Comissão de Arbitragem emite nota técnica sobre o Projeto de Lei 3.293/2021

A Comissão de Arbitragem da OAB Paraná emitiu Nota Técnica sobre o Projeto de Lei nº 3.293/2021. Em tramitação na Câmara dos Deputados, o PL altera a Lei nº 9.307/1996, que disciplina o instituto da arbitragem no Brasil. Para os integrantes da comissão, “o projeto propõe mudanças contraditórias que podem até mesmo macular algumas das mais atrativas características à arbitragem, como a confidencialidade e a liberdade das partes”.

Segundo a Comissão de Arbitragem, as propostas que causaram maior consternação se referem aos acréscimos aos arts. 13 e 14 da Lei de Arbitragem, que tratam sobre as atribuições do exercício da função de árbitro.  Confira a íntegra da nota técnica:

Nota técnica sobre o Projeto de Lei 3.293/2021, que pretende alterar a Lei nº 9.307/96

 Curitiba, 09 de julho de 2022. 

  1. Os Advogados integrantes da Comissão de Arbitragem da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Paraná, exercendo seu direito constitucional à participação popular no processo legislativo emitem a presente NOTA TÉCNICA, provendo seu entendimento conjunto sobre o Projeto de Lei nº 3.293/2021, em tramitação na Câmara dos Deputados.
  2. Primeiramente, vale ressaltar que a elaboração e atualização das leis é fundamental para o bom andamento da sociedade. A necessidade de aprimoramento de sistemas legais é incontestável e muito bem-vinda, quando feita de forma organizada e democrática.
  3. Um exemplo de trabalho bem-feito é a própria Lei nº 9.307, de 1996, que disciplina o instituto da arbitragem no Brasil. Depois de quase vinte anos de vigência da lei, uma comissão de juristas liderada pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luís Felipe Salomão verificou a necessidade de revisão do texto. Assim, após uma ampla discussão entre juristas da área e entidades especializadas, o texto normativo foi aperfeiçoado pela Lei nº 13.129, de 2015.
  4. O mesmo não pode ser dito do PL nº 3.293/2021[1]. O Projeto apresentado em 23 de setembro de 2021, foi recebido com espanto e perplexidade pela comunidade arbitral.
  5. Com a finalidade de “disciplinar a atuação do árbitro, aprimorar o dever de revelação, estabelecer a divulgação das informações após o encerramento do procedimento arbitral e a publicidade das ações anulatórias, além de dar outras providências“, o projeto propõe mudanças contraditórias que podem até mesmo macular algumas das mais atrativas características à arbitragem, como a confidencialidade e a liberdade das partes.
  6. Dentre as propostas, as que causaram maior consternação se referem aos acréscimos aos arts. 13 e 14 da Lei de Arbitragem, que tratam sobre as atribuições do exercício da função de árbitro.
  7. Em relação a esse ponto, o PL propõe o seguinte:

“Art. 13. Poderá ser árbitro qualquer pessoa capaz que tenha disponibilidade e a confiança das partes

  • 8º O árbitro não poderá atuar, concomitantemente, em mais de dez arbitragens, seja como árbitro único, co-árbitro ou como presidente do tribunal arbitral
  • 9º Não poderá haver identidade absoluta ou parcial dos membros de dois tribunais arbitrais em funcionamento, independentemente da função por eles desempenhada.”
  1. Tal sugestão não pode prosperar, pois fere gravemente o maior pilar da arbitragem: a autonomia da vontade. O próprio art. 13, caput, da Lei de Arbitragem, determina que “Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes”. A confiança é subjetiva às partes, portanto, cabe a elas constituir os profissionais que entenderem ser mais aptos a decidirem sua causa.
  2. A atuação de árbitros em diversos casos simultâneos em nada compromete a sua confiabilidade, pelo contrário, demonstra o seu prestígio e profissionalismo diante da resolução de disputas. Não obstante, esta prática não aumenta o tempo de tramitação das arbitragens ou o ingresso de ações anulatórias, como justificou o PL. Dessa forma, a limitação do número de arbitragens por árbitro, é injustificada, e não resulta em vantagem alguma às partes.
  3. Além disso, a independência e imparcialidade do árbitro são requisitos já previstos no parágrafo 6º do artigo 13 da Lei nº 9.307/96[2] e independem de quem constitua o Tribunal Arbitral. Logo, no que concerne à identidade “absoluta ou parcial”na composição de tribunais arbitrais simultâneos, este tampouco pode ser obstado.
  4. As sugestões propostas vão à contramão da prática internacional que dispõe de diretrizes sobre Conflito de Interesses na Arbitragem Internacional, por meio das Regras da IBA[3]. Mesmo que as partes prefiram não se valer das diretrizes, elas possuem a liberdade de fazer os questionamentos que entendam necessários. Dessa forma a transparência da arbitragem já é preservada pela atual legislação.
  5. Ainda sobre a imparcialidade e independência do árbitro, o Projeto de Lei exige que o árbitro revele qualquer fato que denote “dúvida mínima quanto à sua imparcialidade e independência”[4]. A lei atual aplica o critério da “dúvida justificada”, um conceito objetivo, que contribui para segurança jurídica da arbitragem no Brasil. Por outro lado, a subjetividade do critério proposto, “dúvida mínima”, pode ser muito prejudicial para o instituto da arbitragem podendo ser utilizado, como “trunfo” para anular procedimentos arbitrais, com o pretexto de violação a deveres de revelação.
  6. Dentre estes exemplos existem outros tópicos que devem ser considerados descabidos e impertinentes para o bom funcionamento da arbitragem. Contudo, um ponto que gera grande preocupação é a forma prematura que o assunto está sendo tratado!
  7. Em 06 de julho de 2022, foi apresentado um requerimento de urgência para apreciação imediata do Projeto de Lei nº 3293, de 2021. Suposta urgência não condiz com a realidade, já que não existe pressa para se discutir tais questões, que merecem o devido amadurecimento por parte do parlamento.
  8. A inquietude da comunidade arbitral e as diversas contradições sugeridas demonstram a grande necessidade de aprofundamento do debate. Tal discussão não pode ser tratada com afobação e afã, pois uma aprovação prematura e mal pensada pode causar sérios problemas.
  9. Como já esclarecido, mudanças são bem-vindas, desde que sejam discutidas e argumentadas. Dessa forma, para que o Brasil permaneça sendo considerado uma referência da arbitragem no mundo é preciso de estabilidade legislativa.
  10. Por fim, evidencia-se a inexistência de urgência para apreciação imediata, nos termos do art. 155 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, sendo a ausência de abertura ao debate extremamente danosa para todo o instituto e contra o interesse nacional, uma vez que o Brasil figura, em âmbito internacional, como um dos grandes praticantes e uma praça de referência na prática arbitral.

Diante do exposto, com intuito de preservar a segurança jurídica da prática arbitral, a Comissão de Arbitragem da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Paraná pede o arquivamento do referido projeto ou a instauração de debate aprofundado, com a participação democrática da sociedade e da comunidade arbitral, rechaçando-se o requerimento de urgência.

Cristina Leitão
Presidente Comissão de Arbitragem da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Paraná

Paola Pinkowski Silva
Comissão de Arbitragem da OAB/PR

[1] Fonte: Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br). Acesso em 08 jul. 2022.

[2] Art. 13, § 6º No desempenho de sua função, o árbitro deverá proceder com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição.

[3] Diretrizes da International Bar Association sobre Conflitos de Interesses na Arbitragem Internacional. Fonte: IBA Guidelines on Conflict of Interest (ibanet.org). Acesso em 08 jul de 2022.

[4] Art. 14, §1º A pessoa indicada para funcionar como árbitro tem o dever de revelar, antes da aceitação da função e durante todo o processo a quantidade de arbitragens em que atua, seja como árbitro único, coárbitro ou presidente do tribunal, e qualquer fato que denote dúvida mínima quanto à sua imparcialidade e independência.