Artigo de presidente de comissão da Seccional lembra os 70 anos do CPP

O jornal Gazeta do Povo publicou nesta quarta-feira (5) um artigo do jurista e presidente da Comissão de Advocacia Criminal da OAB Paraná, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, sobre os 70 anos do Código de Processo Penal. Leia o texto na íntegra: 

Código de Processo Penal faz 70 anos
Jacinto Nelson de Miranda Coutinho

O CPP já nasceu doente, com grave déficit democrático e sua história acabou por selar sua sorte: aos 70 anos mereceria uma aposentadoria compulsória
O código mais contestado do Brasil é o Código de Processo Penal (CPP). E não é para menos. Na segunda-feira passada fez 70 anos. Veio a lume durante a ditadura de Vargas por um decreto-lei, o de n.º 3.689, de 3 de outubro de 1941. Mas o problema dele não diz só com a idade. Afinal, ter 70 anos hoje não representa muito se a pessoa está em boa forma, goza cada momento como se deve e vive a vida sem as grandes dificuldades de outros tempos.
O CPP, porém, já nasceu doente, com grave déficit democrático e sua história, marcada por reformas parciais que o desestruturaram como sistema, acabou por selar sua sorte: aos 70 anos mereceria uma aposentadoria compulsória. Talvez uma morte merecida, por emperrar a sociedade brasileira em um dos pontos mais sensíveis ao cidadão, ou seja, o nível mais delicado onde pode o Estado se imiscuir no espaço individual e lhe retirar a liberdade de ir e vir com a prisão.
O processo penal é o mecanismo racionalmente construído que se coloca entre a prática do crime (regulada pelo Direito Penal) e uma eventual imposição da pena. Natural que no Estado Moderno tivesse se tornado uma garantia do cidadão. Mas resiste à democratização porque tendo uma matriz inquisitorial presta-se a combater “um” inimigo, nem que ele seja tão só “um” diferente. E foi assim desde o início (1215, no IV Concílio de Latrão), contra os “hereges”; e depois os vários inimigos internos, razão por que serviu e serve aos regimes de força (nazismo, fascismo, stalinismo e assim por diante) tanto quanto àqueles nos quais a cidadania não ganha o seu devido lugar. Seu resultado é conhecido: acabam presos, de regra, os que menos têm (eis aí “os outros”) e os que mais têm são imunizados pelo próprio sistema, razão pela qual se fala tanto de impunidade mesmo que se tenha mais de 500 mil presos no país, isso é, a terceira maior população carcerária do mundo; e ela custe caríssimo.
Ora, isso é sintoma – compreensível a todos – de que se não pode só seguir punindo e prendendo “aos outros”, “aos diferentes”, “aos inimigos”; e sim que é preciso, em respeitando a isonomia constitucional, atingir a todos os que cometem crimes, por sinal um desejo nacional que se reflete das mais variadas formas, quase todas equivocadas porque marcadas pelo aumento puro e simples da repressão. Isso, por óbvio, sempre foi errôneo, não fosse, antes, ingênuo, porque a imunização do sistema atinge justo àqueles aos quais se quer chegar. Eis, enfim, por que os grandes inimigos (no discurso) dos grandes e pequenos bandidos acabam sendo os maiores defensores dos grandes bandidos. Manter o sistema como está é defender a eles.
Por primário, isso não se dá em razão desses terem advogados conhecidos, usarem a Constituição e as leis em sua defesa e recorrerem quando permitido como, de regra, querem justificar os “repressivistas” incautos e os justiceiros. Não! Usar legitimamente as leis é direito de todo cidadão, mas nem todos as usam, quiçá em razão da Defensoria Pública ainda não ter a dimensão que deve ter. Pois é cumprindo as regras postas (e não passando por cima delas) que se chega, sem dúvida, ao lugar que se pretende. Dever de todos, é a obrigação primeira do Poder Judiciário.
Um devido processo legal (due process of law), contudo, não tem espaço no CPP de 70 anos e, portanto, não há constitucionalidade que o sustente. Urge um novo CPP; e não mais remendos como se vem fazendo. Para tanto, é preciso discutir seriamente o Projeto de Lei do Senado n.º 156/09, que traz um novo CPP de cariz constitucional e democrático. Com ele tem-se a chance de fazer vingar a isonomia tão almejada por todos no campo penal.

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, professor titular de Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da UFPR, é especialista em Filosofia do Direito, mestre, doutor (Università degli Studi di Roma La Sapienza) e membro da Comissão Externa de Juristas do Senado Federal que elaborou o anteprojeto de CPP, hoje Projeto nº 156/2009-PLS.

Fonte: Gazeta do Povo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *