brasil com o futebol. Tudo o que tenho na minha vida eu devo ao esporte”.
Lars estava em Vitória (ES) se preparando para os jogos de Sidney (Austrália) quando aconteceu o acidente que o mutilou. “Entrou uma lancha pilotada por um inconsequente, na raia de treino. A minha sorte é que o primeiro atendimento não partiu de um velejador comum: ele era médico e cirurgião vascular”, contou.
Foi aí que começou sua história de superação, na prova mais difícil que disputou na vida. Transferido ao hospital Albert Einstein, em São Paulo, passou por mais de 10 cirurgias. “Naquele momento de luta pela vida, surgiu o momento de rejeição. Aceitar ser um aleijado me causava revolta”. O que foi determinante para Lars, assim como para Marcos da Costa, também foi a questão do exemplo. “Certa vez uma enfermeira disse pra mim ‘olha, estou gostando de ver. Você tá se recuperando tão bem que vai voltar a velejar’. Falei que ela dizia isso porque não era com ela. Foi quando ela me mostrou uma prótese em uma das pernas. Aquele momento me marcou muito.”
Seis meses após o acidente, ele voltou a competir oficialmente.
Passou também a se envolver com políticas públicas esportivas para deficientes físicos, e atualmente é presidente da Comissão Nacional de Atletas e membro do Conselho Nacional dos Esportes (CNE). Também participa de organizações não governamentais como o Instituto LOB de Tênis Feminino, a ONG Mãos do Mundo, Instituto Trata Brasil, Fundação Gol de Letra e Atletas pela Cidadania, entre outros.
“Superar obstáculos e o preconceito é o que me faz manter minha carreira esportiva ativa, mesmo com essa deficiência e com 53 anos de idade”, finalizou.