Conselheira da OAB Paraná questiona atos recentes de violência contra jovens

Em artigo publicado na edição desta sexta-feira (11) no jornal Gazeta do Povo, a conselheira estadual da OAB Paraná Marcia Carla Pereira Ribeiro discorre sobre os episódios de violência contra jovens, noticiados nos últimos dias. Confira o texto na íntegra:

 

O preço da alma

 

Nos últimos dias algumas notícias chamaram especial atenção por envolverem a morte de jovens. Uma delas trata de jovens na saída de eventos noturnos, normalmente indissociáveis de bebidas, e da exibição pessoal, palco da demonstração da virilidade masculina e da atratividade feminina.

 

Em outro quadro, jovens reunidos numa tarde de quinta-feira, sem nada para fazer, alternando-se entre programas sem interesse na televisão, a convulsão de aspirações criadas pela sociedade de consumo e a ausência dos pais, ocupados pelos afazeres profissionais e pela busca do sustento, cada vez mais árdua e insatisfatória. Numa terceira conformação, jovens instalados em morros que são transformados em quartéis de mentira, cuja maior fortuna é a titularidade da força. Em todos os quadros, um elemento comum: armas de fogo que são dirigidas, intencionalmente ou não, contra outro ser humano.

 

Num dos casos, quem usou a arma estava lá para a proteção de outro jovem, cuja mãe sofre ameaças há anos, em razão de sua atividade profissional voltada contra atividades criminosas. Uma mãe protegia um filho; outra mãe, sem poder fazê-lo com a mesma estrutura, perdeu um filho assassinado. No caso da saída da casa noturna e do morro, os responsáveis diretos pelas mortes alegaram que não tinham a intenção de matar, mas apenas assustar os desafetos do momento. No caso dos adolescentes a idéia era apenas brincar.

 

Em todas as situações, uma arma simbolizando sensação de poder – misturada a disputa e prova, explícita ou envolta num ambiente de brincadeira. Arma que, disparada, retirou vidas. Há a possibilidade de se encerrar a questão, ou pelo menos retirar o tema da ordem do dia, promovendo-se o pagamento de indenização. Será que os filhos mortos ajudavam no sustento da casa ou já estiveram detidos e produziram preocupação e gastos para seus familiares? Ou eram carinhosos e passavam por um momento de crise e perda de referencial? Todas estas considerações perdem espaço, um pedido de desculpas oficial e um cheque assinado ocupam o lugar no noticiário.

 

Qual é o preço da alma dos que perderam um foco de afeto? Da alma da mãe que vê a vida transtornada e os filhos obrigados a andar com seguranças? Da outra, que vive sem qualquer segurança quanto à vida do próprio filho, desprotegido? Da mãe que não via o filho há meses ou anos, perdido, solto, num mundo sem expectativa?

 

Há uma feira de livros em andamento em Paraty e, felizmente, noticiou-se que, segundo as últimas pesquisas, o brasileiro agora não lê em média apenas dois livros por ano. Em cinco anos, este número passou para quatro. Especialmente entre os jovens. Que bom! Quanto custa um belo livro de histórias? Uma filha disse que lê, todas as noites, histórias para a mãe e que adora ler. Esta mãe tem que parar seus afazeres, esquecer como o dia foi longo e ouvir as histórias selecionadas pela filha. E o faz. Ela diz que quer dar à filha as condições que não teve. A filha se sente enorme ao ser o agente que retém a atenção da mãe. Mais importante que todas as notícias do mundo, que todas as novelas repetidas. São instantes de poder, do maior deles, de ser importante perante os olhos de quem se ama.

 

Não há desenvolvimento sem liberdade e não há liberdade sem educação e saúde. Uma arma na mão não é sinônimo de poder, muito menos de liberdade, mas uma dependência criada na ignorância. E se os adolescentes que brincavam com a arma ilegal do pai de um deles estivessem em suas casas lendo, ou fazendo algo de útil? E se houvesse condições para o desenvolvimento e não quartéis em morro, filhos superprotegidos e filhos sem segurança?

 

Certamente as almas custariam bem mais do que o dinheiro pode pagar ou – quem sabe? – tão pouco quanto uma historinha lida num início de noite.

 

*Marcia Carla Pereira Ribeiro, doutora em Direito, é professora titular da PUCPR, professora-adjunta da UFPR e procuradora do estado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *