Confira a íntegra do discurso de posse da presidente Marilena Winter

Senhoras e senhores, boa noite!

 

Dirijo-me aos Excelentíssimos Senhores

José Aberto Simonetti, Presidente do Conselho Federal da OAB;

Carlos Massa Ratinho Jr, Governador do Paraná;

Ana Cláudia Pirajá Bandeira, Conselheira Federal da OAB pelo Paraná;

Fabiano Baracat, presidente da Caixa de Assistência dos Advogados do Paraná;

Maressa Pavlak, coordenadora do Colégio de Presidentes de Subseções;

Renato Fernandes, nosso decano do conselho;

José Augusto de Noronha, grande amigo e conselheiro federal;

e à Senhora Lecy Corrêa Winter, minha mãe, para, nas suas pessoas, cumprimentar todas as autoridades governamentais, os advogados e as advogadas e as autoridades do sistema OAB, conselheiros federais, membros das Caixas de Assistência dos Advogados, presidentes de seccionais, presidentes de subseções, conselheiros estaduais, familiares e amigos que nos prestigiam presencialmente e pelo Youtube.

A todas as pessoas já nominadas pelo nosso cerimonial, agradeço pela prestigiosa presença. Sabendo que vieram de vários estados do país, saúdo-os nas pessoas dos presidentes de Seccional Daniela Borges, da Bahia, Gisela Cardoso, do Mato Grosso, e Marcio Nogueira, de Rondônia. E assim, peço licença para saudá-los com genuíno contentamento porque estamos todos juntos neste momento tão significativo para todos nós que celebramos a nossa posse e o início da gestão.

Em respeito aos colegas advogados com deficiência visual que aqui se encontram presentes e aos que nos acompanham em vídeo, faço minha autodescrição. Sou uma mulher morena, estou de cabelos presos, uso uma roupa de cor clara, e estou em pé, à direita do palco. Ao meu lado, há uma mesa diretiva com toalha branca, flores coloridas com as autoridades já nominados pelo nosso cerimonial.

A cerimônia de posse representa o início de uma jornada. Na vida, somos todos caminhantes que, a cada percurso, ao mesmo tempo em que escrevemos nossa própria história, nos tornamos parte, também, da grande jornada que, aos poucos, vai desenhando o modo como a humanidade evolui. Sem nos darmos conta, nossas escolhas definem quem somos, mas também projetam o destino das futuras gerações; estamos em contínuo processo. E a nossa parte, meus caros companheiros e companheiras de gestão, simbolicamente está começando, desafiando-nos o futuro como oportunidade.

A advocacia paranaense demonstrou que acredita na permanência de valores, espera   coerência entre retórica e ações, e acredita na inovação de atitudes. Este percurso cujo início estamos celebrando hoje é a maior honra da minha vida: presidir a Seccional do Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil, sendo a primeira da história eleita para ocupar essa função. Esta não é a posse da Marilena, sua diretoria e seu conselho, mas a posse de todas as pessoas, especialmente das mulheres, que lutam todos os dias pelo reconhecimento da igualdade de direitos. Há algo de muito especial a ser celebrado, porque unidos, conseguimos romper uma barreira histórica. Unidos, conseguimos reescrever a história com a força de mulheres e homens advogados, demonstrando o quanto é justo e necessário defender todos os dias a dignidade da nossa profissão para podermos lutar pelos direitos das outras pessoas. Unidos, nós comprovamos que é possível corrigir o passado traçar uma nova trajetória rumo a um futuro mais igualitário, mais justo e mais solidário.

A alegria de ter por testemunha cada um dos senhores e das senhoras, pessoas notáveis, neste momento tão significativo está muito além da minha capacidade de expressar em palavras, por isso, digo apenas, humildemente, que neste momento entrego-me de corpo e alma a esta missão que me foi dada pela advocacia paranaense, à qual sou imensamente grata. Hei de me empenhar para que os acertos suplantem toda e qualquer eventual falha, e isso só será possível se essa missão for cumprida com entrega; meu pronunciamento daqui, dessa tribuna, é também em nome de uma diretoria extraordinária, em cuja companhia eu venho caminhando desde o primeiro minuto e tudo só acontece porque somos uma só força, e é nela que me abasteço de energia e encontro o equilíbrio para que nossas decisões estejam sempre na direção correta, ainda que algumas vezes não agradem a todos. Fernando Deneka, o vice-presidente da OAB Paraná; Henrique Gaede, o secretário-geral da OAB Paraná; Roberta Santiago Sarmento, a secretária-adjunta da OAB Paraná; Luís Fernando Casagrande Pereira, o tesoureiro da OAB Paraná; Marion Bach, a diretora de prerrogativas da OAB Paraná; Fernanda Valério, a diretora da jovem advocacia da OAB Paraná. Ninguém poderia desejar uma diretoria melhor do que a união dos seus talentos e suas brilhantes personalidades. Cada um vigilante no cumprimento rigoroso das nossas promessas, empenhados na propositura de soluções e ávidos por realizar um trabalho que honre cada voto recebido, e também honre os 90 anos de história desta seccional que tanto representa para a democracia brasileira.

Presidente Beto Simonetti, a OAB Paraná tem orgulho dessa história, por ter se mantido ao lado da democracia e das liberdades em momentos decisivos, e ter erguido sua voz em circunstâncias nas quais não se pode vacilar sobre qual o lado certo da luta.  Fundada pelo honorável João Pamphilo D´Assumpção, nosso primeiro presidente foi um homem culto, visionário, notável. Nos anos 30, um homem negro que também transpôs muitas barreiras com a coragem de quem olha o futuro como oportunidade. Foi ele também o fundador da Faculdade de Direito da Universidade Federal e do Instituto dos Advogados do Paraná, que nos deu origem, no qual temos nossa origem e hoje é brilhantemente presidido pelo advogado Tarcísio Kroetz.

Esta seccional esteve entre os protagonistas da trajetória da redemocratização do país. Desde a Declaração de Curitiba, em 1976, a OAB Paraná manifestou-se sobre a necessidade de restabelecimento do Habeas Corpus e das garantias da magistratura. Sediou a célebre conferência da redemocratização, em maio 1978, quando se abriu o caminho para a restauração do Habeas Corpus e para o movimento pela Anistia. Então sob a presidência estadual de Eduardo Rocha Virmond — a quem rendo todas as homenagens — e nacional de Raymundo Faoro. São feitos notáveis que evidenciam o quanto a advocacia paranaense tem contribuído para os destinos do país. Também em sua atuação no Conselho Federal, menciono com respeito o advogado Roberto Antonio Busato, único paranaense a presidir o Conselho Federal, e mais recentemente, José Augusto Araújo de Noronha, liderança nacional, ex-tesoureiro e atual Ouvidor-Geral da advocacia brasileira, desejando-lhe um ótimo trabalho, tenho certeza, terá atuação brilhante, como em tudo o que já fez pela advocacia até os dias de hoje.

Nos anos 80 a OAB Paraná liderou a campanha pelas Diretas em nosso estado e participado ativamente do histórico comício de Curitiba, desencadeando o movimento que contagiou todo o país. Décadas mais tarde, outro marco da cidadania no Paraná: o movimento “O Paraná Que Queremos”, deflagrado pela seccional, tendo à frente o sempre presidente José Lucio Glomb, engajou-se no combate à corrupção. Uma resposta substantiva, que incluiu também a formulação, naquele tempo, ao lado da Associação Paranaense de Juízes Federais, da Lei da Transparência. São grandes as contribuições da OAB Paraná para os avanços da sociedade.

E por carregar o peso de uma instituição  marcada por tanta bravura, prometo permanecer firme na condução da seccional, honrando sua tradição democrática e seu papel fundamental de esteio e proteção do Estado de Direito, das garantias fundamentais, de porta-voz da cidadania, de defensora da democracia e da legalidade, de trincheira contra a arbitrariedade, a desigualdade e a injustiça social. Prometo  percorrer essa jornada com independência e apartidarismo nas lutas pela concretização das garantias fundamentais e na preservação da democracia. Buscarei recorrer às marcas deixadas na trilha pelos que me antecederam, assim como os caminhos bem traçados por homens como Cássio Telles, que deixa a diretoria depois de ter atravessado com coragem, determinação e humildade a tormenta, através da crise da pandemia, conduziu a nossa OAB rumo a um ponto seguro, com estabilidade e conforto, preparada para o reinício, juntamente com os diretores Rodrigo Rios, Christyanne Bortolotto, Henrique Gaede e Alexandre Salomão. A todos, meu reconhecimento. Foi uma honra trabalhar ao lado de vocês.

Nesses dois meses e meio desde que iniciamos essa nova jornada, já avançamos em diversas propostas. Democratizamos a formação das comissões, com a abertura completa das inscrições por meio de um sistema totalmente novo, desenvolvido pela seccional para essa finalidade. Pela primeira vez na história da OAB Paraná a diretoria toma posse com todas as comissões nomeadas, num total de mais de 7 mil participações, buscando uma proporcionalidade justa entre homens e mulheres, maior representatividade da advocacia negra, de pessoas com deficiência, a primeira mulher trans a presidir uma comissão, apenas para mencionar alguns aspectos. Todas as comissões e cada integrante constituem uma parte fundamental do nosso trabalho.  Implementamos a votação eletrônica nas sessões do Conselho e das Câmaras, criamos a primeira ouvidoria da mulher em nossa seccional — uma das primeiras do país. Inovamos com a criação da diretoria da jovem advocacia, que hoje representa mais de 40% dos profissionais do Paraná. Muito em breve entregaremos um pacote de benefícios aos advogados ingressantes no sistema, o denominado pacote do 6º ano, assim carinhosamente batizado numa referência ao primeiro ano após a conclusão do curso de Direito, tão desafiador, tão caro à minha trajetória como professora de Direito e integrante da Comissão do Estágio e Exame de Ordem.

Queremos acolher com grande empatia os nossos jovens. Sabemos das grandes dificuldades deste início, no atual contexto. Mas não retrocederemos no combate à precarização do ensino jurídico. Essa não é apenas uma questão voltada à dificuldade de aprovação no Exame de Ordem. Ensino jurídico precário hoje significa um futuro sistema de justiça precário e precariedade no sistema de justiça é uma ameaça real à democracia. A profusão desenfreada de cursos de direito sem a correspondente fiscalização da qualidade ameaça a sociedade do futuro.  Está aí o baixíssimo índice de aprovação no Exame de Ordem para comprovar. Esta precisa ser uma luta de todos nós. Dois mil cursos de direito – e aumentando – é o tipo do legado pelo qual as gerações futuras vão nos indagar. Para quê? Por que ninguém percebeu a ameaça?

Nosso trabalho vem se voltando também, em caráter prioritário, à melhora da prestação jurisdicional. Fizemos, em tempo recorde, já nesse primeiro trimestre de gestão, o levantamento completo e sistematizamos as demandas da advocacia acerca dos investimentos necessários à atenção, pelo Poder Judiciário, no primeiro grau, e exatamente no dia de hoje pudemos entregar, em mãos, ao Sr. Presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, Desembargador José Laurindo de Souza Netto, um compilado das situações mais sensíveis para a advocacia e para a população. Isso foi realizado com a ajuda incondicional de cada um dos 49 presidentes de subseções, porque nossos presidentes são homens e mulheres da trincheira da advocacia, que conhecem profundamente o seu trabalho. Agora, caro Desembargador Panza, que aqui muito nos honra com sua presença, estamos confiantes que essas ações principiem pela nomeação imediata dos 342 cargos de técnicos judiciários para que o salto qualitativo da entrega dos serviços em primeiro grau aconteça, conforme o Presidente Desembargador José Laurindo já declarou em seu voto tornado público em recente sessão do órgão especial, respondendo assim a uma antiga reivindicação da advocacia e da OAB. Confiamos na notícia de investimentos na ordem de 38 milhões de reais. Também lutamos pela retomada das atividades presenciais seja resposta ao clamor da advocacia e fomos atendidos no âmbito da Justiça Estadual, mas ainda aguardamos a Justiça do Trabalho e a Justiça Federal.

Destaco a importância dessa característica de gestão compartilhada que já estamos desenhando, enaltecendo dois aspectos. O primeiro: o papel imprescindível da interiorização da gestão, dos presidentes de subseção e dos conselheiros tanto no interior como na capital, no andamento de uma boa gestão da seccional, aqueles que fazem o melhor trabalho, com atendimentos a advogados, eventos e propostas de inovações de gestão.  O segundo aspecto é o do diálogo como caminho, da cooperação intra e interinstitucional. Acreditamos na mediação, em tempos de guerra, ser uma grande lição para evitar a via longa e demorada do conflito, e a obtenção mais rápida de resultados efetivos. Contudo, sem jamais declinar, ou retroceder da nossa independência, alma da nossa profissão. De fato, compreender o sentido, as possibilidades e o alcance do art. 133 da Constituição Federal, segundo o qual a advocacia é essencial à administração da Justiça, significa que há um dever de escuta, pelos demais componentes do sistema de justiça, dos problemas afetos à advocacia; um dever de respeito à dignidade da profissão; e um dever de diálogo acerca da efetividade da prestação jurisdicional.

E há, também, queridos advogados e advogadas, as responsabilidades da advocacia, pois ser essencial à administração da justiça significa que a gestão da Justiça requer, sim, que as nossas prerrogativas sejam respeitadas e conhecidas de todos, assegura o direito a honorários dignos – parabéns, presidente Beto Simonetti, pela grande vitória contra o aviltamento dos honorários no STJ. Mas a essencialidade administração da justiça exige também que os deveres éticos sejam observados e fiscalizados e esta seccional vem sendo exemplar na fiscalização do exercício profissional; no combate ao exercício ilegal da profissão por quem não é habilitado e por quem transforma nossa profissão num comércio. Isso também nos legitima ainda mais nas demandas por melhores serviços provenientes do sistema.

Que também a cooperação e a reciprocidade estejam presentes  quando se tratar da administração da Justiça e para isso, criamos o Observatório da Justiça para podermos identificar e mapear situações concretas e reais e buscar soluções, contribuindo para a melhoria do sistema no que for possível.

A força da advocacia não provém de poder estatal, do oficialismo do Estado, ou do poder político, mas emana de uma fonte de igual legitimidade, que é o poder essencial de representação da sociedade para a efetividade da Justiça. É por ela que advocacia luta e trabalha cotidianamente. É em nome dela que a advocacia fala. A voz do advogado é a voz do cidadão e da coletividade. É por isso que não pode existir hierarquia entre a advocacia e os demais integrantes do sistema de justiça ou de Poder.

E quando falamos em defesa das prerrogativas defendemos os direitos de todos os profissionais, em suas mais distintas realidades e áreas de atuação, inclusive a Advocacia Pública. Os advogados e advogadas públicas são essenciais para a concretização dos direitos fundamentais, na medida em que atuam para a efetivação das políticas públicas por meio do controle de legalidade dos atos administrativos e na defesa do patrimônio público.

Portanto, o respeito pelas prerrogativas da nossa profissão, em primeira e última instância, é pura expressão da garantia de direitos, premissa fundante, essência do Estado Democrático e dos princípios republicanos.

 

À nossa geração coube a complexa tarefa da superação da igualdade formal e da busca pela construção desse novo sentido da igualdade. A igualdade pela qual nós nos tornamos responsáveis no ciclo evolutivo da humanidade, é uma “igualdade diferente”. Diferente da igualdade dos velhos códigos, forjada entre sujeitos neutros, sem história, sem sexo, sem raça, e, ao final, sem nenhuma chance de corresponder à realidade da vida.  Um modelo standartizado na figura do “bonus pater familiae”.  Tal como um sapato tamanho único – modelo masculino, claro – a ser calçado por todos os viventes para suportar suas próprias jornadas. Sabemos hoje que essa é uma velha ideia.  Ficou para trás porque se mostrou imprópria ou inútil. Pessoas são diferentes. Isso é um FATO. A igualdade é uma construção racional e precisa tratar todos os diferentes de modo a proporcionar iguais oportunidades, iguais direitos, iguais garantias. A todas as pessoas. Ainda não encontramos o ponto exato dessa “igualdade contemporânea”. Seguimos caminhando, mas é preciso descalçar os sapatos que gastos, os que não servem mais. É preciso prosseguir a caminhada rumo à evolução.

E não há evolução enquanto a igualdade for apenas uma abstração formal. A OAB avançou e corrigiu os rumos de sua própria história com a aprovação da paridade de gênero e das cotas raciais, servindo de modelo para a sociedade. É um sistema perfeito? Provavelmente não. Mas é com certeza mais humano, mais evoluído e mais condizente com os princípios éticos da nossa profissão. Igualdade de gênero e inclusão de minorias – de todas as minorias – são dimensões do princípio da dignidade humana. Para a advocacia e para a OAB, são também dimensões éticas do próprio exercício profissional, porque nosso primeiro juramento é o de defender a constituição. Como dirigentes de ordem juramos defender a justiça social e os direitos humanos.

 

Meu desejo a todos os empossados hoje — diretores, conselheiros, dirigentes da Caixa de Assistência dos Advogados — é que nessa próxima etapa ajudemos a edificar também uma advocacia com perspectiva de gênero, pois de nada adianta assegurar lugares à mesa se não praticarmos, como advogados e advogadas, no nosso dia a dia, os valores que tanto perseguimos. Advogar com perspectiva de gênero é essencial à administração de uma justiça com perspectiva de gênero. Muitas formas de violência, por exemplo, são sequer identificadas, tratadas como assunto geral do direito civil, de família, como a violência patrimonial e a violência psicológica. Merece elogio o judiciário brasileiro através do Protocolo do CNJ para julgar com perspectiva de gênero, que busca promover uma visão com mais empatia, repelindo avaliações baseadas em estereótipos e preconceitos. A indiferença acerca das circunstâncias específicas da realidade feminina só fez naturalizar os obstáculos enfrentados pelas mulheres ao longo da história.  A perspectiva de gênero na aplicação do Direito, em todas as esferas, é uma demanda urgente do nosso tempo e sobre a qual todos nós aqui integrantes do sistema de justiça temos poder de mudar e vou além, afirmando que nós temos o dever de mudar. Todos nós aqui, independentemente de gênero, temos compromisso com a JUSTIÇA. E eu não conheço nenhuma pessoa que não tenha o desejo de ser tratada com Justiça. E a desigualdade de gênero é uma grande injustiça com as mulheres. Então quebremos o paradigma do desconhecimento sobre esse assunto, porque nós estamos a falar dele abertamente.

Evoluir é também nos sintonizarmos no desejo de plena representatividade. Nesse campo, temos avanços a serem celebrados, pois nesta gestão o Paraná é representado no Conselho Federal, pela primeira vez, por uma pessoa negra – a caríssima Silvana Niemczewski – e, também ineditamente, por uma mulher como titular – a prezada Ana Cláudia Pirajá Bandeira. Pela primeira vez temos 3 conselheiras na bancada do Conselho Federal, pois que às colegas já citadas se une também a genial Graciela Marins, ao lado dos laboriosos José Augusto de Araújo Noronha, Rodrigo Rios e Artur Piancastelli. Os avanços em prol da igualdade racial e de gênero e da abertura de espaços para a jovem advocacia também estão presentes na diretoria da seccional. Temos, nessa esfera, muita estrada a percorrer, mas a direção está posta.

Este é um ano bastante simbólico, e apenas para fazer um registro, celebramos os 200 anos da Independência do Brasil, 90 anos do voto feminino, os 90 anos da Justiça Eleitoral brasileira. E por falar em Justiça Eleitoral, teremos eleições majoritárias para presidente, governador e senador este ano, assim como eleições proporcionais para deputados estaduais e federais. Cumpre à OAB lançar e apoiar iniciativas que garantam a higidez de todo o processo, como temos feito historicamente com o aplicativo Voto Legal, com os comitês que recebem denúncias de fraude, com as iniciativas de combate às fake news. Elas, as notícias falsas, são o ônus do mundo hiperconectado em que vivemos. Temos o compromisso de usar a conexão digital, as redes sociais e a velocidade das comunicações para alertar os cidadãos sobre os estragos que falsas informações podem trazer à tomada de decisões, em todos os campos, inclusive o eleitoral.

