Ministra Cármen Lúcia fala sobre igualdade de gênero em evento na OAB Paraná

A OAB Paraná sediou na tarde desta quinta-feira (11/7) o Diálogo Interinstitucional sobre Equidade de Gênero, reunindo representantes das instituições do Sistema de Justiça do Paraná. O encontro, no auditório da seccional, contou com uma palestra magna da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a atuação com perspectiva de gênero e a representatividade da mulher em posições de decisão no sistema de justiça.

A presidente da OAB Paraná, Marilena Winter, e a procuradora do Ministério Público do Paraná, Mônica Louise de Azevedo, fizeram as saudações iniciais. Marilena Winter falou do simbolismo da presença, no evento, da ministra que foi a segunda mulher a ser nomeada, em 2006, para o Supremo Tribunal Federal. Em 133 anos de história da corte, apenas três mulheres.

Marilena citou os percentuais de juízas, desembargadoras e ministras nos tribunais brasileiros, bem como de mulheres em cargos de liderança nos escritórios de advocacia, que não chegam a 35%, para enfatizar que o cenário ainda demanda muitos avanços. A presidente também lembrou o episódio ocorrido na 12ª Câmara Cível do TJPR, na semana passada, protagonizado pelo desembargador Luís Cesar de Paula Espíndola.

“O evento se faz muito oportuno por uma situação lamentável que enfrentamos aqui no Paraná, com falas misóginas vindas de um membro do Poder Judiciário. Este encontro, com a presença de magistradas, promotoras, defensoras públicas, advogadas e advogados, é um manifesto de repúdio a toda e qualquer forma de violência e discriminação”, disse Marilena.

A procuradora Mônica Louise de Azevedo, do Ministério Público do Paraná, explicou sobre os objetivos do grupo interinstitucional, criado em 2017, e que nesses anos foi congregando cada vez mais instituições. “Vossa Excelência transformou nossa reunião ordinária em extraordinária. Sua presença enche de brilho esse encontro”, declarou. Mônica de Azevedo explicou que o objetivo é criar um ambiente em que se discuta a equidade de gênero. “Nosso grupo mostra que quando atuamos em rede, saímos mais fortalecidas”, afirmou a procuradora.

Mulheres em movimento

Em sua palestra, realizada de modo virtual, a ministra Cármen Lúcia destacou a importância de grupos que se propõem a refletir e pesquisar sobre as causas dessas manifestações misóginas e aviltantes contra as mulheres, seja no espaço particular como no espaço público estatal. “Não somos mais movimentos de mulheres, somos mulheres em movimento permanente, para que daqui a 100 anos não estejamos neste mesmo patamar”, disse a ministra.

“Temos uma cultura preconceituosa e misógina e temos visto cada vez mais isso aflorar. São falas muito contrárias ao direito, são inconstitucionais. Mas isso é o mínimo. Falta compostura, educação, respeito às mulheres”, afirmou Cármen Lúcia, enfatizando o caráter conservador da sociedade, onde há uma ótima retórica, mas, na prática, os problemas se impõem, como fruto de uma cultura secular em que às mulheres são reservadas as obrigações da casa e aos homens o que é público.

“Por tudo isso é que precisamos saber o que fazer para alterar essa situação. No Estado moderno, a nenhuma mulher foram assegurados direitos sem que elas tivessem lutado para isso”, frisou a ministra.
Ao comentar sobre a baixa representatividade feminina no Poder Legislativo, Cármen Lúcia lamentou as fraudes à cota de gênero, que colocam mulheres emprestando seus nomes para deferimento de outras candidaturas. Segundo a ministra, o maior número de processos na Justiça Eleitoral entre fevereiro de 2022 até hoje foi de fraude à cota de gênero.

Formas de violência

A ministra do STF também citou mulheres que foram silenciadas pela história, como Hipólita Jacinta, que teve participação na Inconfidência Mineira, Bárbara Alencar, primeira presa política do Brasil, Maria Quitéria e Dona Leopoldina, pela sua atuação no processo de independência do país.

Falando do Brasil atual, Cármen Lúcia lembrou que somente no ano passado a tese da legítima defesa da honra, em casos de feminicídio, foi declarada inconstitucional pelo Supremo. “Não é possível aceitar a tese de que a mulher se leva para a própria morte”, disse.

“Todas as formas de violência se voltam contra as mulheres. Estamos num movimento de efetividade dos nossos direitos que, na retórica, já teríamos, mas o olhar de preconceito é demonstrado em cada momento”, observou, acrescentando que até mesmo o discurso de ódio é diferente para homens e mulheres. “Todo discurso contra nós é para desmoralizar, envergonhar, tem falas sexistas, machistas, misóginas, é extremamente violento e refere-se unicamente à condição de sermos mulheres”, destacou.

Para a ministra, é papel das mulheres de hoje buscar a efetividade de direitos. “Temos o dever de oferecer essa contribuição e por isso estamos todos os dias lutando para fazer valer o princípio constitucional de que somos todos iguais. Juntas somos mais”, finalizou.

Peça teatral

Após a exposição da ministra, foi encenada a peça teatral “A esperança é uma rocha que resiste ao tempo”, de Cezar Britto. O roteiro tem como personagens a sergipana Maria Rita Soares de Andrade, interpretada pela advogada Eunice Martins e Scheer, a fluminense Myrthes Gomes de Campo, por Denise Losso, a paranaense Walkyria Naked, por Giuliana Andrade, e Esperança Garcia, por Lena Corrêa, esta última considerada a primeira advogada brasileira, além da menina Manuela Silva. A peça tem direção de José Bergossi e produção de Humberto Gomes.

Responsabilidade

O evento contou ainda com a participação da desembargadora do Tribunal de Justiça do Paraná Ana Claudia Finger. “É fato público e notório a desigualdade nos espaços de poder. A nossa sociedade é majoritariamente feminina, mas lamentavelmente nas instâncias de poder, nos espaços de decisão a ocupação do cargos decisórios é majoritariamente masculina”, observou a magistrada que ingressou no TJ-PR pelo quinto constitucional da advocacia.

A desembargadora também enfatizou a importância de o Judiciário trazer sobre si a responsabilidade de promover a igualdade de gênero. “O Poder Judiciário precisa assumir o dever e a responsabilidade que lhe cabe na interpretação e na aplicação das normas constitucionais para produção da cidadania e da igualdade de gênero, tratando efetivamente as questões femininas como direitos humanos. A eliminação de todas as formas de discriminação, de misoginia e dos tratamentos esterotipados que revitimizam a vítima, como lametavelmente vemos. O olhar com a perspetiva de gênero não é apenas uma escolha ética, é um imperativo inarredável”, concluiu.

A vice-presidente da Caixa de Assistência dos Advogados do Paraná (CAA-PR), Kelly Cristina de Souza, falou sobre a necessidade de mulheres e homens atuarem juntos contra o machismo. “Vivemos em constante luta contra a cultura machista, que não é uma guerra contra os homens. Na verdade é uma busca para reduzir a resistência das pessoas em questionar e combater as pautas femininas. É buscar juntos medidas que promovam a igualdade de oportunidades e que facilitem a conciliação entre a vida profissional e a carreira das advogadas”, explicou. “Ainda somos vítimas de preconceitos, piadas inoportunas, cortam as nossas falas. Sem dúvidas, as mulheres advogadas são as que mais sofrem violações de prerrogativas”, lamentou a vice-presidente da CAA-PR, lembrando que 35% das mulheres advogadas já se sentiram discriminadas pelo gênero e um terço já sofreu sofreu assédio em ambientes de trabalho.

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