Os membros da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB Paraná elaboraram uma série de artigos em comemoração aos 27 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente. O primeiro artigo foi escrito pelo presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB Paraná, Anderson Rodrigues Ferreira. Os demais serão publicados nos próximos dias. Confira:
O PPCAAM e a política pública de Estado
Anderson Rodrigues Ferreira
No final dos anos 80, os direitos de defesa das crianças e adolescentes ganharam novos ares, graças à intensa mobilização da sociedade civil e do processo de redemocratização que pulsava no cenário nacional. Dentro desse aspecto, a proteção da infância e da adolescência em relação à violência urbana se tornou questão de debates públicos e acadêmicos, bem como ganhou contorno de política pública, a qual ficou evidenciada na Constituição de 1988, com a instituição da prioridade integral e absoluta às crianças e adolescentes.
Importa observar que a Convenção dos Direitos das Crianças da ONU (1989) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990 constituem, juntamente com a “Constituição Cidadã de 1988”, marcos legais e sociais na proteção e defesa da infância e da adolescência, pois enaltecem as crianças e os adolescentes como verdadeiros sujeitos de direitos, e os protegem como seres humanos em condição peculiar de desenvolvimento.
Nesse diapasão evidenciam-se os direitos humanos e a proteção infanto-juvenil, buscando-se o aperfeiçoamento da legislação pertinente à proteção dos direitos fundamentais de crianças e de adolescentes. Isso se dá em sintonia e alinhamento normativo com a legislação pátria e com as declarações internacionais (Regras de Beijing), tanto que o governo federal instituiu o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), por meio do Decreto nº 6.231/2007 e, no Estado do Paraná, mediante o Decreto Estadual nº 6.489/2010.
O programa, na qualidade de política pública de proteção, reforça o direito à vida como um dos mais essenciais ao ser humano, logo a ameaça de morte constitui um abuso a esse direito; e por supedâneo, a todos os demais direitos fundamentais. O respaldo legal para a tutela jurídica da vida encontra-se na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Declaração Universal dos Direitos da Criança, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, na Convenção Americana e na Convenção sobre os Direitos da Criança, além de diversos outros diplomas normativos.
O PPCAAM tem por objetivo a proteção especial de crianças e adolescentes ameaçados de morte ou em risco de serem vítimas de homicídio, em virtude de envolvimento em ato infracional ou por serem vítimas ou testemunhas de crimes ou de atos delituosos. Esse Programa encontra-se inserido na área de competência da Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Paraná, e é desenvolvido em parceria com o Ministério de Direitos Humanos, e, portanto, deve ser tratado como uma política pública de proteção de direitos humanos.
Contudo, o PPCAAM Paraná vem padecendo de certa negligência estatal: o convênio entre a União e o Estado do Paraná foi cancelado em 30 de maio passado; logo, não se observa a proteção integral de crianças e adolescentes paranaenses ameaçadas de morte. Novos casos não podem entrar no sistema de proteção. Enfim, os entes estatais não tratam o tema como política pública de Estado, embora já consagrado em lei.
O Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Estado do Paraná – CEDCA/PR deliberou, em caráter emergencial, a liberação de recursos para manutenção do Programa até a realização de novo convênio. Isso vem causando preocupação e incerteza, no sentido de se questionar até quando os direitos fundamentais serão tratados de forma tão equivocada? Ou, até quando o princípio constitucional da “prioridade absoluta” deixará de ser apenas uma expressão fria?
Essas perguntas os gestores públicos e a sociedade devem responder em conjunto, pois há normas e também formas de proteção, mas é preciso que, efetivamente, a proteção do direito à vida ultrapasse o texto legal e se torne política pública de Estado.
Na coerência da proteção integral, no mais perfeito interesse da criança e do adolescente e da prioridade absoluta, compete a todos que atuam nesse campo (Estado, sociedade e família) buscar a efetividade dos direitos fundamentais à luz da Constituição Federal. Deve-se impedir qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão a que estejam submetidos crianças e adolescentes, vítimas ou não, lembrando, sempre, que quando o Estado não protege também viola direitos. Nesse sentido, os gestores devem ser responsabilizados e punidos pelas perdas de vidas, ou de uma chance de vida.
Leia o artigo: “O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei do Sinase”