O jornal Gazeta do Povo publicou na edição desta segunda-feira (26), uma entrevista com o presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante, que esteve em Curitiba na última sexta-feira (23). Na entrevista, Ophir fala da necessidade de reforma política no país. O assunto também foi abordado em reportagem publicada pela Folha de Londrina na edição de sábado (24). Confira o texto do jornal Gazeta do Povo na íntegra:
OAB desafia candidatos a falar da reforma política
O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, decidiu tocar em um tema espinhoso para os políticos neste período eleitoral: a necessidade de discutir mudanças na forma como eles se elegem. Para Cavalcante, os candidatos à Presidência da República deveriam debater a reforma política. “Parece que há um tabu; um medo em se falar disso”, disse Cavalcante, em entrevista à reportagem da Gazeta do Povo, em meio a uma passagem por Curitiba na última sexta-feira. Na entrevista, ele conversou sobre limites da campanha eleitoral, reforma política e reforma do Judiciário.
As últimas semanas foram politicamente movimentadas com troca de acusações entre PT e PSDB. Mesmo o presidente Lula tem participado da campanha presidencial, sendo inclusive multado pela Justiça Eleitoral. O senhor acha que há risco dessa situação sair da normalidade?
A disputa e o calor da eleição são muito salutares e isso faz parte do processo democrático. No entanto, é necessário que haja alguns parâmetros. Não podemos conceber a eleição como um vale-tudo. Eleição é busca por voto. É convencimento por propostas. É exposição dos seus programas. Mas com limites, limites éticos e morais. E de educação também. Portanto, essa situação atual me preocupa muito. E o grande balizador de tudo isso deve ser o Judiciário. O Judiciário deve ter a mão forte e o pulso forte para impor algumas barreiras que são necessárias para que a disputa eleitoral não descampe para uma luta campal. Isso pode inclusive repercutir na segurança das eleições. É necessário que cada um dos personagens tenha a exata noção do seu papel, sobretudo os que almejam o maior cargo, que é o de presidente da República.
O senhor acha que a Justiça Eleitoral tem conseguido dar conta desse desafio?
A Justiça Eleitoral ainda está iniciando esse processo. É agora que as armas estão sendo postas em campo e me parece conveniente que a Justiça estabeleça os parâmetros disso. Eu fiz uma comparação que saiu em alguns jornais dizendo que enquanto não houver disciplina por parte do árbitro, os jogadores vão dar bordoadas nos outros. Quando ele começa a dar o cartão vermelho, as coisas começam a se arrumar. A Justiça Eleitoral precisa começar a mostrar o cartão vermelho para pautar os princípios da lei. Ninguém está acima da lei: nem o presidente da República, nem ninguém.
O senhor acredita que, a partir da campanha deste ano, possam surgir sugestões para mudanças na legislação eleitoral?
Há necessidade, com certeza, de se fazer uma modernização da legislação eleitoral adequando-a à nossa realidade. Nós vimos que as pré-campanhas, na verdade, eram campanhas. Nós precisamos evoluir, dentro de uma discussão democrática, para dizermos como queremos as eleições e isso passa pela nossa proposta de reforma política. Só poderá haver evolução acabando com os caciquismos, com os clientelismos, com os donos de partido e com os donos da política. E isso só ocorre se tivermos a reforma política. Com a reforma, pode se proporcionar equilíbrio maior de forças, sobretudo em relação ao poder econômico.
Gostaria muito de ouvir os candidatos, sobretudo os candidatos à Presidência, sobre as propostas deles para a reforma política. Eles ficam com medo de tocar nesse assunto porque temem desagradar A ou B, aqueles que os apoiam. E isso é muito ruim para o Brasil. Lanço aqui, no Paraná, esse desafio para todos os candidatos: falem com a sociedade sobre seus projetos de reforma política, se é que eles existem.
Os candidatos aos cargos do Congresso também não falam sobre o assunto…
Precisam falar. Os candidatos à Câmara e ao Senado precisam falar sobre isso. E os próprios partidos precisam falar sobre isso. Parece que todos têm medo de comentar sobre a reforma política. Isso é algo que nos preocupa.
Quais os pontos da reforma política que a OAB propõe?
São pontos que não estão fechados e que precisam ser discutidos com a sociedade. Mas defendemos o financiamento público de campanha, o voto em lista fechada [quando o eleitor vota no partido e não no candidato] e o fim da reeleição no Executivo.
São propostas que não estão fechadas e por isso queremos ouvir a sociedade e os candidatos. Defendemos também um plebiscito sobre o fim do voto obrigatório. Queremos fazer um amplo debate e depois entregar essas propostas ao próximo presidente. Sabemos que, sem o apoio do presidente, isso não avança no Congresso.
O senhor acha que a reforma do Judiciário cumpriu seu papel. Ainda há o que ser feito?
Em relação à reforma do Judiciário, avançou-se bastante, sobretudo em relação ao controle externo da Justiça. Era algo que a Ordem sempre acreditou e lutou. E hoje as entidades fiscalizadas [Judiciário e Ministério Público] estão convencidas de que o controle externo é essencial para correção de rumos e planejamento. É evidente que ainda falta dar maior celeridade ao processo…
… Em relação ao rito de tramitação dos processos…
Exatamente. Por isso temos duas discussões muito importantes. Em relação ao Código do Processo Civil já há um projeto, de uma comissão de juristas designada pelo presidente do Senado, que está em tramitação. É uma proposta inovadora, que diminui ritos sem prejudicar o amplo direito de defesa e os recursos inerentes. E há uma comissão de juristas que discutiu o Código de Processo Penal para fazer uma revisão. Isso também está chegando ao Senado.
O senhor tem defendido a liberdade de imprensa. Qual o papel dela no processo eleitoral?
A liberdade de imprensa e a liberdade de expressão são o coração da democracia. Não podemos falar em democracia sem imprensa livre. É fundamental que nós, advogados, e a sociedade civil firmemos essa aliança. Essa aliança estabelece hoje o quarto poder da República. Esse é um poder que não podemos abrir mão. Graças à atuação da imprensa e da sociedade civil organizada, o poder público pensa duas vezes antes de cometer arbitrariedades e irregularidades. Nós não podemos abrir mão dessa liberdade e, aqui no Paraná, mostramos preocupação com o ataque que vem sendo feito à imprensa paranaense [na semana passada, a sede da RPC TV foi alvo de um atentado a bomba e a OAB emitiu uma nota de repúdio]. A Ordem está ao lado da imprensa do Paraná, no sentido de defender essa liberdade.
Fonte: Gazeta do Povo