As membros da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB Paraná Ana Lúcia Grochowicz Cavalcante, Maria Christina dos Santos e Marta Marília Tonin, elaboraram um artigo com o tema “A importância da família acolhedora como instrumento de garantia do direito à convivência familiar e comunitária”, em comemoração aos 27 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Confira a íntegra:
A importância da família acolhedora como instrumento de garantia do direito à convivência familiar e comunitária
O ordenamento jurídico brasileiro assegura à criança e ao adolescente o direito fundamental à convivência familiar e comunitária (Constituição Federal, art. 227; Estatuto da Criança e do Adolescente – E.C.A., art. 4º; Lei nº 12.010/2009 e Lei nº 13.257/2016). Este direito está igualmente previsto na Convenção Internacional da ONU sobre os direitos da Criança e Adolescente (1989).
Todavia, para que esse direito seja efetivamente garantido, faz-se necessária a implementação de políticas públicas. Estas, na área infanto-juvenil, devem ser deliberadas por meio dos Conselhos dos Direitos (nos três níveis da Federação: Munícipios; Estados e União), observando-se a destinação privilegiada de recursos públicos previamente estabelecidos nos respectivos orçamentos.
Toda vez que a família de origem negligencia com os deveres que lhe são inerentes quanto ao exercício do poder familiar, a criança pode vir a ser encaminhada para um serviço de acolhimento familiar ou institucional, devendo-se dar importância ao previsto no art. 19, § § 1º e 2º do E.C.A. (com a situação reavaliada, no máximo, a cada 6 meses e a permanência em acolhimento institucional por até 2 anos).
Há que se destacar que o E.C.A., no art. 34 (redação dada pela Lei nº 12.010/2009), estabelece que: “§ 1o A inclusão da criança ou adolescente em programas de acolhimento familiar terá preferência a seu acolhimento institucional, observado, em qualquer caso, o caráter temporário e excepcional da medida (…)”.
Sob o aspecto psicológico, esta preferência dada pela lei ao acolhimento familiar reside-se no fato de que a família é o lugar onde há a transmissão de valores e cuidados singularizados, individualizados, que dão base à formação e ao desenvolvimento da identidade de um sujeito, de seu sentimento de segurança emocional e de pertencimento. Isto porque, no acolhimento institucional (leia-se “abrigos” ou unidades de acolhimento, chamados antigamente de “orfanatos”), a criança se torna, somente, um número a mais a ser atendida por um programa de medida protetiva. Há de se lembrar que nestas unidades há muita rotatividade de funcionários, o que prejudica a formação e o fortalecimento de vínculos afetivos.
Apesar dessa lei estar em vigor desde 2009, observa-se que a “preferência” não vem sendo executada na grande maioria das Comarcas brasileiras. Pergunta-se: qual a razão disso se a criança e suas necessidades psíquicas e emocionais também devem ser prioridade absoluta no cumprimento da lei?
Acredita-se que esta demora na implementação do acolhimento familiar deu margem ao acréscimo de dois novos parágrafos ao artigo 34 do E.C.A. (§ § 3o e 4o), incluídos pela Lei nº 13.257/2016, abaixo transcritos:
Art. 34. (…) § 3o A União apoiará a implementação de serviços de acolhimento em família acolhedora como política pública, os quais deverão dispor de equipe que organize o acolhimento temporário de crianças e de adolescentes em residências de famílias selecionadas, capacitadas e acompanhadas que não estejam no cadastro de adoção.
§4oPoderão ser utilizados recursos federais, estaduais, distritais e municipais para a manutenção dos serviços de acolhimento em família acolhedora, facultando-se o repasse de recursos para a própria família acolhedora.
Para a plena aplicabilidade do contido nos referidos parágrafos, faz-se indispensável a articulação interinstitucional (Poder Executivo, Ministério Público, Poder Judiciário, Poder Legislativo e sociedade civil organizada) e intersetorial (Secretarias de Saúde, Assistência Social, Educação, entre outras), destacando-se aqui a importância dos Conselhos dos Direitos, antes mencionados, haja vista a sua composição paritária (governo e sociedade civil organizada) e o seu papel de deliberar, controlar e fiscalizar políticas públicas.
Urge, de uma vez por todas, que os atores do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente sensibilizem-se e assumam a responsabilidade da execução do acolhimento familiar em detrimento do institucional.
Ana Lúcia Grochowicz Cavalcante; Maria Christina dos Santos e Marta Marília Tonin.