Questões do Direito Civil foram debatidas na manhã desta sexta-feira(14/8) na Semana da Advocacia Paranaense, promovida pela OAB Paraná, por meio da Escola Superior de Advocacia (ESA), e também pela Caixa de Assistência dos Advogados do Paraná (CAA-PR). A mesa foi presidida pela coordenadora de Direito Privado da ESA, Marília Pedroso Xavier, que é doutora pela Universidade de São Paulo (USP) e professora na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
O professor Marcos Ehrhardt Jr., professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), foi o primeiro a falar sobre os impactos do mundo digital para o Direito Civil. “É senso comum que no mundo digital as noções de tempo e espaço ficam alteradas. Tudo é imediato, mandamos uma mensagem e já ficamos aflitos se a resposta demora. As distâncias perdem sentido. Se tempo e espaço são relativos, precisamos refletir sobre decisões que tomam por base a territorialidade”, observou. Para ela, até agora procuramos estabelecer no mundo digital semelhanças com mundo físico. Exemplo disso é a assinatura digital. “A próxima onda é lidar com soluções que envolvam proteção de dados e inteligência artificial, que têm vários impactos para nós, no Direito, com a jurimetria, por exemplo, que extrai dados de documentos que são públicos”, citou, ressaltando que esse impacto vale para todos os campos do Direito.
Novas respostas
“No campo civil, o das relações particulares, o desafio é responder à disrupção que vemos, por exemplo, em serviços de hospedagem e transporte por aplicativo. A dúvida é saber se temos aí uma nova roupagem de um serviço que sempre existiu ou se estamos efetivamente diante de algo diferente, sobretudo no campo da responsabilidade civil. No táxi, em caso de acidente, vou responsabilizar o condutor. Mas, e se estou em um veículo chamado por aplicativo? A pergunta é: a teoria geral da responsabilidade civil, que eu pensava para o taxista, vale para o motorista do aplicativo?”, questionou.
O livre-docente José Fernando Simão, da USP, discorreu sobre desafios e perspectivas da atualidade no campo da locação. “Vivemos um caos sistêmico nos contratos de locação após a pandemia. E esse casos gerou pânico para os operadores do Direito porque foi primeiro tipo de contrato, junto com os educacionais, a sofrer impacto em tempos de pandemia”, apontou. Simão destacou as principais dúvidas que surgiram logo no início da crise da covid-19. “A pergunta que mais recebi dos locatários foi: posso entrar com uma ação pedindo redução do valor do aluguel por que estou desempregado? Historicamente, nunca no Direito Civil, em tempo algum, se admitiu revisão contratual porque não se pode pagar, quer seja em razão de doença, de desemprego ou de outras condições pessoais que afetam a vida do devedor. Nunca as condições pessoais foram levadas em conta para não pagar”, destacou. Para Simão, não base teórica que justifica os escape admitido pelo STJ para contratos imobiliários de quem não tem condições de pagar. “Não há no Direito Civil a função de distribuição de renda”, pontuou.
Família
A tutela jurídica da família na pandemia foi o tema abordado pelo advogado João Aguirre, pós-doutor pela USP. “O Direito de Família sofreu vários reflexos em razão desse confinamento imposto pela pandemia. Vários deles bastante preocupantes, como o aumento da violência doméstica e as dificuldades para denunciar. Afinal, a vítima da violência doméstica convive cotidianamente com o ofensor. Esse ofensor, que saia durante a semana para suas atividades — o que explicava o aumento da incidência de violência doméstica aos fins de semana –, agora está cotidianamente em casa”, afirmou. “Os pedidos de divórcio aumentaram. Alguns casais dizem que estão se conhecendo melhor agora. No que tange à questão relacionada à guarda e a alimentos, tive a honra de participar da elaboração de um projeto de lei. Infelizmente a proposta não avançou e estamos numa situação em que os tribunais tomam decisões as mais diversas. Tenho visto uma generalizada e desmesurada redução nos alimentos, em decisões pautadas num casuísmo que assombra. Parte-se da premissa da redução generalizada das receitas, que leva à revisão da pensão alimentícia. Mas essa não é a realidade em 100% dos casos”, observou.
Sucessão
Também docente da USP, a professora Giselda Hironaka fez uma apresentação sobre morte e sucessão na contemporaneidade. “As aflições que estavam comigo em 2010 já abriram espaço para caminhos de maior segurança jurídica. Morrer e suceder são fatos que fazem parte do círculo contínuo da história da humanidade. A morte é uma das únicas certezas da vida humana, e há consequências jurídicas em torno dela”, afirmou. Para a professora, por isso torna-se necessário pensá-la, desvendá-la e refletir acerca dela, não como objeto místico ou tema de ocultismo, mas como fato perfeitamente visível que dê consistência a tudo aquilo que se concebe como direito das sucessões. “A morte é recorrente, é inevitável; mas o testamento é raro e é improvável. Não há, em tese, morte sem efeito sucessório. Mas quase não há vida que deixe estipulação testamentária. O fato é que se testa muito pouco no Brasil”, destacou, apontado a recusa em refletir sobre a morte como traço cultural do brasileiro. A professora considera que do ponto de vista legal, ainda não estamos no plano ideal, mas já se conseguiu do vazio que havia há uma década com marcos importantes.