Na década de 1940, não havia uma única mulher engenheira no Paraná. E não é de se surpreender que as moças que estivessem pensando em seguir uma carreira profissional descartassem engenharia como profissão para mulheres. Se fosse uma jovem negra, poderia pensar ainda mais que esse não era mesmo um caminho a seguir, pois não havia uma única engenheira negra em todo o país.
Mas não foi isso que Enedina Alves Marques pensou. Ela escolheu a profissão mesmo sendo mulher e negra. E haveria ainda outro fator que poderia demovê-la da ideia. Sendo pobre, não tinha como pagar os estudos, pois antes do ingresso no curso de graduação era necessário fazer uma capacitação chamada curso complementar de pré-engenharia, com duração de cerca de três anos. Para conseguir fazer isso, ela optou pela jornada tripla e voltou ao serviço doméstico, que havia sido sua primeira experiência no mundo do trabalho. Assim somou os ganhos ao salário de professora normalista e conseguiu pagar os estudos.
Origens
Filha de um casal de pessoas negras, que viviam o rescaldo da recente abolição da escravatura em 1988, Enedina nasceu em 1913. A mãe, Virgília Alves Marques, era doméstica, e o pai, Paulo Marques, trabalhava fazendo pequenos reparos em casas e comércios. Os dois se separaram ainda na infância da menina. A mãe e as crianças foram morar na casa da família onde Virgília trabalhava. Lá, Enedina acabou tendo a oportunidade de frequentar a Escola Particular da Professora Luiza Dorfmund para fazer companhia à filha do patrão, o delegado e major Domingos Nascimento Sobrinho. Ela foi alfabetizada com cerca de 12 anos de idade, por volta de 1925.
A alfabetização tardia não a impediu de prosseguir nos estudos. E após fazer o curso de normalista ela chegou a trabalhar três anos exclusivamente como professora.
Desafios na graduação
Após finalmente ingressar na faculdade, a futura engenheira levou seis anos para concluir a graduação que durava cinco, pois teve algumas reprovações ao longo do curso, como é comum até hoje nas engenharias. Um artigo de Jorge Luiz Santana publicado na revista acadêmica Vernáculo traz uma entrevista de Elfrida Elisabeth Schierman Sickael, amiga de Enedina, que contou sobre certa vez em que, após uma reprovação, a estudante afirmou: “Eu não desisto, eu vou até o fim, um dia eles enjoam da minha cara e me aprovam”.
“E foi o que realmente aconteceu, ela não desistiu, foi em frente”, conclui Elfrida, que também descreveu que havia muito preconceito e perseguição a amiga no espaço acadêmico. Em diversas situações ela se deparou com entraves burocráticos, intepretações de normas, referentes a prazos, por exemplo, que mudavam de uma hora para outra de modo a prejudicá-la.
Em 1945, Enedina se formou engenheira pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) aos 32 anos de idade. Na solenidade de formatura, realizada no prédio do Palácio Avenida, na Rua XV de Novembro, chamou atenção entre os 32 homens que integravam a turma. Também segundo o artigo da revista Vernáculo, seu amigo Adelino Alves da Silva relatou que muitos colegas de turma que nem falavam com Enedina durante o curso foram abraçá-la e homenageá-la com elogios no dia da colação de grau.
Trabalho
Em sua carreira, Enedina trabalhou na Secretaria de Estado de Viação e atuou em grandes obras públicas, como a Usina Capivari-Cachoeira (atual Usina Governador Pedro Viriato Parigot de Souza, maior central hidrelétrica subterrânea do sul do país). Também atuou nos projetos do Colégio Estadual do Paraná e da Casa do Estudante Universitário de Curitiba.
Pioneira
“Enedina inspira todas nós, mulheres engenheiras. Foi uma protagonista e pioneira de quem sempre lembramos, não apenas por ter sido a primeira mulher negra a ser formar em engenharia no Brasil, mas principalmente porque foi uma guerreira. Era a única mulher de sua turma e vivia em uma sociedade pós-abolição, machista e sem oportunidades educacionais”, reflete a engenheira Agatha Branco, diretora do Sindicato dos Engenheiros do Paraná e conselheira suplente no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Paraná (Crea), no qual também integra o Comitê de Mulheres
Ela relembra que a notoriedade e o pioneirismo da primeira engenheira paranaense estão marcados em diversas homenagens. Logo após seu falecimento, em 1988, a Rua Engenheira Enedina Alves Marques foi nomeada no bairro Cajuru, em Curitiba. Em 2006, o nome dela foi registrado no Livro do Mérito do Sistema Confea/Crea e também está inscrito no memorial à Mulher Pioneira do Paraná.
Em 2018 foi inaugurada uma placa em homenagem a Enedina instalada no prédio administrativo do Setor de Tecnologia da UFPR, por ter sido a primeira engenheira negra do país e formada na instituição. E o trecho da PR-340 entre Cacatu e Cachoeira de Cima chama-se Engenheira Enedina Alves Marques desde 2020, após a aprovação do Projeto de Lei 20.289.
“Conhecer sua história nos fortalece enquanto mulheres e engenheiras. Sabemos que não devemos desistir, mesmo com todos os obstáculos impostos, e devemos seguir dando as mãos para outras. Encorajamos mulheres que desejam ingressar na engenharia, agronomia e geociências, pois sabemos que lugar de mulher é também na engenharia, dialogando, construindo, projetando, melhorando a vida das pessoas e o meio em que vivemos”, reflete Agatha sobre o legado de Enedina.
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