Lamachia faz pronunciamento sobre os 40 anos da Conferência de 1978

Claudio Lamachia, presidente do Conselho Federal da OAB, fez um pronunciamento sobre os 40 anos da Conferência Nacional de Advocacia de 1978 (leia mais). Lamachia evidencia a importância e as conquistas do evento, retratando o contexto histórico que motivou as reivindicações expostas na conferência. Em suas palavras, “seu maior legado [da conferência] é o da firme instransigência na oposição contra toda e qualquer forma de tirania, o que, com efeito, representa a própria essência do múnus público advocatício”.

Lamachia também fala sobre a defesa da Constituição e da liberdade no vídeo comemorativo da Conferência Nacional de 1978. Assista aqui.

 

Confira o pronunciamento do presidente Claudio Lamachia na íntegra:

 

Há exatos 40 anos, tinha início a histórica VII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. O evento, que duraria somente 6 dias, persiste até hoje como marco fundamental da advocacia e da cidadania brasileira.

Naquele memorável 7 de maio de 1978, o Teatro Guaíra de Curitiba assistia à abertura não apenas do encontro, mas, principalmente, de um novo tempo. Era o princípio do fim do período sombrio da ditadura militar.

Assim, na cerimônia inaugural da Conferência, o então Presidente do Conselho Federal da OAB, Raymundo Faoro, anunciou em seu discurso:

“Dentro da névoa autoritária, acendemos a fogueira que reanima as vontades, esclarece os espíritos. Estamos diante da transição inevitável e estamos diante da luz de amanhã”.

Sob o ânimo dessas palavras, advogados e advogadas de todo o Brasil, reunidos no Paraná, vocalizavam os anseios da sociedade civil e exigiam a restauração plena e imediata das garantias fundamentais da cidadania.

Não por acaso, a VII Conferência Nacional tinha como tema “O Estado de Direito”. Era uma mensagem direta e corajosa de oposição ao regime do medo e da força que havia sido instaurado em 1964 e que se agravara em 1968, com a edição do Ato Institucional n. 5. Vê-se, portanto, que “a advocacia não é profissão de covardes” – nunca foi e nunca será.

Com extraordinário destemor, o resgate da normalidade constitucional foi defendido abertamente ao longo de 6 dias, entre aqueles 7 e 12 de maio. A questão foi analisada e debatida a partir de 47 proposições, as quais abrangiam voto livre, estado de sítio, anistia, segurança, direitos políticos, direitos sociais, entre muitos outros assuntos.

Não obstante, em meio a tamanha diversidade temática, uma bandeira se sobressaiu: o restabelecimento do habeas corpus, que havia sido suspenso pelo odioso AI-5.

Com efeito, para a Ordem dos Advogados do Brasil, tanto em 1978 quanto nos dias atuais, essa garantia fundamental representa a essência do Estado de Direito. Conforme seria registrado na célebre Declaração de Curitiba, é “a plenitude do habeas corpus que assegura a primeira das liberdades e base de todas as outras: a liberdade física”.

Nesse contexto, os clamores da advocacia não tardaram a ser ouvidos – e atendidos. Em verdade, no decorrer da própria Conferência, o Senador Petrônio Portela e o Consultor-Geral da República, Rafael Mayer, representando o General Ernesto Geisel, comunicaram ao Presidente Raymundo Faoro que a anistia seria decretada. Era uma grande vitória para a Ordem – e, melhor, não era a única. Muitas outras se seguiram.

Entre tantas, faço menção a uma conquista em particular, a qual teve especial simbolismo para a OAB. Refiro-me à restauração do habeas corpus, efetivada por meio da Emenda Constituição n. 11, aprovada em 13 de outubro de 1978 – ou seja, apenas 5 meses após o encerramento daquele encontro.

Diante de tudo isso, é forçoso concluir que muitas são as razões para que hoje estejamos reunidos, celebrando a memória dos 40 anos da VII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira. Embora não seja a única realizada em Curitiba, na medida em que a cidade ainda sediaria outra em 2011; ela é, provavelmente, a mais célebre.

Sem sombra de dúvidas, seu maior legado é o da firme instransigência na oposição contra toda e qualquer forma de tirania, o que, com efeito, representa a própria essência do múnus público advocatício.

Senhoras e senhores,

Essas breves considerações evidenciam a absoluta necessidade de se manter sempre presente o espírito da heroica Conferência de 1978 e de sua Declaração de Curitiba.

Por esse motivo, o Conselho Federal da OAB elegeu Raymundo Faoro como Patrono da XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, a qual, realizada em São Paulo, em 2017, tive a honra e o privilégio de presidir.

Por conseguinte, felicito a valorosa advocacia paranaense, em virtude da promoção deste importante evento, que evoca a memória de um marco fundamental para a nossa Instituição e para o nosso País.

Saúdo toda a advocacia do Estado do Paraná na pessoa do Presidente José Augusto Araújo de Noronha, cujo meritório trabalho e incansável determinação lhe alçaram à estatura de liderança nacional.

Antes de terminar esta sucinta exposição, cumpre-me ressaltar que a VII Conferência Nacional da OAB não é somente um capítulo na história. Ao contrário, ela é, acima de tudo, um ensinamento para o presente.

Sua profissão de fé em favor do Estado de Direito deve, a todo momento, inspirar os advogados em sua fé na profissão. A advocacia é o ofício da liberdade, da cidadania, da justiça, dos direitos sociais. Além de um mister, é uma missão: compromisso inegociável com os valores civilizacionais mais elementares.

Essas lições, proferidas há quatro décadas, são especialmente relevantes nos dias atuais, quando a advocacia e a cidadania brasileira se veem confrontadas por tantos e tão graves desafios.

É preciso manter-se vigilante, pois muitas são as afrontas contemporâneas ao sagrado direito de defesa e a presunção de inocência, como exemplificam as conduções coercitivas abusivas, o desrespeito às prerrogativas advocatícias, as escutas telefônicas ilegais, o uso de provas ilíticas e o abuso de autoridade.

O próprio habeas corpus, por cujo restabelecimento lutamos com tanto destemor, viu-se ameaçado recentemente, no âmbito das chamadas “10 medidas contra a corrupção” onde tivemos de atuar para assegurar que não tivemos retrocessos quanto à utilização do instituto da liberdade.

Como tenho dito, não se combate um crime cometendo outro crime. Justiça não é justiçamento; é nos termos da lei.

Assim, a todos aqueles que, supostamente motivados por objetivos nobres, cometem afrontas ao devido processo legal e à ampla defesa, alerto de antemão: a OAB nunca aceitou e nunca aceitará, jamais, qualquer violação das garantias fundamentais do Estado de Direito.

Afinal, evocando o discurso proferido pelo Presidente Raymundo Faoro na abertura da histórica Conferência Nacional da Advocacia de 1978:

“Onde quer que haja o advogado, onde quer que esteja o bacharel, aí deve estar a consciência jurídica do povo brasileiro em defesa do Estado de Direito”.

Muito obrigado.