Um diálogo organizado pela OAB Paraná e pela Escola Superior de Advocacia (ESA) com ex-presidentes da instituição marcou, na noite desta quarta-feira (3), o lançamento do Observatório da Democracia. Semanalmente, a seccional reunirá diferentes convidados, por meio de teleconferência, para debater questões prementes sobre o atual momento da democracia no Brasil e no mundo. Na próxima semana, as discussões serão coordenadas pela vice-presidente Marilena Winter.
Participaram da primeira sala de debates o presidente da OAB Paraná, Cássio Telles, o ex-presidente nacional da OAB Roberto Busato e os ex-presidentes Edgard Cavalcanti de Albuquerque, José Hipólito Xavier da Silva, Alfredo de Assis Gonçalves Neto, Alberto de Paula Machado, José Lucio Glomb, Juliano Breda e José Augusto Araújo de Noronha.
“Nesta primeira sala — a primeira de várias que ainda faremos nesse projeto de debates em torno de democracia e do direito de manifestação—, o convite foi feito aos ex-presidentes exatamente para que cada um traga os fragmentos dessa história, que foi construída ao longo de todos esses anos, contando passagens de suas gestões, que ajudaram na construção da democracia, e fazendo uma avaliação do momento que estamos vivenciando”, explicou Cássio Telles.
“Nossa democracia é uma democracia jovem, que ainda está se aprimorando. É um regime que todos nós precisamos preservar.Precisamos nos esforçar muito para que ele jamais entre em crise e para que jamais haja algum retrocesso ou até mesmo algum outro regime diferente da democracia no nosso país. A advocacia tem um compromisso essencial, inerente à defesa da democracia”, sustentou.
“Nos juramentos, todos nós fazemos um compromisso de defesa do estado democrático de direito. Por isso, a Ordem dos Advogados do Brasil tem esse papel, e hoje estamos contando com a presença desses ilustres advogados, que ajudaram, nas lideranças que exerceram em seus mandatos, a construir também esse ambiente democrático”, completou Telles.
Diálogo
Na avaliação do ex-presidente nacional da OAB Roberto Busato (gestão 2004-2007), o país passa por um momento crucial. “Vemos uma disputa de poderes que nos incomoda muito e nos deixa muito apreensivos com o que pode acontecer. Eu tive na minha presidência o exemplo do Mensalão, por exemplo, que começou já no início do meu mandato e foi até o final, e continuou depois, na gestão do presidente Cezar Britto. Mas eu tive — e era tido como o maior crítico do presidente Lula — diálogo com ele. Tive diálogo, expondo as razões que a Ordem tinha no sentido de preservar as instituições democráticas do país”, relembrou.
“E acredito que este diálogo está faltando hoje, neste momento de crise — que, para mim, é o momento mais grave que estou vivendo nos meus 60 e tantos anos”, avaliou. “ É um momento em que a Ordem tem que levantar sua bandeira, a sua luta de longas décadas”, defendeu.
Defesa da ordem democrática
Ao encontro do entendimento de Busato, Alfredo de Assis Gonçalves Neto (gestão 1995-1997) também destacou o papel da OAB na defesa da democracia e das instituições. “Na nossa gestão, tivemos várias ações interessantes no sentido de aproximar a Ordem do cidadão e buscar defendê-lo daquilo que notávamos estar desvirtuando os seus direitos”, lembrou. “Ao se analisar os direitos do cidadão no seu conjunto, temos uma regra do nosso estatuto que tem sido muito esquecida, que é a defesa das instituições jurídicas e da ordem democrática, do Estado de Direito e assim por diante. E alcançamos isso no dia a dia do nosso trabalho”, contou.
Edgard Cavalcanti de Albuquerque (gestão 1998-2000) concordou com os colegas que a atual situação é difícil, mencionando a pandemia de covid-19 e os desentendimentos entre os Três Poderes. “A democracia é o pior regime, mas é o melhor que temos, como a nossa Constituição”, disse — pontuando que, embora a Carta seja perfeita, suas premissas não são executadas em sua totalidade. “Saúde e educação são direitos de todos, mas onde estão?”, questionou.
Albuquerque avaliou que o atual cenário de crise exige uma postura de defesa do sistema de Justiça. “Nós — advogados, promotores, juízes, desembargadores, ministros — pertencemos à família Judiciário. Diante de uma crise que atinge a nossa família, temos que nos posicionar. Não podemos permitir ataques”, disse.
Democracia: marco zero da OAB
Desembargador pelo quinto constitucional, o ex-presidente da seccional Hipólito Xavier da Silva (gestão 2001-2003) recordou que as ações de sua gestão foram voltadas à classe, mas sem perder a pauta da defesa da democracia. “Lembro de ter conduzido minha gestão com um discurso nessa linha porque entendia, como entendo até agora, que a bandeira da democracia é o marco zero da nossa instituição. Independentemente dos perfis dos seus presidentes, todos partimos da premissa da defesa do Estado Democrático de Direito e das instituições”, disse.
