A democracia é o regime mais apropriado para a promoção do bem-estar social, porque permite o exercício da liberdade em todos os sentidos. A essência desse regime está no postulado de que “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”.
Em períodos de crise política, de enfraquecimento do Estado, em razão de corrupção dos governantes, de crise ética e de baixa estima social, a história demonstra que a sociedade tende a inclinar-se por soluções miraculosas apresentadas por salvadores da Pátria, caudilhos e líderes que se impõem pela força.
A consequência imediata desse tipo de solução é o exercício arbitrário do Poder. O apoio popular distorcido pela turva visão promovida pela desorganização, permite o fortalecimento da autoridade centralizadora, que passa a usar da força do poder para legitimar projetos individuais de governo.
O resultado é a redução dos espaços de exercício das garantias fundamentais, das liberdades individuais e das conquistas sociais.
A distorção maior causada por esse caminho parte da equivocada ideia de que os destinos de uma nação podem ser conduzidos pela vontade de um só governante.
O regime inaugurado no Brasil, no pós 64, foi apresentado como solução à força, sob o pretexto de restaurar a ordem no País.
Os que viveram aquela época e mesmo os que a conheceram pela história sabem que o regime ditatorial causou males à nação, devido à ruptura democrática, que sacrificou todas as liberdades: a liberdade de ir e vir, de se reunir, de expressar livremente as opiniões, de se associar, de votar para todos os cargos eletivos, enfim a supressão das garantias fundamentais, pela instauração de um regime de exceção.
A página mais triste deste período, no entanto, foram as perseguições políticas, as mortes e torturas reconhecidamente praticadas pelo regime oficial, uma sucessão de atrocidades que o País não deseja mais reviver.
A obra da advocacia foi lutar pela redemocratização, reedificando-a por meio de uma Constituição baseada nos postulados da fraternidade, da não discriminação, da dignidade, da liberdade em todos os sentidos, da garantia do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, contra o exercício arbitrário e sumário do poder.
Portanto, o que se deve comemorar é o período mais longevo de uma Constituição democrática, advinda da vontade popular. O País, no período pós-ditadura, passou por turbulências e solavancos, que redundaram em dois impeachments presidenciais, em prisões de autoridades políticas e empresários, por corrupção, por desvio de verbas públicas, mas mesmo assim a Constituição e o regime democrático continuaram firmes.
A edição da lei da ficha limpa e o fim dos financiamentos empresariais de campanha, duas contribuições que a OAB deu ao país por sua ação afirmativa, proporcionaram grande avanço no processo de escolha popular.
A renovação vista no Congresso Nacional nas últimas eleições (87% no Senado e 47,3% na Câmara), ao lado da eleição de um Presidente da República, pertencente a um pequeno partido, com recursos do fundo eleitoral menores do que os demais e menor espaço nos meios de comunicação para a propaganda eleitoral gratuita, demonstra que a consciência política do eleitor vem sendo aprimorada.
É isso que deve ser comemorado e não a ruptura democrática promovida em 1964. Não se deve comemorar um regime que promoveu a tortura nos cárceres, as prisões secretas, o desaparecimento de pessoas, a supressão das garantias legais, notadamente do habeas corpus e a censura ferrenha à liberdade de expressão.
O País quer um novo caminho, de paz, harmonia social e moralidade na administração pública e não o culto da arbitrariedade e do regime ditatorial, especialmente em momento de polarizações de ideias e ideologias, de conflagração e de intolerância.
A OAB sempre esteve e estará ao lado da defesa da Constituição, da legalidade e sobretudo da democracia. Concitar brasileiros, ainda que integrantes das Forças Armadas, a comemorar um período triste de violações das garantias fundamentais está na contramão dos valores republicanos, previstos no preâmbulo da Constituição Federal, “da liberdade, da segurança, do bem-estar, da igualdade e da justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”.
Das lideranças políticas do nosso País esperam-se atitudes de encontro, de tolerância, de união da nação em torno desses valores; não de ódio, de discórdia e revanchismo.
Comemoremos, pois, a Democracia. Sempre ela, a Democracia.
Cássio Telles, presidente da OAB Paraná
Imagem: Na histórica Conferência Nacional da Advocacia, realizada em maio de 1978, em Curitiba, a advocacia brasileira clamou pela redemocratização/Portal Memória Brasileira