Confira a íntegra do pronunciamento do Ministro Edson Fachin no lançamento da Campanha de Combate à Desinformação

Pronunciamento do Ministro Edson Fachin, Presidente do Tribunal Superior Eleitoral em 18 de julho de 2022, no evento de lançamento da campanha de Enfrentamento à desinformação pela seccional do Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil.

Saúdo a todas e todos os presentes em nome da presidente Dra. Marilena Winter, e do desembargador Welington Mouram, que presidente o TER-PR. Vejo neste 18 de julho a brilhosa advocacia paranaense, de ontem, de hoje e de sempre, muito bem representada. Cumprimento a nobre classe da advocacia paranaense pelo lançamento de campanha de enfrentamento à desinformação, combate de imenso relevo na preservação da democracia. Trata-se, nesta campanha, de propiciar o acesso a informações corretas e, consequentemente, do alcance da verdade no debate sobre as eleições nomeadamente, as eleições do próximo outubro deste ano de 2022, debate este que tem sido achatado por narrativas nocivas que tencionam o espaço social, projetando uma teia de rumores descabidos que buscam, sem muito disfarce, diluir a própria República e a constitucionalidade.

Vivemos um tempo intrincado, marcado pela naturalização do abuso da linguagem e pela falta de compromisso cívico, em que se deturpam, sistematicamente, fatos consolidados, em que se semeia a antidemocracia, pretensamente justificada por um estado de coisas inventado, ancorado em pseudorrepresentações de elementos que afrontam, a toda evidência, a seriedade do sistema de justiça e a alta integridade dos pleitos nacionais.

Criam-se, nesse caminho da desinformação, encenações interligadas, como está a assistir hoje o País; é um desses eventos órfãos de embasamento técnico, pobres em substância argumentativa, e que violam as bases históricas do contrato social da comunicação, assim como as premissas manifestas da legalidade constitucional.

Essa é a manipulação que estamos todos a enfrentar, integrantes de todas as instâncias da Justiça, da sociedade e do estado, esta é a manipulação: tentar sequestrar a ação comunicativa e, desse modo, sequestrar a opinião pública e a estabilidade política. Daí a relevância do lançamento da campanha pela OAB, do grandioso estado do Paraná; a seccional paranaense, minha casa de sempre, eis que saí da advocacia, mas a advocacia da liberdade e do estado democrático de direito jamais saiu deste que voz fala. Saúdo ao lançamento desta campanha, nomeadamente neste dia 18 de julho, em que diversas inverdades estão sendo, mais uma vez, assacadas contra a Justiça Eleitoral.

Vou citar três, precisamente, veiculadas na data de hoje. A primeira delas, a de que teria havido em 2018 um ataque cibernético de hacker ao Tribunal Superior Eleitoral, e que isso teria colocado em risco a integridade das eleições. Não é verdade. O acesso indevido, que é objeto de investigação, ocorrido em 2018, não representou qualquer risco à integridade das eleições presidenciais daquele ano. Até porque o código fonte dos programas utilizados naquela e em todas as eleições passa por sucessivas verificações e testes. E este código – é necessário que se diga, a bem da verdade – é acessível a todo tempo aos partidos políticos, à OAB, à Polícia Federal e a outras entidades que participam do processo. Dizer, portanto, que um hacker teve acesso ao sistema é como arrombar uma porta aberta. Somente depois de digitalmente assinado e lacrado é que, de fato, não só não há acesso, como inexiste – não existe – qualquer possibilidade de alteração, uma vez que o programa ali inserido simplesmente não roda se vier a ser modificado. Mais do que isso, também é falso dizer que teria havido ou poderia haver alteração de votos, até porque as urnas eletrônicas não entram em rede, e por não serem conectadas a internet não são passíveis de acesso remoto, o que impede qualquer tipo de interferência externa no processo de votação e no processo de apuração.

Essa é uma das fake news veiculadas na data de hoje, como, aliás, foram há um ano e repetidas muitas vezes com a pretensão de que ela eventualmente, nesta captura da comunicação, venha a se tornar de uma inverdade uma verdade suposta, fictícia e assumida como tal.

A segunda notícia falsa divulgada hoje é a de que somente o Brasil não adota o voto impresso. Aqui também é preciso dar a informação por inteiro. A proposta de adoção do voto impresso foi rejeitada, não foi aprovada pelo Congresso Brasileiro, pelo parlamento brasileiro, no ano passado, naquele período da anualidade previa às eleições. O parlamento votou e, ao não acolher a proposta, decidiu pelo sistema de votação, precisamente esse que vínhamos aplicando há muitos anos e continuaremos a aplicar. Também não é verdade dizer que apenas um ou dois países adotam o sistema eletrônico de votação, basta ver o que se passa em parte substancial do voto nos EUA. A França é outro exemplo de país que não adota voto impresso. Portanto, eis aí outra informação divulgada na data de hoje que não procede.

Como também não procede a informação de que este tribunal, que em boa hora constituiu uma Comissão de Transparência Eleitoral, hoje composta de 17 membros e entidades, e um Observatório de Transparência Eleitoral, hoje composto por 62 entidades e personalidades do mundo científico e acadêmico – em boa hora constituiu esta comissão, convidou para integrar a comissão, entre outras entidades, as Forças Armadas, que desde há muito colaboram com a Justiça Eleitoral e o fazem de modo importante e relevante, em termos de logística e operacionalidade – e também não é de agora que realizam, junto a outras entidades, o papel de observação e fiscalizadora das eleições. Não é verdade dizer que este tribunal não acolheu sugestões feitas pela Comissão de Transparência Eleitoral.

Não é verdade dizer, como se disse na semana passada, no Senado Federal, que três das sugestões mais relevantes esse tribunal teria deixado de lado. E, a bem da verdade, como estamos lançando uma Campanha de Combate à Desinformação, presto as informações cujos links, com o respectivo detalhamento, estão todos nos sítios eletrônicos da Justiça Federal. E aqui menciono, portanto, que estas três propostas que não teriam sido acolhidas – recebemos dezenas de propostas, 75% foram acolhidas, e estas três, de um modo especial, receberam nossa consideração também especial. Quanto ao teste de integridade, por exemplo, que realizamos no próprio dia das eleições, e isto desde há muito tempo no sistema eletrônico de votação, este teste é parte integrante do calendário de auditorias. Nestas eleições nós sextuplicamos a quantidade de urnas e os códigos-fonte estão disponíveis desde um ano antes das eleições. Os códigos-fonte estão disponíveis para verificação e planos de ataque desde outubro do ano passado. Portanto, inclui todas as entidades fiscalizadoras, inclusive as Forças Armadas, porque estão à disposição de todos aqui no TSE.

Ademais, não é possível, como esta semana se disse de modo incorreto no Senado Federal, não é possível que um código malicioso seja inserido internamente, visto que o código é continuadamente inspecionado por diversas entidades que mantém sob controle todas as eventuais alterações, de modo que esta é uma inverdade dita no dia de hoje, como também uma desinformação se fez quanto ao teste de segurança das urnas do modelo 2020. Estas urnas serão testadas no prazo previsto pela Universidade de São Paulo, e irão se repetir todos os testes feitos em todas as urnas das eleições anteriores. Também não é verdade dizer que houve menor participação das entidades fiscalizadoras nos processos de auditoria. Enfim, estas, dentre outras 12 afirmações feitas numa encenação que se relevou a efeito na capital da república no dia de hoje, estão sendo devidamente esclarecidas.

Por isso, louco mais uma vez esta importante iniciativa que desafia a era da pós-verdade, na qual se atenua a reprovação social das mentiras e encetam-se cruzadas ficcionais que disputam o canteiro da verdade, dificultam a paz, promovendo a intolerância e corroendo os consensos. Dentro dessa conjuntura, a harmonia social oscila com o recuo das virtudes.

Por isso, neste evento importante, peço licença para dizer, sem meias palavras:

– A JE está preparada e conduzirá a Eleição de 2022 de forma limpa, transparente e aditável. Como faz há 90 anos, como fez nessas nove décadas e como tem feito em 26 anos de forma eletrônica de votação, à luz do pioneirismo do nosso estado do Paraná e do TRE-PR.

– Há um inaceitável negacionismo eleitoral por parte de uma personalidade pública importante dentro de um país democrático, e é muito grave a acusação de fraude, a acusação de má-fé a uma instituição, mais uma vez, sem apresentar provas.

– As entidades representativas como a OAB e a própria sociedade civil, além da Justiça eleitoral, precisam fazer sua parte, e o evento de hoje mostra que estão fazendo, na garantia de que a democracia seja preservada. É importante a sociedade civil, as cidadãs e os cidadãos entenderem que esse tipo de desinformação, como aquelas que hoje foram veiculadas nesta capital do Distrito Federal, onde me encontro, se isso assim prosseguir só pode interessar aquém não interessa provas e fatos, por isso creio precisamos nos unir e não aceitar sem questionarmos a razão de tanto ataque institucional e ataques pessoais.

