Jurista alemão fala sobre os desafios das políticas públicas sobre drogas em seu país

O professor emérito de Criminologia da Universidade de Hamburgo, na Alemanha, Sebastian Sheerer foi o convidado especial do Seminário de Políticas Públicas sobre Drogas, realizado nesta semana na OAB Paraná. Durante o evento, ele compartilhou sua análise sobre a realidade de seu país e trouxe reflexões do direito comparado que podem inspirar a condução do tema no Brasil. Confira a entrevista que ele concedeu à OAB Paraná:

Qual recorte o senhor traz ao abordar a política sobre drogas na Alemanha?

Eu falo de um aspecto do papel do Judiciário na Alemanha, procuro esboçar um histórico das falhas e do fracasso do Judiciário frente às provas.

E o senhor poderia sintetizar quais seriam as principais causas desse fracasso?

 A causa principal é constitucional. O Judiciário na Alemanha, depois da guerra, tinha a tarefa de rever todo o Código Penal, que datava do tempo do império, um tempo autoritário que não tinha nada a ver com democracia. O Código Penal é muito mais antigo do que a própria Constituição. Então você não pode viver com o código do império, do autoritarismo antidemocrático na realidade. Era preciso constitucionalizar o Código Penal. E o Judiciário na Alemanha tinha essa tarefa em 1949. E em vez de revisar a lei, tendo em vista a nova forma da democracia liberal, eles continuaram do mesmo jeito, como se nada tivesse acontecido. E assim algumas leis anticonstitucionais, como por exemplo a criminalização da homossexualidade, continuaram vigentes, ainda que a tarefa do Judiciário fosse declarar inconstitucional. A mesma coisa ocorreu com as leis das drogas. Porque uma constituição liberal que põe a dignidade da pessoa e a liberdade do indivíduo e a não discriminação no centro do pensamento político não pode criminalizar uma preferência de uma droga de lazer que seja diferente do cigarro de tabaco. Tudo faz muito mal para a saúde. E eles continuaram como se nada tivesse acontecido. Então entro um pouquinho no histórico.

E esse fracasso perdura até hoje da política de drogas na Alemanha ou houve alguma correção?

Tem uma correção legislativa tanto em relação à homossexualidade quanto em relação às drogas. Hoje em dia há um programa do governo e um projeto de lei para descriminalizar a maconha, na Alemanha. E vão fazer isso até o ano que vem, já é um projeto bastante avançado. Mas o papel do Judiciário não foi positivo nesse contexto, sempre foi uma obstrução desse processo em vez de uma ajuda por parte do constitucionalismo.

E o senhor conhece a política de drogas do Brasil? Consegue fazer alguma avaliação sobre como as coisas são conduzidas aqui?

Conheço um pouco da literatura, especialmente a crítica da lei de 1986 por Maria Lúcia Karam e também a obra bastante conhecida do [Luís Carlos] Valois, O direito penal da guerra às drogas. E conheço alguns pesquisadores aqui que são muito bons. A lei aqui tem muitos defeitos e o Judiciário, pelo que eu sei, não ajudou muito a constitucionalizar as coisas.