A justiça do papel, das viagens, da máquina de escrever. Cássio Telles conta como era a advocacia e fala sobre os rumos da profissão

Os escritórios de ontem e de hoje. Da era presencial à digital. Com esse tema, abordado pelo presidente da OAB Paraná, Cássio Telles, a Comissão da Advocacia Iniciante deu início à II Jornada da Advocacia Iniciante do Paraná, Meu Primeiro Escritório. De acordo com o presidente da Comissão, Wagner Maurício de Souza Pereira, o objetivo do evento é unir a advocacia do estado em torno de temas que são de interesse para os profissionais em início de carreira.

Cássio Telles fez um relato de sua trajetória e falou sobre os avanços recentes que facilitam o exercício profissional, porém também alertou sobre problemas que se mantêm até hoje e que continuam no foco das lutas da OAB.
“Iniciei na carreira em 1987 com algumas características muito marcantes. Primeiramente não havia computador. Trabalhávamos nas máquinas de escrever manuais – alguns poucos escritórios tinham máquinas elétricas, as famosas IBM. Tínhamos que fazer as petições com papel carbono, em três vias. Os processos eram totalmente em papel”, descreveu.

“Tínhamos que viajar pelas comarcas para protocolar e acompanhar processos. Era comum tomarmos conhecimento sobre o resultado de um acórdão depois de três ou quatro meses, só quando os autos baixavam para o 1º grau. Naquela época não havia demandas de massa contra bancos, companhias aéreas, operadoras de telefonia. Eram só execuções de bancos contra clientes e essas ações ficavam pulverizadas em escritórios por todo o estado. Não havia a concentração em grandes escritórios como temos hoje”, disse.

“Para ouvir uma testemunha por carta precatória e participar de uma audiência, tínhamos que viajar pelas comarcas. E quantas vezes perdíamos a viagem. Não tínhamos varas do trabalho espalhadas pelo Paraná. Justiça federal só em Curitiba. Não havia outro mecanismo a não ser protocolar no balcão”, relatou.

Direito

Mudanças também foram aos poucos acontecendo em relação ao direito. “Pouco se falava em Direito Constitucional até a promulgação da Constituição de 1988. Dano moral foi algo que começou a aparecer em 1993. Não havia dano moral nos pedidos de indenização. O único meio do advogado fazer publicidade eram as páginas amarelas das listas telefônicas. A clientela se formava por indicação de outros clientes ou colegas. No início da década de 1990, adquiri meu primeiro fax. Foi uma revolução. Aí começamos a pressionar o Judiciário a aceitar as petições por fax, mas tínhamos cinco dias para juntar o original no processo. Caso contrário, prazo perdido”, contou.

As melhorias foram surgindo e Cássio Telles apontou alguns marcos: as intimações pelo Diário da Justiça no final da década de 1990, a chegada do Código de Defesa do Consumidor – “ali começamos a ver coisas que nunca tínhamos ouvido falar nos bancos da faculdade, como “inversão do ônus da prova”, “responsabilidade objetiva”, entrou outros institutos. O CDC promoveu uma transformação no estilo de advogar”, destacou. Vieram depois os primeiros computadores (ainda off-line), o instituto da antecipação de tutela no CPC, a Lei dos Juizados Especiais, os telefones celulares, a internet.

“Em 2000 começam a concentração de grandes escritórios nas capitais e a subcontratação de escritórios menores, tendo como consequência um achatamento no valor dos honorários”, observou. “Começam também a proliferação dos cursos de Direito, a queda na qualidade do ensino e um aumento vertiginoso no número de novos advogados.”
O processo eletrônico surge em 2003 com o e-Proc. O Projudi chegou em 2007. Com o Código de Processo Civil de 2015, a advocacia teve importantes conquistas, como a contagem dos prazos em dias úteis e as férias para os advogados. “O CPC passa a exigir que as decisões judiciais sejam fundamentadas. Vejam quanto tempo demorou para chegarmos ao que parecia óbvio. Se defendemos uma tese, ela tem que ser analisada pelo juiz ponto a ponto”, enfatizou Telles. Outro aspecto importante do CPC destacado pelo presidente da seccional foi o incentivo à conciliação.

Transformações

“Em 2016 conseguimos constituir sociedades unipessoais. Em 2017 tivemos a reforma trabalhista, que mudou o cenário para essa área da advocacia. Em 2018 foi implantado o Projudi em segundo grau. Em 2019 veio o pacote anticrime e finalmente chegamos a 2020, que nos envolveu num turbilhão de alterações na forma de advogar. Tivemos que nos adaptar às audiências a distância, a julgamentos em plenários virtuais, a intimações feitas por whatsapp, a reuniões feitas em plataformas digitais. Estamos no limiar de uma nova era”, prevê Telles. “Essas transformações vieram para ficar”, atestou.

Mas ainda há pontos a serem melhorados – a morosidade da justiça, a dificuldade de despachar diretamente com os juízes, a falta de efetividade das sentenças. “Isso continua igual. E o que mudou? A aplicação de teses consolidadas – agora temos precedentes com mais força, as demandas de massa, a vinda da inteligência artificial, a automatização dos serviços de advocacia. E qual a tendência? Caminhamos rapidamente para a desjudicialização e temos que estar preparados para isso. Não que seremos dispensados, mas a solução de conflitos começa a sair do Judiciário. Temos que olhar para isso com muito carinho”, afirmou.

Mudou também, segundo Cássio Telles, o formato dos escritórios. “Hoje, o advogado com um notebook e uma boa internet consegue advogar. Temos que cada vez mais expandir os escritórios compartilhados”, observou. E alertou para outras transformações que precisam ser vistas com cautela, especialmente as que colocam em risco a essencialidade da advocacia e privilegiam a mercantilização e a “uberização” da advocacia.

Encerrado esse panorama sobre a profissão, tiveram início os painéis da II Jornada, que prossegue amanhã. Participaram do painel de abertura os presidentes das subseções de Laranjeiras do Sul, Maressa Melati , de Maringá, Ana Claudia Pirajá Bandeira, de Telêmaco Borba, Andreia Toledo, e de Santo Antonio da Platina, Ailson Levatti. Confira a íntegra do primeiro dia de debates no Youtube da OAB Paraná e veja aqui a programação desta terça-feira (30/3).