A crise afeta os contratos e a nossa vida real

Também no painel sobre Direito Administrativo, o jurista Egon Bockmann Moreira, professor de Faculdade de Direito da UFPR e membro da Comissão de Direitos Constitucionais da OAB-PR, abordou o tema “Contratos Administrativos em Tempos de Crise”. Uma crise, ressalta, permanente – que se prolonga há no mínimo três anos no Brasil e que tem origem e gera efeitos nos contratos administrativos. “As crises usuais são resultado de fatos, uma consequência. Já a crise permanente que estamos vivendo inverte essa lógica: ela é a razão dos fatos. Não se licita, não se lança editais, não se contrata e não se fazem acordos porque se está em crise”.

Egon lembrou que os brasileiros “respiram” contratos administrativos em suas rotinas – telefone celular, água e energia, ferrovias e rodovias, todos esses serviços, tidos como públicos ou não, são viabilizados por meio de contratos administrativos de longo prazo. “Essa crise, portanto, incide em nossa vida real, em nosso dia a dia como cidadãos e também como advogados.”

Nesse cenário, é importante que a sociedade tenha serenidade, incluindo o poder público e a comunidade jurídica. As perspectivas de curto e médio prazo, opina, não são alvissareiras. “Vivemos problemas muito delicados, e que nos impõem vários desafios e não nos permitem entusiasmos.”

Mas o principal temor agora, para o jurista, é a possibilidade de que essa crise permanente abra as portas do retrocesso – como ocorreu recentemente em outros países. “Em Portugal, os servidores públicos tiveram diminuição de seus vencimentos da ordem de 30% a 40%. Na Espanha, um sistema de saúde tido como exemplar deixou de ser universal e passou a ser securitário: dependendo da idade, o cidadão não tem acesso ou tem acesso restrito”.

Portanto agora, mais do que nunca, é preciso de serenidade e não de decisões intempestivas. Mas, no Brasil, ressalta, questões políticas ainda costumam se sobrepor.

No caso dos contratos administrativos, como um estado fiscal em crise pode conviver? Como fazer para aumentar volume de contratos e não aumentar as despesas?

Os contratos de investimento – nos quais quem faz o aporte é o investidor privado e quem paga, depois, não é o contribuinte geral, mas o usuário dos serviços – se bem usados podem ser uma forma de atenuar o problema da escassez de recursos e concretizam projetos de longo prazo. “Aqui temos uma decisão política fundamental. Normalmente são contratos que perduram por quatro ou mais mandatos.”

Rompimento

Um outro grande problema ainda é o desfazimento unilateral dos contratos administrativos, ainda comuns no país. Uma solução, conta Egon, pode ser o Projeto de Lei 449-2015, já aprovado no Senado e em trâmite na Câmara, que tenta adaptar a lei de introdução do Código Civil ao direito público dos negócios. “Em outras palavras, tenta fazer com que o administrador pense no dia seguinte. Um artigo prevê que qualquer decisão que invalide um contrato deve necessariamente indicar, de modo expresso, as suas consequências”, explica.

A medida, para o jurista, pode trazer mais segurança jurídica e dar mais confiança aos contratos. “Esse dispositivo vai tornar o rompimento de contratos bem mais trabalhoso, e, num segundo momento, mais eficaz. Vai haver uma lógica da responsabilidade”, finalizou.