Em mensagem a novos advogados, Renato Kanayama trata da inviolabilidade do escritório

Em saudação feita a um grupo de novos advogados durante a gestão 2007-2009, o então vice-presidente Renato Alberto Nielsen Kanayama, discorreu sobre a inviolabilidade dos escritórios de advocacia. O tema perene ganha ainda mais importância nesta quadra, dada a recente ordem de quebra de sigilo dos dados bancários do advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira.

Saudação aos compromissandos

Caros advogados e advogadas recém compromissados, senhoras, senhores,

Na abertura da 4ª Conferência Estadual dos Advogados, o Professor
Miguel Reale Júnior fez uma sombria observação: a Constituição mente, afirmou o Professor, dizendo com isso que os direitos nela assegurados não se realizam.

Mitiguemos a observação e digamos que a Constituição não mente, mas mentem os seus intérpretes e aplicadores investidos do poder de fazê-lo.

Exemplo disso a reação à lei que protege os escritórios de advocacia, alvo de açodadas manifestações imputando-lhe o vício de inconstitucionalidade.

Insinuou o Ministro da Justiça que o Presidente da República poderá vetá-la, e o Presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais) opinou que “a inviolabilidade dos escritórios de advocacia supera o resguardo previsto pela Constituição para a morada do cidadão”.

Não supera.

É a mesma garantia fundamental da inviolabilidade do domicílio (CF, art. 5º, inc. XI) que assegura a inviolabilidade dos escritórios. Asilo inviolável o são o domicílio do presidente da Ajufe e o escritório de advocacia a que pertencia o Ministro da Justiça.
Saberão os dois juristas do longo percurso histórico da inviolabilidade do domicílio no Brasil, da Constituição do Império, de 1824, à de 1998, mas talvez desconheçam o seu amplo significado, defendido por juristas, como Pontes de Miranda, e por juristas que compuseram o Supremo Tribunal Federal, como Carlos Maximiliano, Bento de Faria e Nelson Hungria.

Em todas as nossas Constituições definiu-se “casa” como “asilo inviolável”, e autores houve que definiam “casa” como “residência”, somente (Pimenta Bueno, João Barbalho, Rui Barbosa).

Pontes de Miranda, ao comentar as Constituições de 1934 e 1937, afirmava que “casa” compreendia o escritório de advocacia: “No direito constitucional, domicílio é onde se habita e onde se ocupa espaço, próprio, para negócios, oficina, escritório. (…). O simples quarto de hotel é domicílio; o apartamento onde o advogado tem o seu escritório é domicílio. (…).”

Seguiam-no Carlos Maximiliano, Bento de Faria, Nelson Hungria e Cláudio Pacheco, os três primeiro integrantes do Supremo Tribunal Federal. Carlos Maximiliano, aliás, ao comentar a Constituição de 1891 já advertia que “a palavra domicílio no Direito Público não tem a acepção restrita do Direito Privado”.

Bento de Faria e Nelson Hungria defendiam a inviolabilidade do domicílio, nele compreendido o escritório de advocacia, em Comentários ao Código Penal. Bento de Faria:

“É o que se encontra estabelecido, quer em todos os nossos Estatutos políticos (…), quer nos Códigos penais anteriores (…).”

……….

“A expressão – casa – não compreende unicamente a habitação, mesmo quando se verifique em – compartimento ou aposento, mas também – o compartimento não aberto ao público onde alguém exerce profissão ou atividade, embora ali não resida.”

“Assim: o escritório do advogado, o consultório médico, o escritório comercial, onde aqueles profissionais permanecem uma parte do dia.”

Nelson Hungria, por sua vez:

“(…) É o mesmo domicílio cuja inviolabilidade a nossa Constituição assegura, no seu art. 122, n. 6, refletindo um dos postulados políticos da Revolução Francesa…”

………..

Por último, a tutela penal é ampliada ao compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade’. É o Gerchäftsraum, do Código alemão; o Werkplatz, do Código suíço, ou o altro luogo de privata dimora, do Código italiano. É o lugar que, embora
sem conexão com a casa de moradia propriamente dita, serve ao exercício da atividade individual privada. Assim, o escritório do advogado, o consultório do médico, o gabinete do dentista, o laboratório do químico, o atelier do artista, a oficina do ourives, etc.

Saberão, ainda, o ministro da Justiça e o presidente da Ajufe que “asilo inviolável” não passa de locução redundante, pois “asilo” – grego: ásylon, significa “lugar inviolável”, inviolabilidade do escritório que não passa de uma garantia ou “prolongamento da liberdade individual” do advogado, segundo Cláudio Pacheco, para que ele possa
garantir a liberdade individual alheia.

Vetar a lei que assegura a inviolabilidade dos escritórios de advocacia configura uma diminuição da garantia fundamental da inviolabilidade do domicílio, mais um passo da expansão do Estado para o interior de domínios que lhe são vedados. Mas mantenhamos a chama que melhor ilustra a garantia da inviolabilidade do domicílio. E permitam-me
novamente invocar Cláudio Pacheco:

“Entre o povo inglês dos velhos tempos, teve o princípio um realce ímpar, um fulgor incomum, sendo bem conhecido o célebre adágio: “My house is my castle”, cuja significação Lorde Chatam explicava: ‘E por que razão a casa de cada um é sua cidadela, sua fortaleza?
Será por ser defendida por muralhas? Não. Seja mesmo uma choupana
em que penetrem a chuva e o vento, o rei não pode lá entrar’.”- (apud JOÃO BARBALHO, ´Comentários da Constituição Federal Brasileira’, ed. 1902, p. 318).

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