Na série de artigos preparados pela Comissão da Criança e do Adolescente para marcar os 27 anos do ECA, a ex-presidente da comissão, Maria Christina dos Santos, aborda neste texto o direito à liberdade religiosa como um dos direitos fundamentais inerentes à família e às crianças.
A CRIANÇA, O ADOLESCENTE, A FAMÍLIA E O DIREITO À LIBERDADE RELIGIOSA
Maria Christina dos Santos (membro consultor da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB/PR)
O ordenamento jurídico brasileiro reconhece a família como “base da sociedade”, haja vista a sua importância. Desempenha papel preponderante na formação da criança, repassando-lhe valores sociais, éticos, culturais e religiosos. A Constituição Federal estabelece à família, bem como à sociedade e ao Estado, o dever de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, direitos fundamentais, entre eles o direito à liberdade – inclusive religiosa.
Silva (2015, p. 272) citando Jorge Miranda, afirma que a liberdade religiosa:
[…] é considerada um primus frente às demais liberdades, haja vista que a religião constitui, para quem a professa, um dos elementos fundamentais da concepção de vida. Pelo fato de compreender a liberdade do indivíduo de possuir ou não uma religião, de escolher a religião que desejar, de praticar, individualmente ou coletivamente, em público ou em privado, os atos de sua religião, sem que sofra qualquer coação ou discriminação em face disso, a liberdade religiosa se assenta na própria dignidade da pessoa humana.
Não obstante o fato de o Brasil ser um país laico, […] o seu povo não é nem nunca foi, tratando-se de uma sociedade plural também em crenças e ritos, profundamente religiosa, ao ponto da mesma Constituição Federal que diz ser laico o Estado, também garantia por outro lado, a liberdade de crença e de culto em todo território nacional […]. (TJPR. 11ª Câmara Cível. Exceção de Suspeição Cível nº 866179-8)
A laicidade do Estado e a liberdade religiosa, aqui referidas, estão dispostas, respectivamente, nos artigos 19, I e 5º, VI, da Constituição Federal.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (E.C.A.), por sua vez, prevê que todas as oportunidades e facilidades devem ser asseguradas de modo a permitir, aos seus destinatários, o “[…] desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.” (art. 3º). A crença e o culto religioso estão compreendidos como aspectos do direito à liberdade (art. 16, III).
Cumpre ressaltar que a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança (1989), ratificada pelo Brasil, reconhece o direito à liberdade de religião, sujeitando-o às diretrizes dos pais ou responsável e à legislação nacional. Segundo Silva (2008, p. 84):
A liberdade de crença e de culto da criança e do adolescente é estreitamente conexa com a de sua família. Terceiros, autoridades, entidades e instituições não podem impedir crenças e cultos às crianças e adolescentes, mas não se pode recusar aos pais o direito de orientar seus filhos religiosamente, quer para uma crença, quer para o agnosticismo. É um direito que lhes cabe […] especialmente em razão do dever que se lhe impõe de educar os filhos menores. […].
Nesse viés, o parágrafo único acrescido pela Lei nº 13.257/2016 ao artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente, assegura, expressamente, ao pai, mãe ou responsáveis, o direito da transmissão das suas crenças, respeitando-se os direitos legalmente previstos.
Ainda, a entidade que desenvolve o programa de internação de adolescente autor de ato infracional tem o dever de oferecer assistência religiosa, segundo a crença do interno, desde que assim o deseje, lembrando-se que a não discriminação, notadamente em razão da orientação religiosa, é um dos princípios orientadores da execução das medidas socioeducativas previstas na Lei nº 12.594/2012.
Pode-se seguir o mesmo raciocínio no que tange à criança e ao adolescente em situação de rua ou em acolhimento institucional, aos quais deve-se garantir o respeito à liberdade de crença e religião, respectivamente, segundo Resolução nº 183/2017 e Orientações Técnicas aos serviços de acolhimento emitidas pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA.
Finalmente, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei nº 9.394/1996, no que se refere à escola de ensino fundamental, o ensino religioso constitui-se em disciplina de matrícula facultativa, cujo conteúdo é definido com a participação das diferentes denominações religiosas. Deve assegurar o respeito à diversidade de religiões, vedando-se o proselitismo.
Para concluir, destaca-se o direito atribuído aos pais ou responsável não somente de ter a ciência do processo pedagógico, mas de participar da definição das propostas educacionais da escola de seu filho ou pupilo – inclusive no que se refere à instrução religiosa.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes. Brasília, Junho de 2009. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/criancas-e-adolescentes/programas/pdf/orientacoes-tecnicas.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2017.
_______. Ministério dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Resolução nº 183, de 9 de março de 2017. Disponível em: <http://lex.com.br/legis_27346779_RESOLUCAO_N_183_DE_9_DE_MARCO_DE_2017.aspx>. Acesso em: 10 jul. 2017.
PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. 11ª Câmara Cível. Exceção de Suspeição Cível nº 866179-8. Excipiente: Ministério Público do Estado do Paraná. Excepto: Juiz de Direito da Vara da Infância, Juventude, Família e Anexos da Comarca de Paranaguá. Relator: Des. Gamaliel Seme Scaff. Acórdão publicado no DJ 884 de 16.06.2012. Disponível em: <https://www.tjpr.jus.br/documents/18319/9606828/EXC+SUSP+866219-7+-+Cameral-assinado.pdf/e188502f-fe3e-415d-8715-fb875e1af54f>. Acesso em: 10 jul. 2017.
SILVA, Fabiana Maria Lobo da. Liberdade de religião e o ensino religioso nas escolas públicas de um Estado laico: Perspectiva jusfundamental. In: Brasília: Senado Federal. Revista de Informação Legislativa. Ano 52. Número 206 abr./jun. 2015. p 271-298. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/handle/id/512459>. Acesso em: 11 jul. 2017.
SILVA, José Afonso da. Artigo 16. In: CURY, Munir (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente – comentários jurídicos e sociais. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 2008.