A advogada paranaense Ananda Puchta, secretária da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da Seccional, foi selecionada para integrar o programa intensivo de bolsas Global Fellows, da Out & Equal Workplace Advocates. A organização sem fins lucrativos com sede em São Francisco, na Califórnia, é referência mundial no trabalho de promoção de igualdade no local de trabalho.
Ananda participará de um treinamento de cinco semanas no escritório da Out & Equal. Ela e o empresário brasileiro Tiago Marinho, também selecionado para o programa, irão colaborar com o desenvolvimento de projetos de promoção da igualdade, que serão implementados, mais tarde, em seus locais de trabalho e comunidades.
“Vou à São Francisco sedenta por conhecimento. Quero aproveitar a oportunidade para aprender o máximo possível e replicar essas experiências no contexto brasileiro. Ainda, tenho como objetivo ajudar a criar de redes de contato entre parceiros globais que possam se interessar em investir ainda mais no mercado brasileiro ao saberem que entidades da sociedade civil se preocupam e atuam para promover a temática”, pontua Ananda.
As bolsas de estudo são oferecidas em duas faixas: uma para representantes de ONGs que trabalham para promover a igualdade no local de trabalho LGBTQ e outra para representantes corporativos que buscam promover uma cultura e políticas mais inclusivas em suas empresas.
Trajetória – A advogada representa o Grupo Dignidade, com sede em Curitiba. Entre outras ações, ela atuou na defesa de questões LGBTQ no Supremo Tribunal Federal (STF) e desenvolveu o Projeto de Perspectiva Global, permitindo a participação da organização na Cúpula das Américas. Além disso, é responsável por gerenciar a campanha It Get Better Brazil, movimento mundial de ajuda a jovens LGBTs em situação de opressão e abuso.
Desde dezembro de 2017, o Grupo Dignidade desenvolve um projeto que visa abrir o diálogo entre ONGs LGBTQ e empresas que buscam promover ambientes de trabalho seguros e inclusivos. Ananda é responsável pela organização de uma Cúpula Nacional para atrair empresas, juntamente com a sociedade civil e acadêmicos de diferentes universidades, para participar de um diálogo construtivo e compartilhar as melhores práticas sobre a diversidade e a inclusão LGBTQ no local de trabalho.
Durante a bolsa, a Ananda trabalhará com a equipe da Out & Equal e se conectará com as principais partes interessadas do negócio para desenvolver e avançar o projeto da Cúpula Nacional, com o objetivo de voltar para casa com um plano de implementação mais robusto e apoiado.
Confira a entrevista que a advogada concedeu à Comunicação da OAB-PR:
Você atuou na defesa de questões LGBT no Supremo Tribunal Federal (STF). Quais foram os focos destas ações? Como foi a experiência?
Eu idealizei o Projeto Sinergia, atualmente gerenciado pela Dra. Andressa Bissolotti, também membra da CDSG. O Sinergia prevê o advocacy (incidência estratégica) no STF por meio da atuação como amicus curiae em ações constitucionais de temática LGBTI+. Tive a oportunidade de acompanhar dois julgamentos importantes entre 2017 e 2018. A ADI 5543, referente à possibilidade de doação de sangue por homens que fazem sexo com outros homens (HSH), cujo julgamento se iniciou em dezembro de 2017 com a sustentação oral do Dr. Rafael Kirchhoff. Nessa ação pude contribuir com a redação de memorias aos Ministros, bem como acompanhei o início do julgamento em plenário. Já na ADI 4275, que reconheceu a possibilidade de pessoas trans retificarem prenome e designativo de sexo no registro civil sem necessidade de cirurgia, pude acompanhar desde a sustentação da Dra. Gisele Alessandra Shimidt, segunda secretária da CDSG, até o julgamento final em março desse ano. Nas duas ADIs tive a oportunidade de realizar audiências com a Min. Carmen Lúcia e o Min. Roberto Barroso para entrega de memorias de defesa e solicitação de inclusão em pauta. No entanto, o ato que considerei mais importante foi a entrega dos memoriais em cada gabinete com o parecer referente à Opinião Consultiva nº 24 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, objeto de um evento da CDSG em janeiro desse ano. Esses memoriais ajudaram no resultado do julgamento, já que o Min. Edson Fachin proferiu seu voto de acordo com a fundamentação constante na Opinião Consultiva. O controle de convencionalidade nesse caso, prática ainda incipiente no Brasil, restou evidente, e isso é uma vitória para quem pesquisa e advoga em favor do Direito Internacional dos Direitos Humanos. A experiência de poder fazer parte da equipe que teve importante papel no julgamento dessas duas ações foi incrível e recompensadora. No entanto, ainda temos vários desafios para superar, pois a ADI 5543 ainda não teve seu julgamento finalizado e a regulamentação do CNJ concernente à retificação de registo civil de pessoas trans não contempla a desburocratização defendida no voto vencedor. Ainda temos habilitação como amicus curiae em mais 15 ADPFs relacionadas às leis municipais que impedem o debate de diversidade sexual e de gênero nas escolas. Ou seja, o trabalho continua.
Você poderia falar um pouco sobre o Projeto de Perspectiva Global? Qual a proposta da iniciativa?
