OAB condena uso da máquina pública em favor de candidatos

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, ao destacar a importância do ano eleitoral para o país, advertiu que a entidade está atenta "às práticas que estimulam políticos a condutas intempestivas em períodos pré-eleitorais, muitas vezes – e escancaradamente – usando a máquina do Estado em favor de seus candidatos". Ele alertou também contra "práticas que transformam milionárias verbas publicitárias em instrumento promocional e que, na ausência de qualquer outro mecanismo de transparência, como seria o financiamento público de campanhas, alimentam o famigerado caixa dois e os abusos do poder econômico e do poder político". As afirmações foram feitas em discurso na abertura do Colégio de Presidentes de Conselhos Seccionais da OAB, em Fortaleza (CE), na noite de quinta-feira (27).

O presidente nacional da OAB sustentou também que, nestas como em outras ocasiões de grande mobilização nacional, a entidade é chamada e está pronta a se postar ao lado da sociedade. "Se temos (e temos!) responsabilidades para com o fortalecimento das instituições e da democracia, este é o momento de levarmos adiante os nossos posicionamentos", sustentou Ophir Cavalcante, que defendeu a reforma política. "Devemos reconhecer que ainda estamos longe de uma política de ‘cara limpa’ enquanto o Parlamento não se dispuser a promover a mais temida e adiada das reformas: a reforma política", disse, destacando que um passo importante já foi dado com a aprovação pelo Congresso do projeto de lei popular do Ficha Limpa. Ele anunciou que a OAB Nacional promoverá em novembro o Seminário Reforma Política – Um Projeto para o Brasil para discutir a questão com a sociedade, cujo resultado será entregue ao  presidente da República eleito.

A seguir, a íntegra do discurso do presidente nacional da OAB em Fortaleza:
Senhoras e Senhores,
Ao saudar os Senhores Presidentes, Diretores, Conselheiros Federais, Ex-Presidentes do Conselho Federal, Presidentes e Diretores de Caixas, Conselheiros Seccionais, Presidentes e Diretores de Subseções, os colegas advogados Conselheiros do CNJ e CNMP; ao saudar as esposas de Presidentes, ex-Presidentes, Presidentes e Diretores de Caixas e dos Diretores do Conselho Federal e a minha própria; ao saudar as autoridades aqui presentes; ao saudar as advogadas e advogados do Ceará; ao saudar todos que nos prestigiam nesta cerimônia, quero expressar, em nome da Ordem dos Advogados do Brasil, as minhas mais efusivas e carinhosas  homenagens ao povo do Ceará, na figura do nobre presidente da Seccional deste valoroso Estado, advogado Valdetário Andrade Monteiro.
O Ceará está cravado na Região Nordeste, representando com muita dignidade, competência e altivez esse maravilhoso povo nordestino, que muito orgulho empresta ao Brasil. É inegável que o Ceará constitui berço de grandes tradições.
Berço de liberdade. Berço de cidadania. Berço de civismo. Berço de brasilidade, em cujas praias banham-se não apenas as utopias de Iracema, mas de um povo miscigenado nas cores da esperança de um Brasil soberano.
De um Brasil forte. De um Brasil justo. De um Brasil mais igual. De um Brasil mais livre. De um Brasil mais cidadão.
A Ordem dos Advogados do Brasil é uma entidade de resistência e lutas, de defesa radical da sociedade, características que se identificam plenamente com este pedaço vigoroso de nosso País.
Ao Colégio de Presidentes das Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil quero transmitir mais que uma palavra amiga de congraçamento, mais que uma calorosa saudação pelo reencontro. Faço questão de transmitir a minha palavra de alerta e de mobilização, de convocação cívica e de participação engajada em torno do ideário de nossa entidade.
Costumo dizer e repito aqui: quando a Ordem dos Advogados levanta a sua voz, tem plena consciência de que não reverbera apenas uma classe, cujos problemas são muitos e complexos, sabemos todos, a exigir permanente vigilância de seus dirigentes. A Ordem traz consigo também o clamor das ruas, em virtude de sua legítima e incontestável participação nos momentos mais agudos de transformação do País.
Conduzo-me, agora, para uma questão que está na pauta do dia, quando novamente a Ordem é chamada a se postar ao lado da sociedade.
Estamos às vésperas de um processo eleitoral, que irá escrever uma nova página na história democrática contemporânea.
A Ordem não tem partido, não entra no jogo partidário nem negocia prestígio. Esta é uma verdade inconteste. Mas a Ordem faz política, sim senhor. Incoerente e irresponsável seria se ficássemos à margem dos debates em torno das relevantes questões nacionais que o presente momento suscita.
Mas antes que estas palavras sejam interpretadas como um desvio dos nossos compromissos, evoco a memória de um dos maiores poetas que este Brasil já concebeu, cearense da gema, da Serra de Santana, Patativa de Assaré.
Disse ele:
"Se ser político é reclamar das injustiças, então, eu sou político".
Vou mais além: Direito e Política, por mais que se queira separá-los, são conceitos que interagem entre si, pois todo acontecimento político, social ou econômico tem uma dimensão jurídica.
A política, ensina Rui Barbosa, nosso patrono e também nordestino, transformou o Direito Privado, revolucionou o Direito Penal, instituiu o Direito Constitucional e criou o Direito Internacional. É o próprio viver dos povos, é a força ou o Direito, é a civilização ou a barbárie, é a guerra ou a paz.
Exercitemos, portanto, a política da cidadania para que sejamos os agentes de nossa própria história, e não o alienado de que fala Bertolt Brecht – o alienado que ao virar as costas à luta permite nascer a prostituta, o menor abandonado e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, corrupto e lacaio, sem qualquer compromisso com a sociedade e sim com os seus próprios e inconfessáveis interesses.
A corrupção é um mal que nos assola mundialmente, mas que em que países em desenvolvimento, como o Brasil, tem uma repercussão ainda mais grave por retirar do pobre a saúde, a educação, a segurança, o acesso à Justiça, para dizer o mínimo.
Senhores Presidentes,
Senhoras e Senhores,
Termos sido eleitos para presidir a OAB foi uma conquista, mas não podemos deixar de reconhecer que estamos diante do desafio de inserir cada vez mais a Ordem dos Advogados nos novos tempos.
Por isto que, quando assumimos, iniciamos com ações concretas de combate intransigente à corrupção, demonstrando que chegamos não para fazer discurso vazio ou meramente teórico. Fomos à prática, como ocorreu durante um dos mais ultrajantes escândalos políticos, envolvendo distribuição de dinheiro público e tentativa de extorsão de testemunhas no Distrito Federal.
Ao defender o afastamento do então governador José Roberto Arruda, a Ordem dos Advogados do Brasil agiu como intérprete dos anseios da sociedade que já não mais suportava outra figura pública desdenhar da lei, num desafio à Justiça e à sociedade, certamente sob o pálio da impunidade que ainda não foi extirpada no nosso País. Seria mais um daqueles casos em que a sociedade ficaria num plano secundário, bem abaixo dos interesses privados de alguns poucos.
Ao mesmo tempo, ao menor sinal de desrespeito ao sagrado direito de defesa do então governador, quando este permanecia detido nas dependências da Polícia Federal, a OAB prontamente acionou todos os mecanismos para garantir total e plena liberdade de atuação dos advogados.
Sinto-me no dever de relembrar esses fatos porque eles se tornaram emblemáticos. Agora, estamos novamente mobilizados em torno do Projeto de Lei Complementar n. 518/2009, conhecida como "Ficha Limpa". Trata-se de mais um passo para o aperfeiçoamento das instituições, ao impedir a eleição de políticos de "cara suja", cujo passado até então não condenava, mas, ao contrário, até os absolvia para que continuassem a tramar contra os interesses da sociedade.
