OAB Paraná celebra 40 anos da Conferência de 1978

A OAB Paraná comemora nesta segunda-feira (7) os 40 anos da VII Conferência Nacional da Advocacia. O evento, sediado em Curitiba em 1978, marcou o processo de reabertura política do Brasil. Nele se defendeu o Habeas Corpus e a anistia. Sob a liderança do então presidente da seccional paranaense, Eduardo Rocha Virmond, e do então presidente do Conselho Federal, Raymundo Faoro, a advocacia brasileira se posicionou de maneira veemente em defesa das liberdades.

A histórica conferência ocorreu em um momento em que se aspirava às mudanças necessárias para que direitos básicos dos cidadãos fossem restabelecidos. “Os acontecimentos no mundo político eram sérios. O país vivia ainda sufocado pelo poder militar, ainda que o anseio por liberdade – a mais cara conquista do ser humano – estivesse latente em manifestações que pipocavam aqui e acolá”, relembrou Ernani Buchmann, presidente da Academia Paranaense de Letras e coordenador de Comunicação da OAB Paraná, que fez uma contextualização histórica durante a cerimônia.

Durante sua exposição, Buchmann também relembrou o discurso de Faoro durante a VII Conferência, quando convidou os presentes a enfrentar “as eventuais decepções imediatas” e as converter em “estímulo para o triunfo da mais urgente causa do povo brasileiro: a causa da liberdade, a causa da democracia, a causa do estado do direito”.

Presente no evento de 1978, a conselheira federal Edni Arruda recordou “a emoção e o coração disparado” ao entrar no Teatro Guaíra. A advogada enalteceu o importante papel de nomes como o de José Rodrigues Vieira Netto, José Lamartine Corrêa de Oliveira Lyra e Therezinha de Jesus Zerbini. “Em 1968, há 50 anos, numa cerimônia de colação de grau, José Lamartine profetizou o que aconteceria no Brasil de amanhã. Assim disse ele: é chegada a hora da partida. Compreendei que de tudo o que eu disse não há que se retirar uma lição de desânimo, mas um canto de alegre decisão. Não se trata de meditar sobre o direito em crise. Trata-se de construir um direito novo, a serviço do homem e de todos os homens. Com as armas da Justiça, ajudai a preparar um Brasil que seja nosso e de seu povo. Iluminai a grande noite ao caminhar”, afirmou Edni.

A sessão solene contou ainda com uma emocionante apresentação do Coral da CAA/PR e OAB Paraná. Os integrantes do grupo bridaram os advogados presentes com três canções brasileiras: Alguém cantando, de Caetano Veloso; É preciso saber viver, de Roberto Carlos; e Descobridor dos sete mares, de Tim Maia. Durante a apresentação, uma projeção destacou os nomes dos 700 advogados paranaenses que participaram da VII Conferência Nacional de 1978.

Homenageados

Durante a solenidade foram homenageados Virmond e os professores René Ariel Dotti e Egas Dirceu Moniz de Aragão. Em 1978, Egas foi o responsável pela tese nº 13: “O Estado de Direito e o Direito da Ação”. E Dotti defendeu a tese nº 32, “A Informação Cultural no Estado de Direito”.

Nas palavras de Dotti, a Conferência Nacional de 1978 foi um divisor de águas entre o estado de arbítrio dos governos militares e a esperança de liberdade. “Em todas as teses, a liberdade foi invocada. A própria denominação do evento – Estado de Direito – já sinalizava a preocupação dos advogados brasileiros que ansiavam pela volta do regime democrático. O evento contribuiu, sem dúvida, para que o Brasil visse novamente o Estado Democrático”, disse.

Dotti lembrou que Faoro levou muitas das teses da defendidas na conferência ao presidente Ernesto Geisel. “Surgiu, então, em outubro de 1978, a revogação do AI-5. Esse ato havia cassado mandatos, fechado o Parlamento, sacrificado direitos, garantias e liberdades. A VII Conferência Nacional foi, portanto, um marco decisivo na história do Brasil”, completou.

A atuação do professor Egas foi destacada no discurso de Buchmann: “Ele esgrimiu seus argumentos em 29 pontos; afirmou que é inaceitável qualquer restrição de natureza meramente política ao exercício do direito de ação. Suas conclusões postularam a necessidade de estatísticas jurídicas, a prestação judiciária aos necessitados, a criação das escolas de formação de magistrados. Ele defendeu ainda a fiscalização dos cursos jurídicos ´cujo padrão de qualidade tem caído a olhos vistos´”.

 

Palavras do Presidente Lamachia

Confira o pronunciamento do presidente do Conselho Federal sobre os 40 anos da VII Conferência da Advocacia

Há exatos 40 anos, tinha início a histórica VII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. O evento, que duraria somente 6 dias, persiste até hoje como marco fundamental da advocacia e da cidadania brasileira.

Naquele memorável 7 de maio de 1978, o Teatro Guaíra de Curitiba assistia à abertura não apenas do encontro, mas, principalmente, de um novo tempo. Era o princípio do fim do período sombrio da ditadura militar.

Assim, na cerimônia inaugural da Conferência, o então Presidente do Conselho Federal da OAB, Raymundo Faoro, anunciou em seu discurso:

“Dentro da névoa autoritária, acendemos a fogueira que reanima as vontades, esclarece os espíritos. Estamos diante da transição inevitável e estamos diante da luz de amanhã”.

