Artigo da Comissão da Criança e do Adolescente fala sobre Doutrina da Proteção Integral

Maria Christina dos Santos, membro da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB Paraná elaborou um artigo com o tema “A doutrina da Proteção Integral e o uso das tecnologias digitais”, em comemoração aos 27 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Confira a íntegra:

A doutrina da Proteção Integral e o uso das tecnologias digitais

A Doutrina da Proteção Integral, introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pelo artigo 227 da Constituição Federal, constitui-se na base filosófica da Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – E.C.A.).

Segundo essa Doutrina, a família, a sociedade e o Estado têm o dever de assegurar à criança e ao adolescente a efetivação de direitos, com absoluta prioridade, por se encontrarem numa fase peculiar de desenvolvimento caracterizada por alterações físicas, psíquicas e sociais.

Mas que direitos são esses? São direitos humanos fundamentais, tais como o direito à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito, à dignidade, à convivência familiar e comunitária, à educação.

A família é reconhecida constitucionalmente como “base da sociedade” e os pais, independentemente de sua situação conjugal, possuem deveres e obrigações, consistentes na prestação de assistência material, moral, afetiva e educacional aos filhos. Todavia, carecem da cooperação da sociedade e do Estado para cumprir o seu papel, uma vez que a autonomia da pessoa em processo de amadurecimento biopsicossocial só é alcançada em suas relações de vizinhança, na escola, na igreja, no clube e em outros espaços de socialização.

Acrescido a isso, segundo o artigo 18 do E.C.A., “é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.”

Mas, como se dá a aplicação da proteção integral em plena e acelerada revolução cibernética? Que cuidados devem ser tomados ao se constatar a inserção de crianças, cada vez mais precocemente, no mundo virtual, navegando na internet, participando de jogos eletrônicos, tendo acesso a smarthphones e a tablets e utilizando tais equipamentos sem criticidade? O uso de tecnologias de informação e comunicação requer muita cautela e atenção por parte dos pais. Segundo Pinheiro  (2016), estes detêm a responsabilidade civil de vigilância digital dos filhos, considerando-se os riscos a que estão expostos, dentre os quais a pedofilia e o cyberbullying. O artigo 29 da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), inclusive, prevê o controle parental de conteúdo entendido por ele como impróprio a seus filhos com idade inferior a 18 anos.

Se, por um lado, os pais podem ser responsabilizados por “abandono digital”  (PINHEIRO, 2016) – negligência configurada na omissão de cuidado no que se refere à segurança no ambiente virtual, que resulta em situação de vulnerabilidade ou risco (ALVES, 2017) –, de outro vértice, devem observar a efetivação do direito ao respeito que, segundo o artigo 17 do E.C.A. implica na “[…] inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral […] abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”.

Esse direito pode ser assegurado pelo controle parental adequado, por meio de: a) orientação sobre o uso de equipamentos eletrônicos; b) esclarecimento de dúvidas quanto a riscos potenciais; c) supervisão segura e permanente; d) imposição de limites quanto ao período de uso; e) instalação de equipamentos de monitoramento; f) bloqueio de acesso a conteúdos inadequados (SANTOS, 2015).

O Estado, por sua vez, tem o dever constitucional da prestação da educação, cabendo à escola incluir, em todos os níveis de ensino, a capacitação associada a outras práticas, voltada ao uso seguro, consciente e responsável da internet como ferramenta, conforme estabelecido no artigo 26 do Marco Civil da Internet. Essa tarefa transcende “o aprender a usar os novos meios tecnológicos na educação”. Implica em “pensar as tecnologias para a educação” (AXT, 2000, p. 56, apud TONO, 2017, p.33).

REFERÊNCIAS

ALVES, Jones Figueiredo. Negligência dos pais no mundo virtual expõe criança a efeitos nocivos da rede. In: Revista Consultor Jurídico, 15 de janeiro de 2017. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-jan-15/processo-familiar-abandono-digital-expoe-crianca-efeitos-nocivos-internet>. Acesso em: 10 abr. 2017.

PINHEIRO, Patrícia Peck. Abandono digital. In: PINHEIRO, Patrícia Peck (Org.) Direito Digital Aplicado 2.0. 2ª. ed. São Paulo: Thompson Reuters/Revista dos Tribunais, 2016.

SANTOS, Jocelaine. Uso de tecnologia por crianças: benefício ou perda da infância?  2015. Disponível em: <http://www.semprefamilia.com.br/uso-de-tecnologia-por-criancas-beneficio-ou-perda-da-infancia/>. Acesso em: 10 abr. 2017.

TONO, Cineiva Campoli Paulino. Tecnologia e dignidade humana: mecanismos de proteção das crianças e adolescentes na era digital. Curitiba: Juruá, 2017.