Igualdade racial no Brasil é tema de seminário sobre o bicentenário da independência

A igualdade racial foi tema de um painel matinal no seminário “Brasil 200 anos de conquistas e retrocessos: independência ou morte de direitos?”, aberto nesta segunda-feira (12/9), na OAB Paraná. Depois do painel de abertura com conferências da presidente da OAB Paraná, Marilena Winter, e do reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ricardo Marcelo Fonseca (confira aqui), o tema entrou em pauta com a promoção de quatro comissões da seccional: Igualdade Racial, Pacto Global, Defesa dos Direitos Humanos e Comissão da Verdade e da Escravidão Negra. Os trabalhos foram abertos por Luciane Trippia, presidente da Comissão do Pacto Global.

A mediação do painel ficou a cargo da advogada e professora Maria da Glória Colucci, que é membro da Comissão do Pacto Global da OAB Paraná, e do advogado Sandro Luiz Britto Sprenger, vice-presidente da Comissão de Igualdade Racial da seccional e conselheiro do Conselho Municipal de Política Étnico Racial de Curitiba (Comper). O tema foi exposto por três palestrantes. “É com satisfação que estamos juntos para refletir sobre os grandes problemas sociais do nosso país e dentre eles o racismo. Quando olhamos o cenário internacional vemos aquilo que se chama de mundialização dos costumes, o que significa a formação de uma cultura global do Ocidente. Nessa mundialização vemos que o papel das redes sociais tem sido marcantes, infelizmente muitas vezes reduzindo o papel e o valor das pessoas. Fica evidente que a depreciação das pessoas negras tem sido algo corriqueiro e que demanda reflexão. A expressão raças, no plural, está equivocada. Existe uma só raça, a humana. Qualquer ser humano, de qualquer cor de pele, é em si mesmo uma pessoa de grande valor”, disse Maria da Glória.

Abrindo as exposições, o advogado e conselheiro estadual da OAB Paraná André Nunes, mestre em Direitos Humanos pela UFPR, palestrou sobre o contexto social da população negra no Brasil. Inicialmente, ele relatou as dificuldades vividas e as injúrias que ouviu nos tempos de graduação na universidade. “Entendo que ao falar de desigualdade temos de fazer um corte étnico-racial. Quando os negros começaram a ser trazidos da África para o Brasil, vigorava aqui a hegemonia da metrópole. Esse país foi formado à custa da mão-de-obra do escravagismo. Os navios negreiros traziam as pessoas para o Cais do Valongo, onde eram pesadas ou medidas como peças, não como pessoas. A independência foi calcada na formação escravocrata, mas em momento algum a Constituição de 1824 menciona a relevância da mão-de-obra das pessoas escravizadas. Esse fato foi extirpado da história. Somente no século XX vieram alguns avanços quanto ao esclarecimento dessa questão”, apontou.

Nunes mencionou ainda a ausência de voz dos negros, cuja atuação se limitava à micropolítica nas relações com os senhores de escravos, como relata Eduardo Spiller Pena na obra “Pajens da casa imperial”. Por fim, falou da importância do combate ao racismo estrutural e destacou: “Nossa instituição, a OAB, é uma das mais progressistas dentro do sistema de justiça”.

Assepsia

Apresentada por Sandro Sprenger, a defensora pública federal Rita Cristina de Oliveira, coordenadora do Grupo de Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União abordou o tema da igualdade racial no sistema de Justiça e na OAB. “A independência brasileira foi um processo muito peculiar em comparação ao que se viu no restante do continente, pois manteve as hierarquias sociais. O Brasil se forjou como uma nação anti-Haiti, voltada para pessoas brancas e civilizadas. O fenômeno das revoltas e rebeliões dos escravizados que quebrou as estruturas e buscou estabelecer uma cidadania transcendente de todos os que foram vítimas da diáspora, independente de fronteiras nacionais, ficou conhecido como onda negra. Por aqui, as revoltas foram sendo desidratas pelas elites para que o Brasil não se tornasse um Haiti. Era preciso também aplicar a máxima do chamado paradoxo de Lampedusa: algo deve mudar para que tudo permaneça como está”, disse Rita.

Para ela, a tensão dos conflitos sociais dos primeiros anos do império do Brasil permanece presente. “Tanto em 1824 quanto em 2022 o Haiti é um problema não resolvido no constitucionalismo brasileiro, que trabalha em favor de uma assepsia das questões raciais. Se já raiou a liberdade, perguntamos: para quem?”, questionou.