Voltamos às datas marcantes de 2002: há 80 anos o Brasil declarou guerra à Alemanha Nazista e à Itália Facista. O ano de 2022 marca também os 50 anos da Conferência de Estocolmo, quando foi instituído o dia do meio ambiente. Portanto, quando colocamos em perspectiva o quanto a humanidade demora para encontrar saída para os problemas, nesta infeliz coincidência de estarmos vivendo uma guerra na Europa neste ano, eu quero render homenagem a uma mulher paranaense ainda pouco conhecida pelos seus feitos, embora ela tenha sido imortalizada numa das maiores obras da literatura brasileira. Uma mulher nascida na cidade paranaense de Rio Negro, em 1908: Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa. Foi esposa de Guimaraes Rosa e a quem ele dedicou a obra “Grande Sertões, Veredas”. Essa mulher magnânima, culta, poliglota, saiu do Brasil fugindo do preconceito, porque havia se desquitado e foi viver na Alemanha, onde passou a trabalhar na emissão de passaportes. Ali conheceu Guimaraes Rosa, e silenciosamente, ajudou na fuga de muitos judeus na Segunda Guerra, fazendo sua própria “lista” com uma medida simples de suprimir dos passaportes a letra “J” que identificava os judeus. Foi denominada “O Anjo de Hamburgo”, e agraciada com o título de “Justa entre as Nações”, homenagem a não judeus que arriscaram a vida para salvar as vítimas do Holocausto. Apenas dois brasileiros receberam essa honraria. Perguntaram-lhe um dia por quê ela agiu dessa forma, ajudando ilegalmente e se colocando em risco para salvar pessoas que não conhecia, ela simplesmente respondeu: “Porque era justo. Sua história somente foi revelada na década de 80, descoberta por acaso, pois ela jamais se vangloriou de seus feitos. A OAB Paraná lhe rendeu uma justa homenagem em 2008, quando ela tinha 100 anos de idade. Aracy veio a falecer em 2011, aos 102 anos.

Nos assombra que em pleno século XXI, problemas de geopolítica, de disputas econômicas e materiais ainda sejam resolvidos ao custo deplorável de destruir vidas humanas, exatamente como fizeram nossos antepassados em tempos que hoje chamamos de barbárie. A barbárie que levou a brava paranaense a se arriscar há quase um século ainda está entre nós. Ouvi muitas explicações sobre os motivos desta guerra. E, pasmem, ouvi dizer que há um motivo. Senhores, como é possível encontrar um nexo entre causa e consequência quando o resultado é MATAR PESSOAS? Como nós, advogados, que lutamos pela vida defendendo causas envolvendo uma solução médica até o último recurso para que um único doente seja atendido, podemos aceitar que a soberba do nosso tempo chame de barbárie o que se repente em nossos dias? Não, nós não podemos ficar indiferentes, porque ecoam em nossos ouvidos as palavras de Aracy. NÃO É JUSTO. Há poucos dias nós da OAB Paraná caminhamos pela Paz na Rua das Flores em Curitiba, contra essa guerra do presente, mas nós também caminhamos e continuaremos caminhando, erguendo a voz, agindo e conclamando as pessoas para os combates que precisam ser travados, contra toda e qualquer indignidade: da discriminação, da violência e da miséria. A insanidade desta guerra do presente junta-se a tantas outras desumanidades.  As nossas lutas não se travam com armas. Encontro sentido nas palavras de Madre Teresa, uma das grandes mulheres da história na luta pela paz: “Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota.” Parafraseando o secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, destaco: todos nós precisamos desesperadamente de paz.

Dirijo-me agora aos meus colegas recém-empossados, diretoria, conselho e presidentes. Nós inauguramos este percurso da história da nossa OAB, da advocacia liderada por uma mulher, da pós-pandemia, da tecnologia, da substituição de prédios inertes por mais serviços, da inteligência artificial, do crédito de carbono, do metaverso, da plausibilidade iminente de investimentos no primeiro grau da nossa Justiça. E nos deparamos com o mundo ainda repleto de desigualdade, de pobreza, de desumanidade, de exclusão, de obstáculos ao progresso humano, de ameaças de retrocesso democrático. Vislumbramos diante de nós a oportunidade de fazer o que tiver que ser feito — bem feito. Carregamos na nossa bagagem um legado impecável de quem nos antecedeu e a força do nosso próprio trabalho, tudo embalado no sentimento que, de fato, move o mundo em direção à evolução: a esperança.

Encerro com o poema da poeta paranaense e curitibana Alice Ruiz,

Tem os que passam

e tudo se passa

com passos já passados

tem os que partem

da pedra ao vidro

deixam tudo partido

e tem, ainda bem,

os que deixam

a vaga impressão

de ter ficado

 

Este é um grande momento da minha vida, e hei de lembrar desta noite por todos os dias enquanto eu viver.

Muito obrigada!