Sob o ânimo dessas palavras, advogados e advogadas de todo o Brasil, reunidos no Paraná, vocalizavam os anseios da sociedade civil e exigiam a restauração plena e imediata das garantias fundamentais da cidadania.

Não por acaso, a VII Conferência Nacional tinha como tema “O Estado de Direito”. Era uma mensagem direta e corajosa de oposição ao regime do medo e da força que havia sido instaurado em 1964 e que se agravara em 1968, com a edição do Ato Institucional n. 5. Vê-se, portanto, que “a advocacia não é profissão de covardes” – nunca foi e nunca será.

Com extraordinário destemor, o resgate da normalidade constitucional foi defendido abertamente ao longo de 6 dias, entre aqueles 7 e 12 de maio. A questão foi analisada e debatida a partir de 47 proposições, as quais abrangiam voto livre, estado de sítio, anistia, segurança, direitos políticos, direitos sociais, entre muitos outros assuntos.

Não obstante, em meio a tamanha diversidade temática, uma bandeira se sobressaiu: o restabelecimento do habeas corpus, que havia sido suspenso pelo odioso AI-5.

Com efeito, para a Ordem dos Advogados do Brasil, tanto em 1978 quanto nos dias atuais, essa garantia fundamental representa a essência do Estado de Direito. Conforme seria registrado na célebre Declaração de Curitiba, é “a plenitude do habeas corpus que assegura a primeira das liberdades e base de todas as outras: a liberdade física”.

Nesse contexto, os clamores da advocacia não tardaram a ser ouvidos – e atendidos. Em verdade, no decorrer da própria Conferência, o Senador Petrônio Portela e o Consultor-Geral da República, Rafael Mayer, representando o General Ernesto Geisel, comunicaram ao Presidente Raymundo Faoro que a anistia seria decretada. Era uma grande vitória para a Ordem – e, melhor, não era a única. Muitas outras se seguiram.

Entre tantas, faço menção a uma conquista em particular, a qual teve especial simbolismo para a OAB. Refiro-me à restauração do habeas corpus, efetivada por meio da Emenda Constituição n. 11, aprovada em 13 de outubro de 1978 – ou seja, apenas 5 meses após o encerramento daquele encontro.

Diante de tudo isso, é forçoso concluir que muitas são as razões para que hoje estejamos reunidos, celebrando a memória dos 40 anos da VII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira. Embora não seja a única realizada em Curitiba, na medida em que a cidade ainda sediaria outra em 2011; ela é, provavelmente, a mais célebre.

Sem sombra de dúvidas, seu maior legado é o da firme instransigência na oposição contra toda e qualquer forma de tirania, o que, com efeito, representa a própria essência do múnus público advocatício.

Senhoras e senhores,

Essas breves considerações evidenciam a absoluta necessidade de se manter sempre presente o espírito da heroica Conferência de 1978 e de sua Declaração de Curitiba.

Por esse motivo, o Conselho Federal da OAB elegeu Raymundo Faoro como Patrono da XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, a qual, realizada em São Paulo, em 2017, tive a honra e o privilégio de presidir.

Por conseguinte, felicito a valorosa advocacia paranaense, em virtude da promoção deste importante evento, que evoca a memória de um marco fundamental para a nossa Instituição e para o nosso País.

Saúdo toda a advocacia do Estado do Paraná na pessoa do Presidente José Augusto Araújo de Noronha, cujo meritório trabalho e incansável determinação lhe alçaram à estatura de liderança nacional.

Antes de terminar esta sucinta exposição, cumpre-me ressaltar que a VII Conferência Nacional da OAB não é somente um capítulo na história. Ao contrário, ela é, acima de tudo, um ensinamento para o presente.

Sua profissão de fé em favor do Estado de Direito deve, a todo momento, inspirar os advogados em sua fé na profissão. A advocacia é o ofício da liberdade, da cidadania, da justiça, dos direitos sociais. Além de um mister, é uma missão: compromisso inegociável com os valores civilizacionais mais elementares.

Essas lições, proferidas há quatro décadas, são especialmente relevantes nos dias atuais, quando a advocacia e a cidadania brasileira se veem confrontadas por tantos e tão graves desafios.

É preciso manter-se vigilante, pois muitas são as afrontas contemporâneas ao sagrado direito de defesa e a presunção de inocência, como exemplificam as conduções coercitivas abusivas, o desrespeito às prerrogativas advocatícias, as escutas telefônicas ilegais, o uso de provas ilíticas e o abuso de autoridade.

O próprio habeas corpus, por cujo restabelecimento lutamos com tanto destemor, viu-se ameaçado recentemente, no âmbito das chamadas “10 medidas contra a corrupção” onde tivemos de atuar para assegurar que não tivemos retrocessos quanto à utilização do instituto da liberdade.

Como tenho dito, não se combate um crime cometendo outro crime. Justiça não é justiçamento; é nos termos da lei.

Assim, a todos aqueles que, supostamente motivados por objetivos nobres, cometem afrontas ao devido processo legal e à ampla defesa, alerto de antemão: a OAB nunca aceitou e nunca aceitará, jamais, qualquer violação das garantias fundamentais do Estado de Direito.

Afinal, evocando o discurso proferido pelo Presidente Raymundo Faoro na abertura da histórica Conferência Nacional da Advocacia de 1978:

“Onde quer que haja o advogado, onde quer que esteja o bacharel, aí deve estar a consciência jurídica do povo brasileiro em defesa do Estado de Direito”.

Muito obrigado.