Assimetria

A terceira apresentação do painel versou sobre perspectivas para uma advocacia mais consciente, inclusiva e plural. O assunto foi abordado pela conselheira estadual da OAB Paraná  Laola Marinho de Oliveira, membro das comissões de Igualdade Racial, de Direito das Famílias e da Mulheres Advogadas. “Nesses 200 anos de independência, inúmeras violações raciais ocorreram. Uma delas é a ausência de pessoas negras em cargos considerados de primeiro escalão na pirâmide social. É uma verdade dentro de grande parte dos setores, inclusive na advocacia, na magistratura e no Ministério Público. De acordo com uma pesquisa feita pelo Centro de Estudos das Relações de Igualdade e Trabalho, em 2019, nos grandes escritórios os negros representam menos de 1% dos advogados e 9,4% dos estagiários. Confrontados com a presença de negros na sociedade brasileira, que de acordo com o IBGE hoje somam 56% da população, esses dados evidenciam que os escritórios contratam menos negros do que poderiam ou que as disparidades sociais dificultam a formação dos negros ou ainda que há um misto desses dois fatores”, ressaltou Laola.

“Na história do Supremo Tribunal Federal tivemos apenas três ministros negros – Joaquim Barbosa, Hrmenegildo Rodrigues de Barros e Pedro Lessa. Mulheres negras? Não tivemos. Nas cortes superiores, somente 1,3% se declaram pretos e 7,6% se declaram pardos. No Ministério Público os negros – pretos e pardos — são apenas 2%, de acordo com o IBGE. E, segundo o Conselho Nacional de Justiça, os magistrados negros são apenas 14%”, elencou. Para Laola, reverter esse quadro e alcançar a equidade exige ação. Admitir, acolher e capacitar advogados negros, eliminando os ambientes técnicos, bem como compreender que a estética negra é tão válida quanto qualquer outra.

 

A programação do seminário prossegue até 13 de setembro. Confira os demais painéis da programação:

SEGUNDA, 12/9

PAINEL 2 (13h30): Cidades e Gestão Pública: o percurso da segregação socioespacial e da administração pública no Brasil

a)Comissões organizadoras: COMISSÃO DE DIREITO À CIDADE, COMISSÃO DE GESTÃO PÚBLICA E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO

b) Mediação: Moacir Ribeiro de Carvalho Junior (Membro da Comissão de Direito à Cidade)

c) Palestrantes: Mariane Yuri Shiohara Lübke (Doutora e mestre em direito Econômico e desenvolvimento pela PUCPR. MBA em Gerenciamento da Administração Pública Municipal pelo IBPEX. Presidente da comissão de gestão pública e controle da administração da OAB-PR)

Daniele Regina Pontes (Professora do Departamento de Geomática da Universidade Federal do Paraná e do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano (PPU). Graduada, mestre e doutora em Direito)

 

PAINEL 3 (15h30): Infraestrutura no Brasil: entre o público e privado

a) Comissões organizadoras: Comissão de Direito Ambiental, Comissão de Infraestrutura e Desenvolvimento Sustentável

b) Mediação: Rafael Filippin (Membro da Comissão de Direito Ambiental)

c)  Palestrantes:

Tema: Panorama histórico e perspectivas das mudanças climáticas no Brasil – Aritha Suit Ruck Rocha (Pós graduada em direito empresarial e direito Ambiental. Atuante na área do agronegócio desde 1997)

Tema: A judicialização da política pública de saneamento básico – Fernando Massardo (Advogado, especialista em direito do saneamento, mestre em meio ambiente urbano e industrial, doutorando em meio ambiente e desenvolvimento)

Tema: Infraestrutura entre o Público e o Privado – Márcia Fernandes Bezerra (Advogada com atuação nas áreas de Direito Administrativo, Regulatório e da Infraestrutura. Doutora em Estado, Economia e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Membro da Comissão de Infraestrutura e Desenvolvimento Sustentável da OAB/PR)

Tema: Perspectivas da Infraestrutura no Brasil – Heroldes Bahr Neto (Advogado. Mestrando no Unibrasil e Presidente da Comissão de Infraestrutura e Desenvolvimento Sustentável da OAB/PR)

 

PAINEL 4 (18h30): Patrimônio Histórico Cultural do Paraná entre a independência e a atualidade

a) Comissão organizadora: Comissão de Assuntos Culturais

b) Mediadores: Oksana Paludzyszyn Meister, Aurelio Cancio Peluso, Comissão de Assuntos Culturais

c) Palestrantes: Fábio André Chedid Silvestre (Doutorando em Planejamento Territorial e Urbano (PUC/PR). Membro do Conselho Municipal de Patrimônio Cultural de Curitiba. Vice-presidente da ADPPCC (Associação dos Detentores de Patrimônio Cultural de Curitiba)

Claudia Inês Parellada (Arqueóloga Coordenadora do Departamento de Arqueologia do Museu Paranaense e Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal do Paraná. Doutora em Arqueologia pela Universidade de São Paulo (2006)

Letícia Nardi (Arquiteta e urbanista, com especialização em Gestão do Patrimônio Cultural Integrado ao Planejamento Urbano da América Latina, pelo Programa ITUC/AL da Universidade Federal de Pernambuco e do Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada. Proprietária da empresa Inspire-C Arquitetura, Urbanismo e Patrimônio Cultural. É coordenadora dos projetos culturais: Patrimônio Edificado da Região Metropolitana de Curitiba e Nosso Patrimônio)

 

TERÇA-FEIRA, 13/9

PAINEL 5 (9h): 200 anos de independência: onde estavam as mulheres?

a) Comissões organizadoras: Comissão das Mulheres Advogadas

b) Mediação: Carolina Ritzmann (Membra da Comissão das Mulheres Advogadas)

c) Palestrantes

Dora Lucia De Lima Bertulio (Procuradora Federal em exercício na UFPR. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina.Visiting Scholar em Harvard Law School,

Teresa Cristina de Novaes Marques (Doutora em História pela Universidade de Brasília. Desenvolveu pos-doutoramento pela UFRJ. Atualmente, desenvolve estágio de pos-doutoramento na University of Texas, em Austin)

Laís Leão (Mestre em Gestão Urbana, Urbanista. Atua como pesquisadora convidada pela Fundação Alexander von Humboldt, em Berlim, Alemanha. Fundadora do projeto social inCities – Rede para Cidades Inclusivas)

 

PAINEL 6 (10H): Conquistas históricas da advocacia no Brasil ao longo dos 200 anos de história da independência

a)  Comissões organizadoras: Comissão de Gestão e Empreendedorismo, Comissão de Direito Digital e Proteção de Dados, Comissão da Advocacia Iniciante

b)  Mediação: Rafaela Vialle Strobel Dantas. Presidente da Comissão de Gestão e Empreendedorismo

c)  Palestrantes: Rhodrigo Deda. Coordenador Geral de Inovação da OAB/PR. Ex-Presidente da Comissão de Inovação e Gestão da OAB-PR nas gestões de 2016-2018 e 2019-2021. Ex-membro consultivo da Comissão Especial de Gestão, Empreendedorismo e Inovação do Conselho Federal da OAB no triênio de 2019-2021

Dayana Uhdre (Doutoranda pela Universidade Católica de Lisboa. Membro Associada da BABEL-Blockchains and Artificial intelligence for Business, Economics and Law (Universidade de Firenze). Procuradora do Estado, coordenadora do curso de pós-graduação em direito dos criptoativos da ESMAFE-PR)

Roberto Leite (Conselheiro do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Curitiba. Conselheiro do Instituto Paranaense de Cegos. Membro do Movimento Visibilidade Cegos Brasil)

 

PAINEL 7 (13h30) -Distintas Origens, Distintas Condições, Distintas Convicções: O Exaustivo Trajeto de Reconhecimento Jurídico dos Imigrantes, das Pessoas com Deficiência e das Liberdades Religiosas no Curso do Bicentenário da Independência

a) Comissões organizadoras: Comissão de Direito e Liberdade Religiosa, Comissão de Direito Internacional e Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência

b)  Mediador: Luís Alexandre Carta Winter (Advogado, Professor Universitário e Pesquisador. Professor na Graduação, no Mestrado e no Doutorado em Direito da PUCPR. Coordenador do Núcleo de Estudos Avançados em Direito Internacional (NEADI-PUCPR)

c)  Palestrantes:

Juliana Ferreira Montenegro (Doutora em Gestão Urbana pela PUCPR. Professora da PUCPR e do Unicuritiba. Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Constitucional e Direitos Humanos Fundamentais, bem como da Especialização em Direito, Logística e Negócios Internacionais, ambas da PUCPR)

Gilmara Pesquero Fernandes Mohr Funes (Mestre em Direito e em Educação pela Universidade do Oeste Paulista. Membro Relator da Turma de Instrução do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/PR. Integrante das Comissões de Gestão e Empreendedorismo dos Direitos da Pessoa com Deficiência, da OAB/PR)

Francielli Mores Gusso (Integrante das Comissões de Direito Internacional e de Direito e Liberdade Religiosa da OAB/PR. Professora do Unicuritiba e da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Integrante do NEADI-PUCPR e participante externa do NESIDH-UFPR)