Nunca é demais lembrar que esse projeto nasceu da mobilização popular, de quase dois milhões de assinaturas de cidadãs e cidadãos motivados por um só sentimento: basta de corrupção! Basta de usar os mandatos como instrumento da impunidade! Basta de tratar a política como um negócio privado!
Assim como ocorreu em 1999, quando da aprovação de outro projeto de iniciativa popular, destinado a punir a prática de compra de voto dos eleitores, a Ordem dos Advogados do Brasil somou esforços juntamente com outras entidades representativas da sociedade civil. E ainda que contrariando alguns poucos interesses, fez-se presente na construção deste novo instrumento da sociedade, fundamental para que a vontade popular possa se expressar no ordenamento legal do País.
Desse movimento tiramos a lição de que o primado da ética na política só irá prevalecer quando toda a sociedade, de mãos dadas, assim o exigir. E só assim faremos com que os valores da ética e da moralidade, da transparência e da verdade da maioria integrem o vocabulário do poderes constituídos.
Mesmo assim, Temida porque não vemos outra explicação para a inércia quando se trata de admitir equívocos, injustiças, casuísmos, favorecimentos e outras práticas incompatíveis com o processo democrático.
Práticas que estimulam políticos a condutas intempestivas em períodos pré-eleitorais, muitas vezes – e escancaradamente – usando a máquina do Estado em favor de seus candidatos. Práticas que transformam as milionárias verbas publicitárias em instrumento promocional e que, na ausência de qualquer outro mecanismo de transparência (como seria o financiamento público das campanhas), alimentam o famigerado "caixa dois" e os abusos do poder econômico e do poder político.
Há décadas o País aguarda essa iniciativa. Mas paciência tem limites, e de tanto esperar a sociedade toma a reforma com as próprias mãos, no penoso trabalho de recolher assinaturas nas ruas, nos templos religiosos, nas associações, nos clubes, nas praias, nos shoppings, nos estádios de futebol…
Basta! Se temos (e temos!) responsabilidades para com o fortalecimento das instituições e da democracia, este é o momento de levarmos adiante os nossos posicionamentos. Ainda que seja necessário repensarmos o instituto da reeleição e da duração dos mandatos para cargos majoritários, devemos encarar essa discussão como imprescindível para o aprimoramento do processo democrático.
Não temos uma proposta pronta e acabada, mas temos disposição para o debate, aqui e agora, aperfeiçoando a nossa leitura sobre o Brasil que queremos. Informo que, este será o tema central do Seminário Reforma Política, Um Projeto de Brasil, que realizaremos em novembro, em Brasília, como parte das comemorações dos 80 anos de vida de nossa entidade. As conclusões deste seminário, para o qual convidaremos os segmentos mais representativos da sociedade, serão entregues ao futuro presidente da República eleito nas urnas.
Mas não é só.
O advogado, em toda a sua plenitude, deve ser sempre o alvo maior das nossas preocupações, pois sem ele, sua família e a sua saúde, a Ordem nunca seria o que hoje é. Destaco, portanto, o Colégio de Presidentes de Caixas, que neste momento também se reúne em Fortaleza em torno de um temário que irá, sem dúvida, resultar em ações concretas em defesa do bem-estar do advogado.
E é justamente porque o advogado é a razão de ser da nossa entidade, que devemos continuar firmes na defesa das prerrogativas profissionais, essenciais para o equilíbrio do processo e fundamentais para que se tenha, efetivamente, um real acesso à Justiça com os meios e recursos legalmente previstos.
Senhoras e Senhores,
Continuaremos firmes na qualificação profissional, fundamental para a credibilidade e respeito da advocacia, lançando as bases para que as Escolas Superiores de Advocacia, as ESAs, a partir de um projeto de educação continuada orientado pela Escola Nacional da Advocacia, possa atualizar os advogados nos mais distantes rincões desse imenso Brasil.
Ao lado disso, é importante destacar as esperanças que devemos depositar no Judiciário brasileiro, por sua contribuição na consolidação do Estado democrático de Direito. No particular, desejo destacar o papel exemplar que dos Conselhos Nacional de Justiça e Nacional do Ministério Público na defesa do correto funcionamento do Judiciário e do Ministério Público no Brasil, cortando na própria carne, quando necessário, ainda que um longo caminho tenha que ser percorrido até alcançar seu pleno aperfeiçoamento.
Para finalizar, concedo a palavra a José Saramago, este baluarte da língua portuguesa, para quem os sentimentos de indignidade e impaciência são necessários para alimentar nossas esperanças.
Abro aspas.
"Penso que, na prática, aconselhar alguém a que tenha esperança não é muito diferente de aconselhá-la a ter paciência. É muito comum ouvir-se dizer da boca de políticos recém-instalados que a impaciência é contra-revolucionária. Talvez seja, talvez, mas eu inclino-me a pensar que, pelo contrário, muitas revoluções se perderam por demasiada paciência. Obviamente, nada tenho de pessoal contra a esperança, mas prefiro a impaciência. Já é tempo que ela se note no mundo para que alguma coisa aprendam aqueles que preferem que nos alimentemos de esperanças. Ou de utopias."
Vamos, pois, ao trabalho. Ciente de que ao buscar o advogado o caminho da verdade e da justiça social, ele trilha na direção da indispensável moralidade dos atos humanos e do desempenho dos valores positivos da profissão, com inegável e benfazeja impaciência.
Aos companheiros Presidentes das Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, as minhas palavras finais de fé.
Fé na cidadania como condição indispensável à plena realização do ser.
Fé no engajamento de todos para a edificação dessa grande obra coletiva chamada Brasil.
Que Deus nos ilumine.

Fonte: Conselho Federal

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *