A OAB Paraná sedia nesta sexta-feira (6) o II Encontro Estadual dos Professores de Direito do Paraná, que reúne docentes das faculdades de Direito do estado em um debate sobre os desafios do ensino jurídico. O presidente da OAB Paraná, José Augusto Araújo de Noronha, abriu o evento enaltecendo a importância do diálogo para repensar a educação. “Temos hoje mais de 2 milhões de bacharéis que não conseguiram a aprovação no Exame de Ordem, temos um universo de 90 faculdades de direito e várias outras em fase de aprovação pelo MEC. Esta é a realidade”, disse.
“Uma pesquisa realizada pela OAB apontou que num universo de 63 mil advogados, 55% recebem menos que o auxílio moradia dos magistrados. Sobrevivem. Nós não podemos fugir deste debate”, sustentou Noronha. “Os números do Exame de Ordem também são reveladores. Se elevássemos a nota de corte da 1ª fase de 5 para 6, 92% dos candidatos seriam reprovados. Passariam para a 2ª fase apenas 8%. Precisamos debater esta realidade. Precisamos debater o Exame de Ordem que nós queremos. Precisamos lutar por um ensino jurídico de qualidade e saber o que a projeção do mercado nos revela”, pontuou Noronha.
De acordo com a presidente da Comissão de Estágio e Exame de Ordem, Juliana Colle Bretas, o evento começou a ser pensado em 2016, quando a OAB sediou o I Encontro Estadual dos Coordenadores de Curso de Direito e de Núcleos de Práticas Jurídicas do Paraná. O objetivo, frisou a conselheira estadual, é discutir o ensino jurídico com quem o faz, expor questões relativas ao Exame de Ordem, debater sobre sua evolução ao longo do tempo e sobre os desafios.
“Hoje nos reunimos aqui para a troca de ideias, experiências, diálogo, fomento de inovações, tudo em prol do constante aperfeiçoamento da educação jurídica em nosso estado. Queremos que este seja um espaço de contínuo aperfeiçoamento”, afirmou Juliana.
O presidente da Comissão de Educação Jurídica da seccional, Rodrigo Sanchez Ríos, enalteceu a importância da figura do professor como um referencial ético para os acadêmicos, citando a homenagem que o escritor francês Albert Camus fez ao seu professor primário, Louis Germain, ao ser reconhecido com o Prêmio Nobel em 1957. “Além de manifestar nossa dívida com estes formadores, a OAB busca levar ao máximo o espírito crítico das nossas comissões para debater o momento que vive o ensino jurídico no país”, afirmou.
A criação de novas diretrizes curriculares e a criação do curso superior de tecnólogo de serviços jurídicos estão entre os focos dos debates, que seguem até o sábado (7).
“Vejam a importância deste evento: debater as novas propostas de diretrizes curriculares e a implementação de cursos técnicos e tecnólogos em serviços jurídicos, aprovado ontem (5/10) pelo Ministério da Educação. Precisamos debater isso. Quais as razões para se abrir este curso que terá duração de dois anos? Qual o efeito que isso terá no quadro de professores? Quais os docentes que vão participar da formação destes profissionais. Será que os reflexos deste curso também não interessam ao Ministério Público? À magistratura? Será que apenas a OAB deve ser porta voz deste debate? Qual o efeito que terão estes profissionais no mercado de trabalho? Estes dois assuntos já justificam a necessidade deste encontro”, ponderou Rios.
Reflexões
O primeiro painel do evento tratou do tema “Perplexidades diante das novas diretrizes curriculares”. A jurista Katya Kozicki (UFPR e PUC-PR) abriu os trabalhos propondo uma reflexão sobre os profissionais de Direito que se espera formar. “Quais as habilidades e competências que esperamos do profissional em formação? A resposta não está dissociada do mercado de trabalho no qual ele vai estar inserido. Quais são as possibilidades hoje? Quais são as portas que se abrem? Quais portas já estão fechadas?”, questionou.
Katya pontuou que existem no mundo 1100 cursos de Direito. “Nós temos no Brasil mais cursos do que no restante do mundo. Nos EUA, que tem uma população maior, há 232 cursos de Direito. Lá a busca por estes cursos é decrescente neste momento, ao passo que no Brasil a busca é ascendente. Por que tantos cursos de Direito no país? Onde está a necessidade de formarmos efetivamente dezenas de milhares de bacharéis em Direito por ano? Acredito que estamos falando de uma saturação do mercado de ensino jurídico”, disse.
Para além de pensar os instrumentos jurídicos que regulamentam o ensino do Direito, defendeu a professora, a pergunta que se coloca é qual o papel dos cursos de direito na sociedade que temos hoje. “O mundo virtual nos coloca outras demandas. Na realidade atual não podemos mais trabalhar sob o ponto de vista da solução de conflito individual. E essa ainda é a perspectiva que norteia o ensino de direito. Temos que mudar a nossa perspectiva sobre o ensino do direito”, sustentou Katya.
Rodrigo Sanchez Ríos também participou do primeiro painel. O professor pontuou que o número de graduados é maior do que o mercado pode suportar. “Por isso, muitos profissionais acabam sendo subutilizados. Um forte traço cultural brasileiro levou muitos a depositarem na graduação a expectativa de inserção e reconhecimento social. A graduação também passa pela busca da construção da própria dignidade enquanto cidadão”, avaliou.
Segundo os dados mais recentes divulgados pelo MEC, na Sinopse Estatística da Educação Superior referente ao ano de 2015, neste período o Paraná contabilizava 90 cursos de Direito. Destes 11 eram ofertados por instituições públicas e 79 por instituições privadas. “A desproporção destes números se reflete também na proporção de matrículas: são 5.167 inscritos em instituições públicas e 47.70 nas privadas. Se comparamos aos outros estados brasileiros os números serão ainda mais estarrecedores”, afirmou Rios.
“Ao mesmo tempo em que a procura pelo curso representa a busca da sociedade por conferir mais dignidade aos cidadãos, há o outro lado da moeda. O aumento da demanda proporcionou o aumento da oferta. O se verificou aí é a mercantilização do ensino jurídico. Isso tem implicações também sob a perspectiva do docente, que vê desprestigiada a sua atividade”, alertou Rios.
Também foram discutidos ao longo da tarde o perfil do acadêmico de direito na atualidade, o exame de ordem, os novos rumos da educação jurídica no Brasil, novas metodologias de ensino e pesquisa nos cursos de Direito e os desafios dos núcleos de prática jurídica.
Neste sábado (9), o jurista Egon Bockmann Moreira encerra o evento. Sua palestra tem como tema “A educação jurídica e o Exame de Ordem no Brasil e na experiência comparativa”. Às 11h está prevista uma homenagem aos decanos do magistério das faculdades de direito mais antigas do Paraná.
OAB Nacional irá à Justiça contra cursos técnicos em serviços jurídicos
ensino jurídico
A OAB Nacional anunciou nesta sexta-feira (6) que vai à Justiça para barrar a autorização concedida pelo Ministério da Educação para a implementação de cursos técnicos e tecnólogos em serviços jurídicos . A entidade tem criticado duramente este “embuste”, que é apenas mais uma expressão da mercantilização do ensino promovida pelo MEC. A OAB Paraná manifestou sua posição contrária à criação de cursos técnicos em diversas oportunidades, criticando especialmente a falta de debate com a comunidade acadêmica e com a Ordem dos Advogados do Brasil. Para a OAB, o aval para cursos de tecnólogo na área do Direito poderá criar uma classe indefinida de profissionais.