A OAB Paraná promoveu na tarde desta quinta-feira (16/5) uma reunião aberta sobre a importância das universidades públicas no Brasil. Promovido pela Comissão de Educação Jurídica da seccional, o evento teve como expositores o reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ricardo Marcelo da Fonseca, o reitor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Luiz Alberto Pilatti, e a diretora da Faculdade de Direito da UFPR, Vera Karam de Chueiri.
Também compuseram a mesa o presidente da OAB Paraná, Cássio Telles; a vice-presidente Marilena Winter; o chefe do Departamento de Direito Público da UFPR, Rodrigo Kanayama; a presidente da comissão, Fernanda Schaefer; e o advogado André Peixoto de Souza, membro da comissão.
“Acompanhamos as manifestações de rua contra os cortes na educação. Esse contingenciamento afeta a autonomia administrativa consagrada no artigo 207 da Constituição Federal. Evidentemente, a retirada de recursos já previstos no orçamento afeta a gestão das instituições e sua produção científica”, destacou Cássio Telles.
Para o presidente, instituições federais de ensino superior – como a UFPR e a UTFPR no Paraná – são vitais não apenas para a capacitação profissional, mas para o desenvolvimento científico, com estimulo à inovação e à produção de patentes. “Os cortes, portanto, afetam nosso futuro e nossa possibilidade de avançar na oferta de bem-estar social para toda a sociedade. Um país que não investe no conhecimento, fica condenado ao atraso. O mundo muda muito rápido nesta era da inovação em que vivemos. Para inovar, dependemos do conhecimento que é produzido nas universidades”, ressaltou.
“Do ponto de vista da Constituição, a OAB tem uma posição e deixa isso muito claro: não toleraremos medidas que violem aquilo que prega a Constituição. Para isso, lançaremos mão de todas as ações necessárias para que se proteja e faça prevalecer aquilo que defende a Constituição”, garantiu Telles.
Reconhecimento
Num gesto de reconhecimento à excelência do ensino jurídico ministrado na UFPR, o presidente da OAB Paraná entregou o Selo OAB Recomenda ao reitor da instituição e à diretora da Faculdade de Direito. “O Conselho Federal da OAB faz uma avaliação constante das universidades de Direto em todo o país. Aquela que atinge o nível ideal de qualidade recebe este reconhecimento. Ele foi conferido no dia 30 de janeiro de 2019 à UFPR, reconhecendo a qualidade do ensino jurídico prestado pela instituição”, destacou. “É momento, mais do que nunca, de demonstrar orgulho em contar com uma universidade com qualidade da UFPR”, acrescentou Telles.
“Agradeço o reconhecimento que a OAB faz em relação à nossa Faculdade de Direito. Tenho na sala da direção os Selos OAB Recomenda não por acaso: esse reconhecimento faz a diferença. Quando uma instituição como a OAB outorga esse selo, significa que ela se alia a nossos esforços em direção à educação jurídica de qualidade no Brasil”, afirmou Vera Chueiri.
Egressa da UFPR, a vice-presidente da OAB Paraná, Marilena Winter, destacou tratar-se de um ato de apoio às universidades federais do país. Ela enalteceu o valor das instituições de ensino público, gratuito e de qualidade, lembrando que têm se firmado enquanto centros de excelência de ensino, extensão e, especialmente, de pesquisa, e adiantou que a OAB não irá se furtar a este debate. “A Ordem exerce um papel fundamental de fomentar discussões sobre temas de interesse da sociedade. Quando temos distorções sobre assuntos que acabam por interferir nos interesses mais fundamentais do cidadão, no desenvolvimento do nosso país, no futuro das gerações, provocadas por medidas não necessariamente bem pensadas e que podem terminar numa desconstrução do ensino público gratuito, é fundamental que tenhamos esse debate”, afirmou. “Que a nossa geração não passe para o futuro como aquela que não fez nada diante de uma medida que cerceia um direito de todos”, completou.
A presidente da Comissão de Educação Jurídica da seccional, Fernanda Schaefer, pontuou que o ensino, de um modo geral, passa por uma crise. “Esta é uma discussão importante, fomentada pela própria diretoria da OAB, que se preocupou e abriu as portas da entidade para debates e esclarecimentos. Vamos pensar de que forma a OAB vai apoiar esta causa”, afirmou.
Inconstitucionalidade
A diretora da Faculdade de Direito da UFPR, Vera Karam de Chueiri, explicou que embora o setor de Ciências Jurídicas seja um dos menores na faculdade, é responsável por um dos maiores impactos na comunidade nacional e internacional. Segundo a advogada, há mais de duas décadas os programas de pós-graduação alcançam nota máxima na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
“Isso representa o recebimento de recursos diretos do Ministério da Educação (MEC) via Proex, que este ano ainda não chegaram para a gestão da pós-graduação. Ou seja, os recursos combinados para o Setor de Ciências Jurídicas nos têm permitido uma gestão academicamente competente, destacada, administrativamente eficiente e os nossos resultados representam isso. Com pouco, fazemos muito. Arrisco dizer que não deixamos a desejar em relação a nenhuma faculdade de direito privado internacional”, disse.
Para ilustrar a produtividade do setor, Vera Karam citou algumas frentes de trabalho, destacando a iniciação científica, a monitoria, dissertações e teses com foco na prática do Direito e em questões urgentes e contemporâneas como mediação e arbitragem, proteção de dados, direitos das cidades, colegialidade nas cortes, processos estruturais, entre outros. Em matéria de extensão universitária, a advogada citou a arbitragem e o direito comercial, a clínica de criminologia, prática penal internacional, direito e biodiversidade, projetos com direito internacional dos refugiados, projetos de meio ambiente laboral, movimento de assessoria jurídica popular universitária, observatório jurisprudencial de direito de família, projeto em parlamento universitário, entre outros.
Com o corte de 30%, e considerando que o MEC não repassou até agora os recursos do Proex, a Faculdade de Direito terá até o final do ano o montante de R$ 25 mil, segundo Vera. “Despesas triviais com equipamentos, assinatura de base de dados de periódicos, passagens e diárias de professores convidados, por exemplo, são despesas que praticamente esgotam o nosso orçamento. Vejam, portanto, a irresponsabilidades de tal medida e os efeitos nefastos que ela vai gerar”, lamentou.
No entendimento da advogada, o bloqueio de 30% no orçamento destinado às universidades é inconstitucional na medida em que fere o princípio da separação dos poderes e o princípio da autonomia universitária em sua tríplice vertente. “Na esteira da manifestação do Ministério Público Federal, me alinho para dizer que este bloqueio recaiu sobre as ações orçamentárias de modo que contraria um dispositivo constitucional, ou seja, este bloqueio nos inviabiliza e inviabilizará as futuras gerações de profissionais do Direito. Além dos profissionais que colocamos no mercado, formamos os quadros das demais instituições de ensino do Paraná”, afirmou.
Jogo de cena
O reitor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Luiz Alberto Pilatti, iniciou a sua exposição pedindo o apoio da OAB para a universidade pública e apresentou dados de uma reunião que teve com parlamentares paranaenses sobre a situação financeira do país. Ele contou, com base nas informações apresentadas pelos parlamentares, que a dívida brasileira ultrapassa os R$ 6 trilhões. Só de juros, é R$ 1 bilhão por dia. O déficit primário passa dos R$ 500 bilhões, o que forma um cenário realmente dramático.
O corte que atingiu as universidades é de R$ 2,2 bilhões. Pilatti questionou qual seria o objetivo do governo realizar esse contingenciamento que representa muito pouco em termos de economia. “Para as universidades isso é muito, mas para o governo não é nada”, afirmou, sugerindo que a medida fez parte de um “jogo de cena”.
Ele lembra que contingenciamento não é coisa nova, aconteceu em exercícios anteriores, porém muitas vezes não se concretizou e as instituições encerraram o ano recebendo 100% da verba prevista. Para o reitor, o caso atual ganhou uma dimensão além do esperado, em grande parte por causa do tratamento dado pela imprensa.
Pilatti reconheceu, porém, que desta vez os efeitos do contingenciamento são mais graves, pois os cortes foram feitos de forma linear, em todas as rubricas, inviabilizando que se faça um remanejamento de verba entre uma e outra. Para ele, as universidades até podem sobreviver com os cortes em custeio, mas a tragédia maior é a redução dos investimentos em conhecimento.
“As universidades não são o problema. São a solução. Mais de 95% da pesquisa científica é produzida nas universidades públicas. Acabar com a universidade pública é acabar com o futuro do país”, declarou.
O reitor da UTPR destacou a importância da Ordem dos Advogados se engajar na defesa das universidades públicas. “A OAB, enquanto uma das instituições de maior credibilidade, precisa conhecer a real situação que estamos enfrentando. Nós, na condição de reitores, viemos aqui pedir esse apoio, em função das bandeiras que esta instituição sempre defendeu. E essa é uma bandeira do Estado brasileiro. Vamos levar essa demanda para outras entidades, tentando sensibilizar o poder público para rever uma situação que é absurda.”
Futuro ameaçado
“Esta não é uma demanda de professores, servidores e estudantes, apenas. É necessário perceber que, no Brasil, a ciência e a tecnologia sempre estiveram na mão das universidades públicas. Se isso for golpeado, teremos um gap geracional na produção científica do qual o Brasil não mais se recuperará. O futuro do país está ameaçado sem as instituições de ensino”. Com o alerta, o reitor da UFPR encerrou as reflexões.
Para Ricardo Marcelo da Fonseca, a causa das universidades públicas se encaixa muito bem na tradição histórica da OAB de defesa das liberdades, do estado democrático de direito e da sociedade. “Acho que o fato da seccional da OAB Paraná abraçar as instituições federais de ensino, a exemplo do que já fez o Conselho Federal da Ordem (BOX), é para nós, no plano simbólico e no plano real, algo de tremenda validade. Espero que o conjunto das instituições paranaenses siga o exemplo da OAB.”
O advogado esclareceu que a UFPR tem permissão para gerenciar 10,4% do valor previsto pela Lei Orçamentária da União (LOA), ou seja, R$161 milhões. Estes recursos sofreram o corte de 30%, o equivalente a R$48 milhões. Desse modo, restam R$112 milhões para despesas discricionárias até o final de 2019.
Apesar do crescimento da universidade nos últimos anos, Fonseca explicou que desde 2016 os recursos destinados para despesas discricionárias vêm sendo reduzidas. “Em 2016, a UFPR tinha R$184 milhões. Em 2019 deveria ser R$161 milhões. Falar em corte de 3,5% é má-fé. Todas as universidades passarão por isso. Em agosto não teremos mais recursos para pagar os fornecedores. As instituições não funcionarão. É esse o cenário real dos números que temos. O resto é mistificação”, disse.
Para ilustrar a importância da UFPR para o estado, o advogado e historiador enfatizou o papel simbólico da instituição, lembrando que é a única universidade que funciona ininterruptamente desde que iniciou suas atividades, em 1912. Ele recordou que o curso de Direito estava entre os cinco ofertados pela instituição na época e que nomes como o de João Pamphilo Velloso d’Assumpção fizeram parte do corpo docente. “A UFPR tem um destino que indubitavelmente cruza com a história do Paraná”, frisou.
Fonseca lamentou a disseminação de fake news, frisando que não têm outro intuito senão o de destruir a reputação da universidade. “De repente, o pilar da nossa sociedade vira o lugar do vício, da perversão, das drogas, do desperdício e da corrupção”, disse. “É triste acompanhar a intensificação da demonização das universidades públicas”, lamentou.
“Como seríamos tão ineficientes se carregamos nas costas a produção da ciência e tecnologia brasileira? Dizer que que somos ineficientes contradiz os dados oficias do MEC”, disse.
Conselho Federal
No Conselho Federal, a Comissão Especial de Defesa da Autonomia Universitária se reuniu para a instalação dos trabalhos, na quarta-feira (15/5), na sede da OAB Nacional, em Brasília, e sugeriu ao Conselho Federal da OAB o ajuizamento de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) contra os cortes nas universidades.
O colegiado reúne advogados, reitores de universidades federais e professores das instituições de ensino, com o objetivo de debater estratégias jurídicas para defender a autonomia universitária, preceito constitucional poste em xeque com o contingenciamento de recursos anunciado pelo Ministério da Educação (MEC). O objetivo do grupo da OAB é demostrar, juridicamente, que as ações adotadas, como o corte de verbas, acabam interferindo na autonomia das instituições de ensino superior.
“Nosso campo é o campo do direito e não o campo da política. Vamos discutir, portanto, como podemos contribuir juridicamente para a garantia da autonomia universitária”, afirmou o presidente em exercício da OAB Nacional, Luiz Viana, que também é o presidente da Comissão Especial de Defesa da Autonomia Universitária da OAB.
“As universidades poderão contar com a Ordem na defesa do estabelecido no artigo 207 da Constituição, que garante a autonomia universitária, e no combate a quaisquer tentativas de ações persecutórias às instituições”, afirmou Santa Cruz.
Com informações do CFOAB