A midiatização da justiça e a decisão do STF permitindo que a pena possa ser cumprida após a condenação em segunda instância estiveram no centro do debate na manhã desta quarta-feira (15/6) na OAB Paraná, durante palestras que integram a homenagem ao advogado e professor René Ariel Dotti. Os temas foram apresentados pelos juristas Técio Lins e Silva, Juliano Breda e Flávio Cruz. O evento, aberto na noite de terça-feira com a conferência do professor Miguel Reale Júnior, foi idealizado pelo grupo Modernas Tendências do Sistema Criminal e tem a coordenação de Alexey Choi Carunho, Gustavo Scandelari, Paulo César Busato e Priscilla Placha Sá.
Primeiro a falar, o professor Flávio Cruz destacou a figura de René Dotti como símbolo de liberdade, tolerância, democracia e respeito. “O que seria da democracia e do nosso tempo se não fosse a coragem de pessoas como o professor René? Defender a democracia em tempos democráticos já é difícil, imaginem sob a ditadura”, cogitou.
Cruz também falou sobre a utopia de justificação que explica a violência da prisão pelo benefício, posterior, da paz social. E ponderou que a sociedade tem de ficar atenta às situações em que o Direito Penal produz males que acabam por superar seu benefício, como um remédio usado em dose exagerada.
Ao lembrar que a sociedade brasileira adora autoridade e, não raro, confunde justiça com justiçamento, alertou para o risco de que esse espírito contamine o universo jurídico. “Não é salutar que esse senso comum tenha invadido os tribunais e as academias. Isso coloca em xeque garantias fundamentais que são fruto de muita luta”, afirmou. “Vivemos tempos de um debate jurídico fundado em teses, antíteses e sínteses. Muitas vezes quem entra numa cruzada moral já tomou posição e não admite outro argumento. A primeira vítima disso é a verdade”, sustentou.
Ao mestre, com carinho
Antes de falar sobre a decisão do STF que mudou, em fevereiro, a jurisprudência sobre a execução provisória da pena, Juliano Breda lembrou que René Dotti foi professor de seu pai, o criminalista Antônio Acir Breda, e seu também. “Certamente dará aula também para o meu filho, que haverá de ouvi-lo dizer que a primeira paixão do estudante é o Direito Penal”, disse, destacando sua satisfação por tomar parte da homenagem.
Quanto à execução da pena a partir da decisão de segundo grau, Breda tratou de desfazer a crença usual de que ninguém vai preso no Brasil ou que, se vai, é só depois de muito tempo. “Temos uma dá-se maiores populações carcerárias do mundo. São mais de 615 mil presos, com um déficit de 280 mil vagas. Somos um dos países que mais prendem e que mantém cárceres em condições indignas. É importante dizer que hoje temos no país 40% da população carcerária em regime cautelar. Então há 250 mil pessoas presas que, tecnicamente, segundo a Constituição Federal, são inocentes. Em alguns casos, como no Piauí, o total de presos provisórios chega a dois terços do sistema carcerário”, relatou.
Para Breda, é sabido que prender antes ou depois do trânsito em julgado não contribui para a segurança e para a efetividade do Direito Penal. “Ainda que fizesse diferença, é absolutamente inaceitável a contraposição entre efetividade no combate ao crime e as garantias de direitos fundamentais. Só podemos cogitar a reação ao crime e a conformação do Direito Penal se respeitarmos os direitos humanos”, defendeu.
O advogado, que é conselheiro federal da OAB, disse não compreender como o STF tomou uma decisão de tamanha fragilidade teórica e de deficiência intelectual evidente. “Por isso o Conselho Federal da Ordem aprovou, cumprindo seu papel de preservar o ordenamento jurídico, o ajuizamento da ação que declara a inconstitucionalidade dessa decisão do Supremo. Isso, infelizmente, vem sendo confundido com uma tentativa de obstruir a Lava Jato, o que é abominável. Na Ordem dos Advogados o medo é ilegal”, afirmou. Breda encerrou sua fala dizendo que é preciso seguir no combate aos abusos que ferem o ordenamento jurídico.
Técio Lins e Silva também repudiou a decisão tomada pelo STF em fevereiro. Ele citou o medo que reinava por toda a sociedade nos anos de chumbo para destacar o valor da coragem. “A maior das liberdades é a liberdade de não ter medo. Com medo não se pode exercer com plenitude outro tipo de liberdade. Com a Constituição de 1988 nos libertamos do medo e não podemos correr o risco de um retrocesso. Os fundamentalismos nos rondam, mas tenho fé e esperança de que o Supremo vai voltar atrás para assegurar o Estado Democrático de Direito cujo estabelecimento nos custou tantos anos de esforço”, resumiu.
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