Hoje é o dia da cerimônia de posse. Antes de tudo, considerei essencial que não fosse excessivamente cerimoniosa. E vejo que conseguimos: uma solenidade objetiva e célere. Fizemos assim para deixar claro que toda a gestão seguirá esse princípio: menos formalismos, mais eficiência. A advocacia e a OAB demandam agilidade, não rituais burocráticos.
O meu discurso de hoje tem um propósito claro: apresentar as diretrizes que devem orientar a gestão. E devem orientar essa gestão porque foram aprovadas em eleições diretas, democráticas. Passam a ser, portanto, as diretrizes de toda a advocacia paranaense. Como disse a Marilena ao assumir a presidência há três anos, “a cerimônia de posse de posse representa o início de uma nova jornada”. Um aparte: Marilena, obrigado por tudo, sempre. Minha gratidão eterna.
“A eleição acabou. A advocacia está unida.”
Essa nova jornada deve ter sempre como ponto de partida uma questão central: para que serve, afinal, a OAB? Essa reposta não é tão trivial como aparenta ser.
O Decreto que criou a OAB, em novembro de 1930, entregou à entidade a tarefa original de cuidar da disciplina e da seleção de novos advogados. Quase um século depois, a Ordem segue cuidando da disciplina e da seleção e foram acrescentadas outras tantas funções. Como explica Egon Bockmann, “a OAB é nossa entidade de autorregulação profissional”. Nasceu assim e é assim até hoje.
Reconhecendo esses objetivos originais, é fundamental que tenhamos muita eficiência nessas atividades típicas de nossa autorregulação. Devemos ter o cuidado permanente com a eficiência. E não é fácil. O monopólio e a anuidade obrigatória são ingredientes perigosos que apontam para a acomodação, a burocratização. E nós temos vários monopólios: da inscrição, da disciplina, das sociedades, da defesa das prerrogativas. Não concorremos; não disputamos no preço, pois contamos com a anuidade obrigatória. Temos que colocar a eficiência na prestação desses serviços monopolizados no centro da gestão, primando pela qualidade dos gastos. E já estamos fazendo avanços importantes. Nisso me inspira, anoto, o ex-presidente Manoel de Oliveira Franco.
À Ordem dos Advogados do Brasil impõem-se os mesmos rigores que exigimos externamente. Perdemos parcela relevante de nossa legitimidade para reclamar agilidade na prestação jurisdicional se, em nossa própria entidade, não conseguirmos entregar eficiência, por exemplo, em nosso Tribunal de Ética e Disciplina. Já avançamos muito. Obrigado, Adriana D´ávila. Agora vamos avançar com o objetivo de ter o melhor e o mais célere setor de Disciplina do Brasil. Vamos aderir ao pacto nacional pela linguagem simples e padronizar as ementas no modelo do CNJ. Em breve, teremos uso ético e responsável de inteligência artificial. Entregas eficientes e com baixo custo. Para isso serve Ordem.
A última gestão deu um salto na democratização das Comissões da OAB. Agora que a ideia é dar um salto qualitativo. São quinze mil advogados trabalhando voluntariamente para a advocacia e para a sociedade. Para citar um exemplo só, temos todos nós muito orgulho do trabalho incrível que a Comissão de Direitos Humanos da OAB fez no diagnóstico do sistema carcerário estadual. Por essa razão, apenas o Paraná foi chamado pelo CNJ para a audiência do importante projeto Pena Justa. Obrigado, Anderson Ferreira. Vamos multiplicar, com energia e orçamento, o trabalho das Comissões. E mostrar que é também para isso que serve a OAB, Emma.
A nossa Escola Superior de Advocacia já tem um alcance incrível, com 25 mil advogados paranaenses contemplados só na última gestão. Muito obrigado, Rogéria, Graciela, Adriana e Marília. É desse patamar que começamos a nova jornada da ESA, multiplicando a escola por quatro, em orçamento, em cursos, no maior programa de mentoria e incubadoras de escritórios do Brasil. E tudo isso com o valor da anuidade transformado em crédito. Foi a proposta mais bem recebida pela advocacia paranaense, apontam as pesquisas. Cumprir esse compromisso será um sinal muito importante para dizer que a Ordem serve – e serve muito – à advocacia. Vai ser lindo, Maíra.
Nós temos o maior sistema de advocacia dativa do Brasil, proporcionalmente. Permita-me, presidente Leonardo Sica. São Paulo tem números absolutos maiores, mas não proporcionalmente, como constatamos hoje. Recentemente tivemos o reajuste da tabela. Obrigado, Governador Darci Piana. Chegou a hora de dar um salto de qualidade, especialmente na formação continuada e na criação de espaços de atendimento de todos que demandam assistência judiciária gratuita. E não são poucos: quase dez por cento da população nos últimos dez anos. Para isso serve a OAB.
Nenhum advogado desrespeitado no Paraná. É um forte compromisso de campanha. Falo aqui de prerrogativas. Sobre o tema, temos que deixar claro que a OAB não vai aceitar a possibilidade do fim da sustentação oral dos advogados, sugerida pela infeliz Resolução nº 591 do CNJ. Em verdade, o CNJ quer exportar o modelo arbitrário de supressão da sustentação oral do Supremo. Gravei ontem um vídeo sobre o tema. A depender do caso concreto, o advogado fala em nome de milhares de pessoas, em nome de uma profissão inteira, de um estado, de uma raça. Quando o advogado sobe à tribuna, quem está lá é o drama do Seu José, da Dona Maria, de crianças, mulheres, idosos. É o STF decidindo não ouvir o cidadão. E ninguém pode aceitar isso; nós não vamos aceitar. Confio plenamente que o Tribunal de Justiça do Paraná não vai reproduzir aqui essa ofensa gravíssima à mais importante das prerrogativas dos advogados. A OAB serve para impedir retrocessos como esse.
A propósito, sinto-me muito honrado com a expressiva presença de juízes, de primeiro e segundo graus, aqui nessa cerimônia de posse. Aproveito para deixar claro, Presidente Keppen, futura presidente Lídia, que os advogados, como regra, aprovam o nível da prestação jurisdicional do Paraná. É o que revela o nosso 3º Diagnóstico do Poder Judiciário da OAB-PR. A advocacia reconhece o que há de bom, ao mesmo tempo em que vai cobrar as melhorais que são necessárias. Há gargalos críticos na primeira instância, na capital e no interior. Temos de melhorar o tema dos alvarás, dos precatórios. E especialmente: não podemos aceitar juízes que se negam a receber advogados, desrespeitando o nosso Estatuto, diretrizes do CNJ e do próprio TJ do Paraná. Também para isso vai servir a OAB.
“Não podemos aceitar juízes que se negam a receber advogados”
Essa diretoria não vai descansar em meio à tragédia do ensino jurídico brasileiro, com abertura desenfreada de cursos de péssima qualidade. Vamos usar a Resolução do Conselho Federal e pedir o fechamento dos cursos que não cumprem os requisitos mínimos. Vamos seguir a luta do ex-presidente Noronha.
“Essa gestão não vai se render à tragédia dos cursos jurídicos.”
Vamos cuidar da nossa OAB, mas não por isso vamos deixar de lado as nossas bandeiras históricas. E a principal, meu presidente Rafael Horn, é a mudança imediata do sistema eleitoral da OAB. Foi aqui em Curitiba, lembrou Juliano Breda no discurso de posse, que nasceu o movimento das Diretas Já, em apoio à Emenda Dante de Oliveira. Perdemos a disputa no Congresso Nacional, mas em seguida veio a Constituição de 1988 e redemocratizou o país. O Conselho pleno da OAB do Paraná, na reunião de hoje pela manhã, reafirmou a nossa posição. Lançamos hoje aqui na posse a “emenda Alberto de Paula Machado” – o paranaense que ousou disputar a única eleição nesse sistema viciado, mantido para não funcionar, e que é sim fonte de redução de legitimidade política. Marilena, Nelsinho, Cássio, Rodrigo, Silvana e Rogéria, nossos bravos conselheiros federais, têm essa missão.
E digo tudo isso sem “fulanizar o debate”, como recomendava Marco Maciel, nosso melhor teórico do presidencialismo. Teremos, estou certo, ótimas relações com os dirigentes do Conselho Federal. Nossa crítica é ao sistema; não às pessoas. À Ordem dos Advogados do Brasil impõem-se os mesmos rigores que exigimos externamente. A defesa da democracia, tarefa relevante da OAB para a sociedade, deve começar pela adoção de uma estrutura interna democrática. A palavra convence, mas o exemplo arrasta. Diretas Já no Conselho Federal – para isso serve a nossa OAB do Paraná.
O tema da campanha pelas Diretas Já, o histórico movimento de 1984, põe em cena outro papel da entidade, previsto como obrigação da OAB em nosso Estatuto: zelar pela democracia e defender a ordem jurídica. É o outro lado do papel dúplice da OAB, como explicava nosso ex-presidente Márcio Tomás Bastos. Necessário equilibrar bem esses diferentes propósitos. Há quase meio século, na famosa VII Conferência Nacional dos Advogados do Brasil, o nosso ex-presidente Eduardo Rocha Virmond lembrou que sempre foi a atuação da OAB nos momentos mais difíceis que fizeram a Entidade adquirir o respeito das consciências dos demais brasileiros. Nós temos esse respeito. A OAB serve para usar esse respeito na defesa dos direitos fundamentais e do Estado Democrático de Direito.
“A palavra convence, mas o exemplo arrasta. Diretas já para o Conselho Federal da OAB.”
Devemos reconhecer esse lado do papel híbrido da nossa Entidade. E exercê-los, com coragem de verdade, mas também com os cuidados que o momento exige. É tempo de radical e triste polarização política. A polarização retira o insumo da racionalidade do debate público. Não há ponderação; há lados opostos pré-definidos e desorientados pelas redes sociais e o consequente “casamento entre a cólera e o algoritmo”, para usar a conhecida expressão do Giuliano da Empoli.
Tenhamos cuidado com a polarização, mas sempre com coragem de verdade. Não podemos deixar de denunciar a grosseira violação do devido processo legal nos intermináveis inquéritos do Supremo. Isso não tem nada a ver com direita e esquerda. Tem a ver com a defesa da ordem jurídica e da própria democracia. A Ordem serve para insistir no fim imediato desses inquéritos.
Essa polarização insana tem outro efeito colateral. A luta pelo direito das minorias foi carimbada, rotulada. A ponto de alguns sugerirem que se trata de uma pauta a ser deixada de lado. Não contem comigo. É missão da OAB defender os valores de nosso atual patamar civilizatório, resistir aos retrocessos e defender avanços. “Nenhuma pessoa merece sofrer por ser diferente”, disse a Marilena em belíssimo discurso. Essa gestão dará total apoio às boas iniciativas das comissões da mulher, da igualdade racial, da violência de gênero, da diversidade sexual, da criança, do idoso, da pessoa com deficiência, da liberdade religiosa. Contem vocês todos e todas com a OAB.
Em tempos de polarização – perigoso ingrediente da convivência hostil –, aumenta o nosso compromisso pela união da advocacia, deixando de lado as diferenças, especialmente as ilusórias. Há muito mais a nos unir. E se estivermos unidos, teremos força para defender os advogados, a advocacia. Podem apostar. A OAB vai servir aos advogados; vai servir à sociedade.
Termino agradecendo essa Diretoria maravilhosa que conseguimos reunir, nosso Conselho, nossos Conselheiros, nossos presidentes, minha família. Day, Theo, minhas filhas que estão fora nesse momento e, por fim, meus pais. Em campanha, por onde andei sempre havia alguém a elogiar meu pai – que ocupou um espaço de gestão pública há três décadas. Se os meus filhos, pai, ouvirem de mim metade do que eu ouvi de você, tudo terá valido a pena.
Muito obrigado a todos