Em noite festiva, a OAB Paraná e o grupo “Modernas Tendências do Sistema Criminal” abriram nesta terça-feira (14/6) o evento em homenagem ao advogado e professor René Ariel Dotti. Além do homenageado, a mesa de abertura contou com a presença de grandes nomes do direito nacional como o jurista Miguel Reale Júnior, que proferiu a conferência de abertura; o presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Técio Lins e Silva; o presidente da OAB Paraná, José Augusto Araújo de Noronha; os ex-presidentes da seccional Juliano Breda e José Lúcio Glomb; o procurador de Justiça, Paulo César Busato; o presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, Paulo Vasconcelos e o desembargador Sérgio Murilo Rodrigues Lemos, do Tribunal Regional do Trabalho.
Primeiro a tomar a palavra após a saudação do presidente Noronha, Paulo César Busato, um dos coordenadores do evento, destacou que a homenagem ao trabalho magistral do professor Dotti é um esforço contra o que o escritor Zygmunt Bauman chama de avidez pelo consumo do pseudoconhecimento. “O grupo Modernas Tendência do Sistema Criminal, em parceria com a OAB Paraná, espera estar à altura da grandeza do homenageado na batalha contra a banalidade intelectual. Poucas vezes a doutrina penal teve o gosto de ver o desenvolvimento de teses originalmente brasileiras, como são as dele. A única saída para o avanço do desenvolvimento intelectual no Brasil é a criação das próprias teses. A chispa da originalidade está sempre presente em seus trabalhos”, disse Busato.
Ricardo Navarro, assessor da presidência da OAB Paraná que atuou como mestre de cerimônias, leu para os presentes a carta do colégio de presidentes dos Instituto de Advogados Brasileiros, assinada por José Horário Rezende Ribeiro, que lembrou a homenagem feita pelo IAB ao professor René Dotti no dia 21 de novembro de 2011, durante a XXI Conferência Nacional dos Advogados, realizada em Curitiba, e expressou profundo agradecimento ao homenageado. Na ocasião, Dotti recebeu de Fernando Fragoso a medalha de Santo Ivo, padroeiro dos advogados.
Gustavo Scandelari historiou a carreira do professor deste o início seu início, nos anos 50, destacando seus múltiplos papéis e, sobretudo, sua luta contra a ditadura, ajudando jornalistas, sindicalistas, professores, estudantes e tantos quantos foram perseguidos pelo regime. “A figura de René Dotti excede a do penalista. René é muito mais que isso. Nunca deixa de ser advogado, inclusive quando é professor”, ressaltou Scandelari, que também falou sobre o livro “Perspectivas das Ciências Criminais: coletânea em homenagem aos 55 anos de atuação profissional do Prof. René Ariel Dotti”.
Sonhador de pés no chão
Miguel Reale abriu sua conferência falando sobre entusiasmo. “René Dotti é um sonhador com os pés no chão. Por isso, um sonhador que realiza. Sou eterno devedor do entusiasmo que ele gera na minha vida”, declarou. Reale abordou a figura do consentimento do ofendido, que em sua visão foi menosprezada por Nelson Hungria no Código Penal de 1940. “O desenvolvimento científico e bioético trouxe novas perspectivas ao Direito. Não é mais o médico o doutor de toda a ciência, nem o paciente é submisso. O médico agora tem o dever de informar o paciente sobre todas as condições a que está sujeito e saber se está de acordo com o tratamento. O paciente, por sua vez, tem direito de aceitar ou não. Muda-se absolutamente a relação médico-paciente. Isso está estabelecido no Código de Ética Média editado pelo Conselho Federal de Medicina em 2010”, afirmou.
Para Reale, o consentimento do ofendido ganha hoje um relevo imenso porque deixa de estar limitado a nichos da liberdade individual, do patrimônio e da honra, para focar o bem jurídico fundamental, que é a vida. “Alguém pode decidir que prefere não ser mantido artificialmente vivo, através de formas invasivas, mas que haja um processo natural de morte, somente com medicamentos paliativos que lhe retirem a dor. É a ortotanásia, que distingue-se da eutanásia porque prevê o curso natural da vida e da morte. Jamais se imaginaria que o consentimento do ofendido teria o relevo que hoje se vê. O Direito é isso. O Direito se renova. Por isso René é um homem do Direito, porque é um inovador”, completou.
Trabalho, estudo e esperança
O homenageado citou escritores como Antoine de Saint-Exupéry e Rui Barbosa. Disse ainda que, para ele, sua advocacia está baseada em triângulo escaleno: trabalho, estudo e esperança. Mas foram as menções à família que fizeram a emoção brotar com mais força. “Em 1961, abri um pequeno escritório, em sala alugada, e recebi da minha mãe, Adelina, uma simples costureira, um pedido para atender aos necessitados. Ela me recomendava que nunca me esquecesse de ajudar os pobres e que agradecesse a Deus por poder oferecer solidariedade e não necessitá-la”, lembrou comovido, mencionando também o pai, Gabriel, pintor de paredes, e a irmã, Rose.
Ao fim de seu discurso, Dotti fez questão de agradecer aos clientes, a quem classificou como “razão de ser de seu escritório”. Agradeceu também a magistrados, serventuários forenses e todos aqueles com quem convive na lida diária. Ao falar sobre seu escritório, destacou que é endereço de trabalho, estudo e esperança e que continuará sempre existindo. “Todos poderão contar sempre com a liderança fraterna e competente da Rogéria. Muitas vezes, no cotidiano, percebo que ela tem razão. E tenho uma vontade, não confessada até agora, de pegá-la no colo e dar um beijo, como na infância. Claudinha, a outra filha, escolheu a veterinária por amor desvelado aos animais. Há ainda os netos: Gabriel, Pedro, Lucas e Henrique, uma revolução afetiva para mim e para minha companheira Rosarita, que me ajuda a sonhar de olhos abertos”, disse. “Me perguntam se ainda advogo. Sim, sim, enquanto a vida permitir”, afirmou, sob calorosos aplausos.
Cultura
Em seu discurso, o presidente Noronha lembrou da contribuição de René Dotti para além da área jurídica. “Sua obra se estende não só pelos caminhos da doutrina, da cátedra, da contribuição à legislação, dos pareceres e da prática diária da advocacia. Ela também abrange seu mandato como Secretário de Cultura do Estado do Paraná, período de realizações essenciais, que tive o privilégio de acompanhar, pois minha mãe era nesta época Diretora do Museu de Arte Contemporânea, vinculado à Secretaria de Cultura”, recordou.
“Com a certeza de representar a vontade dos mais de 55 mil advogados paranaenses, quero agradecer pelas próximas décadas de ensinamentos com que Vossa Excelência haverá de nos presentear”, disse Noronha, antes de declarar encerrada a solenidade.
As palestras e debates seguem ao longo desta quarta-feira (15/6), no auditório da Seccional. O evento tem a coordenação dos advogados Alexey Choi Caruncho, Gustavo B. Scandelari, Paulo César Busato e Priscilla Placha Sá.
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