Sempre estivemos abertos ao diálogo, e assim já se deu na gestão que me antecedeu, do ministro Luís Roberto Barroso, e assim se dará na gestão que me sucederá a partir de 16 de agosto, do ministro Alexandre de Moraes. Não contra-atacamos ninguém e nenhuma instituição, o que rejeitamos é a falta de compromisso com a verdade. Aqui entre nós sempre houve condução disciplinada e educadora, com o intuito de formar o eleitorado a propósito do processo eleitoral e a função e a capacidade do tribunal superior eleitoral e da justiça eleitoral como um todo, para dar conta da missão de segurança, transparência e eficácia.

Neste momento, mais uma vez a Justiça Eleitoral e seus representantes máximos, são atacados, como estão sendo e foram na data de hoje, com acusações que não têm fundamento na realidade. Mais grave ainda é envolver a política internacional e também das Forças Armadas nessa contaminação, cujo relevante papel constitucional, como instituições regulares e permanentes, ninguém pode negar que são forças do Estado e não de um governo.

É hora de dizer basta à desinformação. É hora de dizer basta ao populismo autoritário, que coloca em xeque a conquista da Constituição de 1988, que coloca em xeque o que na Curitiba de 1978, na histórica 7ª Conferência Nacional da OAB foi proclamado por Raymundo Faoro, por Eduardo Rocha Virmond, o estado de direito que cumpre preservar. Porque assim preservaremos as prerrogativas da advocacia e da magistratura. E preservar o estado de direito significa ter a consciência de que não podemos colocar em risco direitos fundamentais. Toca observar os sinais de alerta estão neste cenário, todos os sinais de alerta que atentam contra a independência dos Poderes, que procuram abolir com violência física, simbólica ou mesmo verbal a pluralidade, a tolerância, e a liberdade na sociedade. Precisamos resgatar a primazia do componente tolerante no conjunto de comportamentos que se verificam no espaço cívico. Críticas sim, aprimoramento sim, mas intervenções na Justiça Eleitoral, jamais.

Por isso, agimos e estamos juntos no dia de hoje, contra a desinformação, pelo aumento da resiliência contra o engano, para preservar a liberdade – a verdadeira liberdade – e contra a tentação discursiva das mentiras simples. Cumpre reaver a normalidade das campanhas eleitorais, que, sob a perspectiva democrática, existem não como janelas para ataques sucessivos, mas como espaços sadios para que os competidores com sua cosmovisão distintas ofereçam, em igualdade de condições, informações verdadeiras e propostas plausíveis para os dilemas coletivos de um país que muito tem a fazer para se tornar verdadeiramente justo, livre e solidário.

Cabe preservar conquistas civilizatórias, mantendo-se o povo livre e consciente frente à dominação outrora imposta por supostos líderes que, em momentos infaustos, apagaram memórias e usaram da força para usurpar o poder, fazendo-se imunes ao julgamento coletivo, negando a natureza soberana da democracia.

Em meio a um debate desvirtuado e a um clima comunicativo nitidamente adoecido, recusemos a cólera, vamos promover diálogos racionais e ponderados, e propiciar que todos os candidatos – deputados estaduais, deputados federais, governadores, um terço do senado, candidatos à presidência da república – possam apresentar suas ideias e o povo escolher quem melhor representa a maioria dos votos que serão atribuídos no dia 2 de outubro e, em ocorrendo, como prevê-se na Constituição e na legislação do segundo turno, reiterar e votar no dia 30 de outubro.

O processo eletrônico que guarda estas eleições, tal como ocorreu nas eleições anteriores, é seguro, transparente e aditável. As eleições brasileiras permitem, sempre, a quem se candidata à reeleição, que assim possa fazer, como é legítimo que se apresente, a quem se candidata à presidência da república, que defensa suas ideias, e todos, dentro do regulamento do certame eleitoral, em consonância com a autêntica vontade popular.

Por isso, e concluo, nesta data agraciada, a OAB Paraná e o Tribunal Superior Eleitoral irmanam-se em uma missão deveras importante para a cena brasileira. Iluminar os fatos. Garantir o acesso a informações adequadas. E, mais do que isso, promover a paz, a tolerância e a democracia, em prol do direito de escolha das brasileiras e dos brasileiros.

Muito obrigado pela vossa atenção.