“Estamos passando por um período de crise juntamente com o resto do mundo. As constituições devem ser defendidas e preservadas, pelo fato de trazerem o sistema de tutela dos direitos fundamentais, dos direitos da cidadania”. A afirmação, da professora da USP Mônica Herman Salem Caggiano, abriu o painel “A defesa da Constituição em tempo de pandemia”, realizado nesta sexta-feira (31), último dia do I Congresso Digital Covid-19, promovido pela OAB e ESA Nacional.
O professor de Direito Constitucional da UFPR e do Unibrasil, Clèmerson Merlin Clève, foi um dos palestrantes ao lado dos professores André de Carvalho Ramos (PUC/SP) e Nathalia Masson (G7 Jurídico).
André Ramos foi o primeiro a expor suas reflexões a respeito do papel da Constituição nesse período de crise. Sua exposição foi no sentido de valorizar a Carta de 88, demonstrando que o seu arcabouço normativo foi suficiente para o enfrentamento da crise. “Estamos enfrentando uma pandemia de tal quilate e nossas instituições possuem um instrumento para ser utilizado no cotidiano, sem que haja a necessidade de invocação do sistema de crise, previsto na própria Constituição”, observou.
O professor da USP discorreu sobre vários direitos tutelados pela Constituição que mostram a sua força normativa durante a crise – o direito à saúde, ao mínimo existencial, à democracia, à informação, à privacidade. Todos foram temas de ações julgadas recentemente pelo STF e reconhecidos nas decisões. Ramos também destacou o papel da Corte Interamericana de Direitos Humanos ao se manifestar sobre os direitos dos povos indígenas do Brasil.
Conquistas
A partir de dados de um levantamento sobre como as diferentes nações enfrentaram juridicamente a pandemia, o professor Clèmerson Clève explicou que alguns países lançaram mão do estado de necessidade (como a França), outros optaram por utilizar apenas a legislação infraconstitucional sem provocar o sistema constitucional de crises (como os Estados Unidos e Japão), e houve aqueles que inclusive criaram legislações novas (como a Noruega e a Hungria).
De acordo com Clèmerson Clève, o Brasil adotou um caminho próprio. Houve reinterpretação da legislação nacional, como a operada com a releitura da Lei de Responsabilidade Fiscal, e também alteração constitucional, a exemplo do adiamento das eleições. Ele considera que esse tem sido um caminho exitoso, pois a Constituição tem sido preservada.
O professor destacou que o tão criticado Congresso Nacional tem respondido às necessidades do país com celeridade. “O Congresso tem aprovado as medidas necessárias e tem funcionado como caixa de ressonância da sociedade. Tem sido mais generoso do que o Poder Executivo e a maior prova é a aprovação de uma renda emergencial três vezes superior à proposta pelo Ministério da Fazenda”, lembrou.
Clève também comentou o papel do Supremo Tribunal Federal. “A pandemia proporcionou o surgimento de um novo STF. Ele estava dividido e se apresenta neste momento oferecendo de maneira célere as soluções adequadas e com convergência impressionante entre os ministros”, avaliou.
Para Clève, o que não funcionou foi o Poder Executivo. “Faltou liderança, gestão, cuidado, cooperação. Precisávamos uma articulação federal, dando bom exemplo, para que pudéssemos fazer o federalismo de cooperação funcionar”, disse. “Se fomos vitoriosos do ponto de vista jurídico, do ponto de vista da proteção da vida da população brasileira ainda deixamos muito a desejar”, concluiu.
Disfunções
A professora Nathalia Masson aproveitou a menção ao federalismo para fazer uma avaliação distinta dos demais. Ela ponderou que situações de crise permitem testar certos institutos e um dos que foi colocado à prova foi o federalismo de viés cooperativo. Muitos analistas disseram que ele renasceu com pandemia.
“A leitura que faço é que a pandemia não permitiu que o federalismo renascesse ou fosse revigorado. Ele só entrou em pauta, recebeu um destaque acentuado, mas sob os holofotes as disfunções da nossa federação ficaram mais evidentes”, declarou. Para Nathalia Masson, defender a Constituição é também propor o aperfeiçoamento de certos institutos, especialmente, o federalismo, já que para o Brasil este sistema é determinante. “Somos federativos por precisamos. Somos uma nação complexa. Não é opção, para nós é destino”, afirmou.