O projeto Perspectiva Global, assim como o Sinergia, prevê a possibilidade de incidência jurídica e política nos organismos internacionais, tanto no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), quanto da Organização das Nações Unidads (ONU). Ele nasce com o objetivo de fomentar a cultura do direito internacional dos direitos humanos na sociedade civil, haja vista que os organismos internacionais não são muito provocados pelas entidades brasileiras. A primeira ação desse projeto foi a articulação de entidades da sociedade civil para participação na audiência pública do 162º período de sessões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Nessa oportunidade, eu e o Dr. Rafael Kirchhoff representamos a CDSG na audiência pública “Direitos humanos e educação livre, plural e sem censura no Brasil: a proposta de exclusão da perspectiva de identidade de gênero e orientação sexual na Base Curricular Comum Nacional e o projeto ‘Escola Sem Partido’”. Ainda, o projeto prevê, ainda, a realização de pesquisas informativas sobre a situação da população LGBTI+ no Brasil. Assim, em 2017 respondemos o questionário encomendado pela Relatoria LGBTI da CIDH. Já esse ano respondemos mais um questionário, dessa vez encomendado pelo Instituto Interamericano de Direitos Humanos, contendo um panorama geral da situação das pessoas LGBTI+ no Brasil.
Essa atuação por meio dos organismos internacionais também transpassa pela necessidade de articulação e diálogo com entidades da sociedade civil dos outros Estados Membros da OEA. Para tanto, a participação em eventos como a Cúpula das Américas é extremamente importante. Em abril de 2018 tive a oportunidade de representar a Aliança Nacional LGBTI+ na VIII Cúpula das Américas, realizada em Lima, Peru. Eventos como esse possibilitam a troca de experiências e o intercâmbio de ideias com instituições de outros países das Américas, trazendo a possibilidade de atuação conjunta em algumas pautas importantes, haja vista a semelhança nos contextos socio-políticos desses países.
Como é a experiência de gerenciar a campanha It Get Better Brazil?
O It Gets Better Brasil é uma campanha simples e forte! Gerenciá-la implica mais precisamente em manter a equipe de mídias sociais motivada, realizar um cronograma de publicações e divisões de tarefas, agendar maratonas de gravação de vídeos, etc. O desafio de estar a frente desse projeto é conseguir fechar parcerias para engajar ainda mais pessoas a contarem suas histórias e, dessa forma, alcançar ainda mais público por meio das mídias sociais. Mesmo assim, receber o feedback das redes em relação à campanha e como os vídeos impactaram e inspiraram a realidade das pessoas é muito recompensador e dá forças para continuarmos com o trabalho.
Qual a sua avaliação da atuação na Comissão da Diversidade Sexual da OAB? Que ações você destacaria?
Tenho sido responsável em ajudar a presidência na realização dos eventos da Comissão desde 2017, bem como auxilio na execução dos projetos e na organização interna da Comissão. A ações das quais mais me orgulho são a nossa participação como representantes da sociedade civil na audiência temática da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o evento realizado em janeiro desse ano sobre a Opinião Consultiva nº 24 e o evento realizado em parceria com o Conselho Regional de Medicina em junho desse ano, para debater políticas públicas de saúde para pessoas transgêneras.
Desde dezembro de 2017, o Grupo Dignidade desenvolve um projeto que visa abrir o diálogo entre ONGs LGBTQ e empresas que buscam promover ambientes de trabalho seguros e inclusivos. Como tem sido este trabalho?
Discutir inclusão no mercado de trabalho é algo de extrema importância atualmente. No entanto, poucas empresas possuem práticas inclusivas para que as pessoas LGBTI+ possam se sentir seguras. Adentrar no mundo corporativo, ainda mais com um tema tão sensível como esse é um desafio tremendo, mas ao longo desse ano temos encontrado algumas iniciativas pioneiras e parcerias importantes. É o caso, por exemplo, do diálogo que temos com o Comitê Pride da Exxon Mobil em Curitiba, que nos ajuda muito a pensar estratégias importantes para ações que conscientizem a necessidade desse debate. Os maiores desafios estão no mapeamento de dados de políticas inclusivas dentro das corporações, na conscientização das empresas sobre a realidade da população LGBTI+ no Brasil e na efetivação de políticas internas que possibilitem um ambiente de trabalho seguro e inclusivo. Acredito que, atualmente, não há como fechar os olhos à diversidade sexual e de gênero, e tanto as empresas quanto a sociedade em geral estão começando a perceber isso. A diversidade traz riqueza de ideias e dinamiza as relações dentro e fora do ambiente de trabalho. Estudos internacionais, como o realizado pela Open for Business, por exemplo, comprovam que manter um ambiente de trabalho aberto à diversidade aumenta a dinamicidade da empresa e, por consequência, o seu faturamento e sua competitividade no mercado. Essa visão está sendo incorporada no Brasil pelas grandes multinacionais como IBM, Exxon Mobil, SAP, JP Morgan e grandes empresas nacionais, como o Banco Itaú Unibanco. No entanto, construir essas pontes de diálogo ainda é difícil, haja vista o conservadorismos e a falta de conhecimento dos empresários acerca da realidade de pessoas LGBTI+.