“Ofender a democracia não é apenas colocar em risco o regime. Também são antidemocráticos fatos menores que importam à civilidade, à cidadania, a regras básicas dos direitos humanos, como é o próprio acesso ao Judiciário. Vejo uma polarização, uma tentativa de protagonismo exacerbado pelos Três Poderes, mas não vejo ameaça ao rompimento, apesar de tudo que estamos vendo. Nada disso, na minha visão, coloca em risco as nossas instituições, que — bem ou mal — funcionam”, frisou.
Resgate de valores democráticos
Alberto de Paula Machado (gestão 2007-2009) lembrou que, durante o seu mandato, em 2008, a OAB celebrou os 30 anos da histórica Conferência Nacional de 1978, e, por sugestão da bancada federal, realizou uma conferência estadual resgatando os valores democráticos. “Aquele evento foi realizado no mesmo local do evento realizado em 1978. A conferência teve como objetivo trazer a lembrança da importância do papel da OAB na preservação e no restabelecimento da democracia”, disse.
“Acho que o papel da OAB pode ser importante nesse momento em que o país está polarizado. Precisamos de uma palavra equilibrada para que as instituições possam ser respeitadas e preservadas. Não podemos assistir a esse desrespeito. É fundamental uma reflexão sobre a democracia, recuperando a nossa história para que possamos avançar. É um momento que vai demandar muito o bom senso e equilíbrio que a OAB sempre teve historicamente”, defendeu.
Defesa das liberdades
Ao relembrar a pauta de Combate à Corrupção com o movimento “O Paraná que Queremos”, o ex-presidente José Lucio Glomb (2010-2012) enalteceu o protagonismo da Ordem em defesa das liberdades. “A OAB tem um papel rico na defesa da democracia e da liberdade de expressão. Ainda antes do regime ditatorial tivemos Élio Narezi já defendendo a democracia”, lembrou.
“Devemos trabalhar na preservação da democracia, porque ela não tem defesa contra ela mesma”, frisou. “Esse radicalismo que estamos vivendo é péssimo para a democracia e para a liberdade. É preciso cultivar mais tolerância, o entendimento e a harmonia. Se não colocarmos a nossa voz, corremos risco. Precisamos ficar atentos. Sem liberdade imprensa, sem liberdade de expressão, não há democracia. E vemos o presidente da República de alguma maneira tentando minar essas liberdades”, criticou.
Juliano Breda (gestão 2013-2015) frisou que todo advogado deve seguir a lei e o estatuto que regulam a profissão e a entidade. O ex-presidente lembrou que o primeiro inciso do Artigo 44 da Lei nº 8.906 afirma ser finalidade da OAB a defesa da Constituição, da ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos, da justiça social. “Isso não é gratuito. A biografia da OAB se confunde com a redemocratização e as lutas do povo. A dimensão constitucional da OAB é muito superior a qualquer entidade de classe de qualquer outra nação do mundo. Nesse ponto, é um dever estar ao lado das manifestações legítimas da sociedade, em especial na defesa das minorias”, sustentou.
Breda frisou, ainda, que movimentos de manifestação democráticos legítimos não podem ser desqualificados por conta de episódios de violência e atos de vandalismo de algumas pessoas. “Não podemos permitir que um ato de depredação seja usado para aniquilar o direito de manifestação”, alertou. “Assistimos, sim, a um tom de inflexão autoritária no Brasil. A finalidade da OAB é estar vigilante, cuidar para que a democracia conquistada com muito custo não esteja sob risco de ataque”, disse.
Praticar a democracia é dever de todos
Para o diretor tesoureiro do Conselho Federal, José Augusto Araújo de Noronha (gestão 2016-2018), é fundamental defender e praticar a democracia, mencionando que a bandeira tem pautado as ações da OAB. “No interior, 66% do comando é feito por advogadas. Temos presidentes em Londrina, Maringá Ponta Grossa, Laranjeiras do Sul e outras subseções, o que mostra a participação da mulher. Isso é praticar a democracia e os atos de inclusão que pregamos”, disse.
“A OAB sempre foi protagonista do direito à manifestação e sempre pregou o diálogo. Quando vemos qualquer ato e fato que possam prejudicar a liberdade, nos revoltamos. Jamais vamos permitir que haja qualquer cerceamento desses direitos. Nessa semana fui muito provocado sobre os limites do direito de manifestação. Tivemos a satisfação de comemorar os 40 anos da Conferência de 1978 na minha gestão. Fizemos um ato emblemático para dizer que aqueles fundamentos estavam vivos em nossa memória, e esses princípios serão defendidos sempre. A nossa entidade tem a obrigação de ser o que o vice-presidente do Conselho Federal, Luiz Vianna, sempre diz: porto e farol para apontar para um caminho, para a defesa da Constituição e das liberdades. Aquele que não sabe respeitar a opinião do outro não pode falar em democracia. O único radicalismo que devemos ter é em defesa da nossa Constituição”, disse.
Confira a íntegra do debate no canal da OAB-PR no Youtube: